SABÊ LÊ NUM PRESTA




Um certo senhor analfabeto e muito trabalhador era proprietário de um sítio grande, com uma boa casa rodeada por um enorme terraço. Ele plantava, criava patos, galinhas e porcos e tinha até criação de leite, como cabras e algumas vacas. Também possuía alguns cavalos e mulas para ajudar no trabalho pesado. Em frente à casa havia um cacimbão, que nos seus tempos de moço ele mesmo cavara, e que minava água à vontade
Na casa, com ele e a sua mulher também moravam um cunhado viúvo e dois filhos rapazolas, que frequentavam a escola. Além deles também viviam ali os seus próprios filhos, que foram se casando e como a casa era grande, ficaram morando ali mesmo. A filha e a nora até sabiam ler e escrever e os dois genros, rapazes fortes e bem apanhados, eram estudados, como se falava no interior. Todos foram se acomodando no casarão e os netos foram nascendo. Todo mundo acordava tarde e ninguém trabalhava a não ser o velho, que se levantava de madrugada, antes do sol nascer e pegava o tranco na lavoura, na criação e comandava tudo. O velho fornecia comida à vontade, carne, leite, frutas, comprava e pagava tudo, inclusive aos empregados. Não faltava nada.
À boquinha da noite, sentado numa cadeira de balanço e puxando uma fumacinha de cachimbo no terraço, já cansado olhava tristemente para aquela cambada de preguiçosos e dizia baixinho para um seu velho amigo que o ajudava na lida e sempre vinha bater um papinho com o compadre, sua única distração:
- Sabe Chicó, dizia o velho, sabê lê num presta não cumpade. Meu filho sabe lê, iscrevê e contá; a mulhé dele, aquela ali, e esticava o beiço na direção da nora; até sabe lê de carreirinha e tudo, mas a vida dela é lê esses gibi ou então ficá de ouvido colado no raidinho, ouvindo novela. Isso é o dia inteiriim. Esses dois meu sobrinho que tão ali rindo baixinho, só veve assim; passa a vida olhando essas revistinha de safadeza. É por isso que eles tão rindo assim. O meu cunhado só dorme. Quando acorda também vai direitiim ouvi o ráido. É um vício cumpade, é o dia todiim que Deus dá.
- Meus dois genro também sabe fazê conta inté na tabuada de nove vez nove, coisa difíce... Mas ninguém só num sabe é trabaiá. Mas o diabo é que quem assustenta eles tuudiim aqui é eu, você sabe disso, home.
E soltava mais uma baforada de fumaça fedorenta do cachimbo.
- É por isso que eu sempre digo: sabê lê num presta! Presta não.
- E agora você falô a verdade, cumpade, respondia o amigo Chicó.
- É, falei. Se falei!...
Tá ficando escuro, cumpade. Vamo durmi que o dia começa cedo. Aparece amanhã, cumpade Chicó.
Na outra noite a conversa era sempre a mesma.

Autor: Junia - 26.05.2010

Autor: Junia Pires Falcao


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