Redenção Dos Pecados



Coragem decididamente não é uma das minhas virtudes. O pior de tudo é que a amo muito. Como irei lhe dizer? Repugnante covardia a me encurralar nos labirintos aziagos da vida. Mas confessar é preciso, nem que eu tenha que rasgar os tímpanos dos mortos em estridentes alaridos de arrependimento. Qual será o lugar mais propício? O ambiente mais consolador? Já sei! Vou fazer da natureza minha cúmplice, deixar que a sombra das árvores atenuem minha culpa.

- Querida, vamos dar um passeio na Redenção (Parque Farroupilha muito tradicional em Porto Alegre e carinhosamente apelidado de Parque da Redenção)
- O que deu em ti?
- Sair um pouco deste sufoco em forma de apartamento. Às vezes parece que estou enterrado vivo.
- E desde quando tens síndrome de claustrofobia?
- Deixa de besteira, vamos lá.
- Agora?
- E por que não? O dia está maravilhosamente ensolarado.
- Tudo bem, tudo bem...vou me arrumar.

O domingo realmente estava convidativo, mas ao contrário do que pensara, não me sentia disposto a um diálogo. Enchi meu peito de ar, tomei uma posição de ataque e não consegui desembuchar nada, em viz disso, convidei-a para uma volta de pedalinho.

Trinta minutos dando voltas num lago sem destino. Estava ficando louco, uma fortíssima dor de culpa castigava minha consciência. Tentava e na hora "H" nada. Comemos algodão doce, nos deitamos na grama, visitamos a praça chinesa, alugamos bicicletas, andamos de um canto para outro, relembrando cada pedaço do parque. O sol lentamente cedia lugar à noite. Meu tempo esgotáva-se rapidamente. Ela é linda, não entendo como fui fazer uma coisa destas. Se mil vidas vivesse, mil vezes casaria com ela, mil vezes me ajoelharia pedindo perdão e mil vezes venderia minha alma ao inferno. Tiro os sapatos para poder sentir melhor a grama. Energizo-me com as forças naturais da mãe terra, catarse de um espírito carregado de impurezas. Vamos finalmente olhar os animais enjaulados. Primeiro os macacos, depois as aves. As lágrimas arrebentam a represa, escorrem como uma cachoeira pela minha face petrificada. A voz vem fraca, mas aos poucos ganha vida, explode pela garganta e anuncia o caos...

- Tenho aids.

Ela entende que não estou brincando ou mentindo. Consegue captar a mensagem que lutou para sair o dia todo. Soluçando e afogada em sua melancolia ela responde.

- Acho que estou grávida...

Ficamos contemplativos observando o vôo dos pássaros engaiolados.

Autor: Adriano Saraiva


Artigos Relacionados


Revelação Do Ter

Licença Poética...

Aprendo Errado

Ao Contrário De Ti

Exílio

Pasma Imaginação

O Doutor E O Caboclo