Outras do Joãozinho



Naquele dia não pude ver como terminou a conversa do Joãozinho com o diretor da escola. Mas, curioso que sou, procurei meus colegas. Eles é que me contaram. Não posso jurar que tenha sido exatamente isso que aconteceu, mas confio neles. E, além disso, conheço o Joãozinho.
Disse um amigo que a sala continuou alvoroçada. O diretor dando suas explicações e o Joãozinho apresentando seus argumentos. Argumento de criança, é verdade, mas nem por isso menos sagazes.
Meus colegas disseram que o diretor ? que é nomeado pelo governo e não representante das vontades e necessidades da escola e da comunidade ? tentava dar as justificativas sobre os desmandos políticos e imbecilidades produzidas pela truculência.
Falava, o diretor, sobre a importância de se estudar, "para ser alguém na vida", quando o Joãozinho perguntou se quem não estudava não era ninguém, pois "se é preciso estudar para ser alguém, o que é quem não estuda? Ninguém?". Um raciocínio lógico que nem mesmo Aristóteles, o pai da lógica, poderia contestar. Só porque a premissa do diretor estava errada.
Mas o diretor saiu pela tangente, e deu exemplos de pessoas que se tornaram importantes e desenvolveram importantes trabalhos a partir dos seus estudos. E deu vários exemplos de profissionais que chegam à excelência a partir dos estudos. "Vejam quantos médicos temos por aí. Vejam quantas vidas eles salvam por terem estudado".
"O pai disse que os políticos também deveriam estudar. Tem tanto analfabeto mandando que a gente quase não acredita que precisa estudar. O pai disse, também, que tem alguns médicos que continuam estúpidos! Ele contou que esses dias um médico não sei de onde, não quis atender uma mulher doente porque ela tinha chegado muito tarde. Mas não era tarde, era antes do almoço. E ela tinha chegado na hora certa, pois era a hora que ela precisou ir, ela não ficou doente na hora que o medico queria. E o pai contou também que um outro chamou os professores de merda. Se os professores são merda, quem é que vai querer ir para a escola. Acho que os professores não são merda. Os que cuidam da escola é que fazem cagada e querem sujar o professor". E esse médico que o pai falou, faz essas cagadas porque não estudou.
"O que é isso, Joãozinho? Olha o respeito! Isso são modos de falar. Além disso, não vamos chegar a extremos. Existem casos isolados de maus profissionais. Mas isso não significa que todos os profissionais sejam relapsos. Existem os bons profissionais".
"Mas o pai disse que a gente morre é pela mão dos maus profissionais, diretor! Quem é bom não mata ninguém, nem corta a perna errada"
"Tudo bem, Joãozinho. Você é mesmo impossível. Mas estou aqui apenas para falar sobre as datas comemorativas. Na semana que vem começaremos mais um das nossas atividades do calendário. É o projeto que a professora estava falando quando eu entrei"
"Seu diretor, tem data que muda de data?"
"Como assim, Joãozinho?"
"É que o pai falou que tinham mudado o dia do aniversário de não sei qual estado, não sei de qual Brasil. E depois tiveram que desmudar. Aí o pai disse que fizeram isso porque tinha um cara querendo mandar em tudo, mas veio outro que não manda nada e teve que obedecer não sei quem e demudar o que o outro tinha mudado"
"Ah! É isso! Bem o governador anterior tinha decretado uma alteração no calendário cívico, sobre o aniversário do nosso estado. Mas ele não sabia de alguns detalhes e seu sucessor precisou sancionou uma lei que desfaz o equivoco. Nesse ponto você está certo, um desfez o que o outro havia feito. Mas as coisas são assim mesmo. É assim que nós conseguimos progredir"
"Sei não, seu diretor. O pai falou que a gente progride quando a gente vai acrescentando coisas às coisas já conquistadas. Mas desfazer o que tá feito o pai disse que é perda de tempo".
"Seu pai não sei o que pensa, Joãozinho, mas nosso governantes foram eleitos para fazer as coisas corretas. Por isso é que são assessorados por pessoas entendidas nas várias áreas. Esses assessores os ajudam a fazer as coisas certas. É para isso que nossos representantes são eleitos".
"Mas diretor, se são eleitos para fazer as coisas certas, porque fazem tanta coisa errada? Ou será que são os assessores é que não sabem nada? Mas se o assessor vem assessorar é porque deveria saber fazer, não é mesmo?"
"Bem, Joãozinho, tanto os assessores como nossos representantes fazem tudo para sempre fazer as coisas certas. Mas sabe como é, eles são gente. E gente erra. E quando se erra tenta-se corrigir o erro. Isso é o que nos faz grandiosos: sermos capazes de reconhecer nossas limitações e corrigir nossos equívocos"
"É, seu diretor, só que quem paga o pato pelos erros deles somos nós. E o pai disse que nós pagamos os impostos e por isso é que pagamos o pato. Só que não sei porque, a gente vive pagando o pato mas nunca consegue comer esse bicho. A gente paga para os outros, seu diretor? A gente paga pros nossos representantes comerem nosso pato, e a gente ficar sem nada?"
Desta vez também não pude saber como continuou a conversa, pois meu amigo, que estava me contando, teve que sair, apressadamente...
Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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Autor: Neri P. Carneiro


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