GÊNERO E SEXUALIDADE NA IEDUCAÇÃO INFANTIL



SÍLVIA SALDANHA CORRÊA1

GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

JUNHO, 2009

"Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa" (MICHEL FOUCAULT, 1971).

INTRODUÇÃO
Desde quando desenhos na parede representavam condições de comuni-cação, numa antiguidade tão encantadoramente misteriosa, percebe-se a preocupa-ção com o corpo humano. De notados nos mais variados desenhos rupestres, repro-duzidos em estampas diversas de traçados pouco incógnitos nas antigas moradas, o homem e a mulher vêm sendo desmitificados enquanto figuras apenas mantenedo-ras da espécie.
O homem moderno e, sobretudo, o contemporâneo recebeu novo status, no que se refere à autonomia sexual. Não tem mais papel meramente reprodutor; casa-se alheio ao objetivo de gerar filhos e reproduz sem efetivar os laços do matri-mônio. Nesse contexto de liberdade de expressão especificamente em relação à se-xualidade, crescem as crianças, envoltas por realidades mais ou menos livres de conceitos. Mesmo com o instinto nato de necessidades sexuais, buscam explicações e realizam questionamentos infindáveis sobre o tema. Aí, entram em cena os educa-dores primeiros ? os pais (ou responsáveis por elas) ? que, associados a ensina-mentos da escola, norteiam o crescimento físico e intelectual dos pequenos, nesse oceano de possibilidades.


1 SEXUALIDADE E CULTURA
Maria Luiza Heilborn e Elaine Reis Brandão iniciam o livro ?Sexualidade? com questões pertinentes ao foco da pesquisa que dá nome à bibliografia, certa-mente já indagadas pelo senso comum: ?O que as ciências sociais têm a dizer sobre a sexualidade? Seria esse tema mais bem tratado pelos saberes que giram em torno do psicológico? O que há de novo e como se configura o campo dos estudos socio-lógicos sobre sexualidade?
Tais perguntas podem ser esclarecidas no momento em que borbulham os avanços científicos e mesmo estudos de cunho sociológico, uma vez que o ho-mem tem se tornado um centro recebedor e gerador de informação constante. Cada vertente ? as abordagens de caráter social, científico ou psicológico ? oferece sabi-amente sua contribuição para esse que representa um dos mais complexos temas de que a humanidade já teve notícia.
A noção de sexualidade é recente, conforme assinala Foucault, verificada a partir do final do século XIX. O aparecimento do termo confunde-se com a própria criação e ascensão científica e biológica, quando se multiplicaram meios eletrônicos de comunicação e opções mil de se conhecer além do que o espelho relata.
O uso da palavra foi estabelecido em relação a outros fenômenos, segun-do o mesmo estudioso: a instauração de um conjunto de regras e de normas, em parte tradicionais e em parte novas, e que se apóiam em instituições religiosas, judi-ciárias, pedagógicas e médicas; como também as mudanças no modo pelo qual os indivíduos são levados a dar sentido e valor à sua conduta, seus deveres, prazeres, sentimentos, sensações e sonhos.
Culturalmente, observa-se um paradoxo: embora estejamos na era de ex-trema facilidade de expressão e de iniciação relacional, ainda se observa um tanto quanto árdua a ação de explicitar o tema ?sexualidade?. Isso porque categorias como o paganismo, a moralidade e o cristianismo são geralmente inerentes à questão. As-sim, abordar o assunto entre um grupo puramente cristão, com valores da igreja bem determinados e arraigados aos preceitos do mesmo grupo, pode significar polêmica, se houver, do outro lado, pessoas desligadas a qualquer valor religioso ou prática espiritual. Percebem-se aí dois fatores importantes, causadores de discussão, inde-pendentemente do nível intelectual e de vivência de cada um: religião e sexualidade. Michel Foucault, em seu livro de nome ?A Ordem do Discurso?, já apontava a sexua-lidade como sendo, ao lado da política, uma potencial geradora de controvérsias, no tocante à defesa do tema.
Há de se respeitar os estigmas dos indivíduos e focar o diálogo somente no eixo gerador de tal problemática ? no caso, o desenvolvimento sexual ?, desas-sociado de qualquer preconceito porventura estabelecido. Dessa forma, pode-se chegar a produtivas ponderações e soluções.
O cristianismo, segundo Foucault, teria associado o ato sexual ao mal, ao pecado, à queda, à morte, ao passo que a antiguidade o teria dotado de significa-ções positivas. Da mesma maneira ocorre quando se fala de relacionamento entre pessoas do mesmo sexo: enquanto determinadas doutrinas o associam a maus pensamentos, outras têm no mesmo tipo de relação uma forma simplesmente opcio-nal de experiência.
De forma semelhante ocorre com a educação: dificilmente uma criança o-rientada sob aspectos severamente punitivos e castos irá adaptar-se à idéia de ho-mossexualidade e/ou divórcio, por exemplo, contrariamente a quem recebeu como base construtiva uma educação libertária e desprovida de qualquer teoria sexual.
Segundo o princípio freudiano, as teorias sexuais infantis refletem a evo-lução da constituição psicossexual da criança e seu conhecimento, interessante para a compreensão dos mitos, dos contos e do folclore; são indispensáveis para a com-preensão das neuroses. O estudo da origem das neuroses revela, em verdade, todo um jogo de fantasia, que se relaciona, não somente com fixações desta ou daquela fase da sexualidade, mas também com essas próprias teorias.
O que foge da rotina/regra de certa população parece igualado ao errado, ao impróprio. É relevante que se tenha clara a premissa de imparcialidade no mo-mento em que se vai avaliar ou meramente abordar a sexualidade, seja com qual grupo de indivíduos for. A intenção deve se focar na comunicação destemida, no es-clarecimento de causas, no diálogo de elucidação e no estudo simples e objetivo do tema, atentando-se para o meio cultural em que está inserido cada um.
As vestimentas utilizadas pela população da Índia e do Brasil são exem-plos do quão importante deve ser a imparcialidade: tais roupas não são ideais ou punitivas, apenas representam a forma de vida de um povo e, portanto, devem estar livres de julgamento conceitual, haja vista o contexto em que uma e outra estão inse-ridas.
Foucault assinala que essa temática, através de instituições, de conjuntos de preceitos, de referências teóricas extremamente diversas e a despeito de muitos remanejamentos, guardou, através do tempo, uma certa constância: como se hou-vesse, desde a Antiguidade, quatro pontos de problematização a partir dos quais se reformulava, incessantemente ? e segundo esquemas frequentemente diferentes ?, o cuidado com a austeridade sexual.
É necessário registrar um fato determinante no entendimento e desenvol-vimento de idéias acerca da sexualidade e o que ela virá a representar na vida evo-lutiva do cidadão. Muito dessa teoria é genética ? passa de pai para filho não orga-nicamente, mas como forma de exposição de pensamentos e opiniões. Pode-se a-firmar, sem receio, que determinada teoria paterna ou materna será levada em con-sideração pela criança até que ela se torne um ser capaz de formular e principal-mente defender seu ponto de vista. A partir de então, tal idéia passada pelo pai ou pela mãe (ou pela figura principal no ciclo de formação da criança) pode ser contes-tada e, inclusive, não mais aceita. Sob o papel de herói que os pais assumem peran-te a visão da criança, ainda como ser desprovido de plena capacidade intelectual, nota-se fácil a atribuição, pelo filho, das opiniões do pai e da mãe como sendo a cor-reta; a verdadeira; a infalível.
Para Freud, a curiosidade sexual não tem como ponto de partida a dife-rença anatômica entre os sexos, visto que essa diferença não existe para as crian-ças, que (principalmente os meninos) atribuem a ambos os sexos os mesmos ór-gãos genitais, ou seja, os do sexo masculino.


2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL

Diversas são as teorias, a respeito da melhor forma de abordagem, com o aluno, sobre a temática da sexualidade e suas vertentes. É preciso lembrar o quão dotado de perspectivas referentes ao tema o indivíduo é, seja ele adulto e, prioritari-amente, criança. Esta já tem, a partir de experiências caseiras, seja por meio de uma contestação paterna ou uma orientação materna, muitas noções mais ou menos cla-ras sobre o tema. Possuir ou não irmão ou irmã; brincar com os amigos da escola ou apenas as crianças da rua; morar com os pais ou os avós; tudo isso pondera as per-cepções sobre o próprio corpo e as expectativas em relação ao mundo. Maria Luiza Heilborn e Elaine Reis Brandão defendem que a sexualidade não é um objeto de es-tudo novo ou estranho à tradição disciplinar antropológica; ao contrário, existem et-nografias clássicas que descrevem práticas sexuais de sociedades ditas primitivas, desde o início do século.
A escola embasa, sob forma profissionalizada e, portanto, mais prepara-da, o estudante para que se sinta capaz ou apenas informado acerca do que anti-gamente era punitivo/repugnado. Não são raros os relatos de adultos que, quando criança, constrangiam-se ao questionar sobre a sexualidade ? fato quase generali-zado entre famílias dos anos 60 e 70 ? em casa. A evolução dos meios tecnológicos como um todo permitiu a ascensão de pesquisas científicas e, consequentemente, o esclarecimento de teorias tomadas até então como prontas, concluídas.
Esta constante procura por respostas e a própria inquietação humana so-bre assuntos diversos ? inclusive as nuances do sexual ? tornam-se aliadas do cres-cimento intelectual sobre o tema e, portanto, auxiliam o esclarecimento de aborda-gens antes não preconizadas.
A desassociação entre sexualidade e reprodução biológica da espécie, a partir do desenvolvimento dos métodos contraceptivos hormonais, nos anos 60, e o advento da epidemia de HIV/Aids, na década de 80, deram novo impulso à investi-gações sobre os sistemas de práticas e representações sociais ligados à sexualida-de, constituindo-a como um campo de investigações em si, dotado de certa legitimi-dade.
Bibliografias de auto-ajuda são cada vez mais consumidas por pais que pretendem acertar já com o primeiro filho, uma vez que possuem, como parceiras, informações variadas sob formas diversas (sites, artigos, blogs, revistas, entrevis-tas...). Alguns erroneamente transferem aos centros educacionais toda a responsabi-lidade de abordagem sobre temas polêmicos e prolixos, como a sexualidade. Outros se posicionam como aliados da escola no processo de aquisição da informação, por parte da criança.
A escola parece mesmo ser o meio ideal para elucidar ao estudante as li-nhas gerais ? ou específicas ? em relação à orientação e até iniciação sexual. Os responsáveis pela criança, porém, devem se manter como referência da mesma, tão logo ela necessite de respostas e apontamentos esclarecedores.
Estudiosos acerca do tema valem-se de critérios variados para satisfazer as crianças de suas inquietações e curiosidades em relação a esse assunto univer-salmente presente e necessário. Freud quase não se reabilitou da grande indigna-ção causada por sua afirmação e sua demonstração da existência de uma sexuali-dade e sua demonstração da existência de uma sexualidade infantil.
No livro intitulado ?Professores e Professauros?, o autor Celso Antunes cita como seria ministrada a aula excelente, segundo diversos educadores, entre eles Paulo Freire, Jean Piaget, John Dewey e Maria Montessori. Na opinião destes reno-mados profissionais, merecem destaque um ou outro fator como sendo essencial no modo de lecionar. O curioso, porém, é que Antunes não toma partido de um ou de outro estudioso, mas aponta cada teórico como extremamente relevante no cenário educacional, dentro de sua noção de excelência.
Assim deve ocorrer, ao se buscar a escola como meio formador da crian-ça, também na questão sexual: um recurso infindável de informação, sem deixar à margem o conhecimento já adquirido por ela ? a criança ?, como ser racional e influ-enciado, inevitavelmente, pelas vivências sociais inerentes a sua rotina.
Se a educação para a vida familiar vai ser dada de tal modo que corres-ponda às necessidades da maioria da população jovem, parece que a escola vai ter que participar deste processo, de acordo com o enfoque dado por H. Frederick Ki-lander, no livro intitulado ?Educação Sexual nas Escolas?. Rapazes e moças adoles-centes necessitam e desejam explicações para suas dúvidas a respeito da reprodu-ção humana e outras questões afins, e os professores precisam se preparar da me-lhor forma possível para preencher esta necessidade. Conforme a criança amadure-ce, a quantidade e o tipo de informação que ela precisa e pode assimilar aumentam.

2.1 Em sala de aula

Um programa educativo, além de dar um destaque especial aos fatos, de-ve também preparar tanto quanto possível o jovem para o exercício ou aplicação desta informação na sua vida diária. Normalmente, conforme o mesmo autor, uma área de conteúdo essencialmente biológico tal como anatomia e fisiologia do apare-lho reprodutor, fecundação, gravidez ou parto, deve ser dada separadamente como unidade num curso, de tal modo que cada aula possa estar baseada na anterior, pois se tal conteúdo for distribuído entre muitas disciplinas, o aprendizado torna-se cada vez menos eficaz. Os métodos que poderiam ser selecionados para o ensino da educação sexual dependem, em parte, se a meta deste ensino está primariamen-te dirigida para a aquisição de conhecimentos, para a modificação de atitudes ou pa-ra a eventual adequação do comportamento. O propósito final da educação sexual, continua Kilander, não é a aquisição de conhecimento em si mesmo, mas a utiliza-ção do mesmo.
Diversas atividades dão conta de aplicar o tema sexualidade com alunos de diferentes séries. No jardim de infância, pode-se abordar a compreensão do que significa ser menino e o que significa ser menina (as diferenças); ensinar os nomes corretos das partes do corpo correspondentes ao processo de eliminação; desenvol-ver a idéia da continuidade da vida; entender que o bebê humano se desenvolve dentro do corpo da mãe. Na quarta série do ensino fundamental, pode-se ensinar a anatomia e a fisiologia do aparelho reprodutor; entender que um bebê necessita de mais cuidados maternos do que outros filhotes de animais; compreender que à me-dida que os membros da família crescem e amadurecem, as normas se modificam; reconhecer como as famílias podem trabalhar e se divertir juntas.
Os professores também podem mostrar às crianças, como outras opções de atividade, que a maioria dos répteis e dos peixes não cuida dos seus filhotes; os passarinhos o fazem por um curto período de tempo e os mamíferos por um longo período. Podem mostrar a elas como os pais alimentam seus filhos (os pássaros dão insetos, minhocas; os mamíferos dão leite e muitos animais selvagens dão carne de outros animais). Ainda, fazer animais com massa de modelar para ilustrar e ler histó-rias que explicam como cada animal cuida dos seus filhotes.
A intenção é fazer a criança perceber que os seres humanos são a forma mais complexa de vida, mesmo sendo esta passível se ser esclarecida, da mesma forma como é cada setor da sua vida, inclusive o sexual.
Outros programas de ensino dão conta de desenvolver dramatizações com as crianças, com a criação de situações em que elas aprendam a dizer não (re-cusando um convite de estranhos ou uma bala dada por ele, por exemplo); discutir a questão da intimidade no namoro e suas consequências. O objetivo de tais ações é considerar a importância de tomar decisões que estejam de acordo com os próprios valores e filosofia de vida.


3 HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DA SEXUALIDADE
Já vimos o quão abrangente é o tema e conhecemos alguns pensadores e estudiosos que tentam explicitá-lo, de modo a desmitificá-lo ou meramente traçar sua linha de pensamento sobre o mesmo.
Tradicionalmente, não são poucas as abordagens que ganham espaço reservado na história do conhecimento, desde que o homem se entende como ser pensante e, portanto, colaborador do progresso de sua própria espécie. Religião, po-lítica e orientação sexual são algumas dessas nuances que chamam a atenção da sociedade em geral, sobretudo quando apresentadas em meios de comunicação de massa, como o rádio e a televisão. Despertam interesse imediato por influenciarem a vida do homem, de forma mais ou menos direta. Afinal, nenhuma pessoa pode afir-mar não ter interesse pela política, por exemplo, uma vez que cada uma está en-quadrada, no caso do Brasil, numa unidade federativa e regida por leis e órgãos go-vernamentais, desde que nascem. Fechar os olhos para este fato é ignorar facilmen-te o contexto de sua própria vida prática.
Assim também ocorre com a sexualidade e toda a atmosfera que a rodeia: mais cedo ou mais tarde, ela é despertada nas crianças e, posteriormente nos ado-lescentes e adultos. Estudos dão conta de que, ainda no berço, o bebê já experi-menta sensações inerentes à sua condição de ser vivo; já sente prazer em determi-nados contatos, ainda que inconscientemente. São os primeiros experimentos corpo-rais se manifestando, do homem ou da mulher que está por se desenvolver sadia-mente.
A análise da relativamente recente história da investigação científica so-bre a vida sexual humana põe em evidência os obstáculos que os pesquisadores en-frentaram, em todos os tempos e por toda a parte, decorrentes dos interesses políti-cos e sociais em jogo, bem como das barreiras culturais que existiram e, até certo ponto, ainda existem neste domínio. É o que Maria José Garcia Werebe explica, no livro que recebe o nome de ?Sexualidade, Política e Educação?. A autora prossegue, ressaltando que críticas, por vezes violentas, foram endereçadas aos investigadores pioneiros não apenas por parte dos setores mais conservadores da sociedade, mas também dos meios científicos. Foi o que ocorreu, por exemplo, em relação a cientis-tas de valor indiscutível como Freud e Havelock Ellis.
A pesquisa científica no campo da sexualidade humana teve início na Eu-ropa, em particular nos países anglo-saxões e germânicos, salientando-se os traba-lhos de Krafft-Ebing (1886), de Havelock Ellis (1826-1928), de Magnus Hirschfeld (que realizou vários estudos a partir de 1930 e fundou o Instituto de Sexologia de Berlin) e de Freud, que tiveram uma grande repercussão internacional e deram ori-gem a inúmeros estudos e escolas em quase todos os países, sobretudo nos Esta-dos Unidos da América.
Tendo em vista a intervenção dos fatores ideológicos na sexualidade hu-mana, não se pode estudá-la fora do contexto sociocultural em que se insere. Todo indivíduo nasce num momento da história, no seio de uma cultura distinta. Seus de-sejos, suas emoções e relações interpessoais são formados por suas inserções com a cultura, dentro da sociedade em que vive.
Como afirmou Malinowski (1970): "O homem possui tendências sexuais, mas estas tendências recebem sua forma e orientação definidas num conjunto de regras culturais que variam de uma sociedade à outra". Tal assertiva é relevante, ha-ja vista que também o educador está inserido num contexto social e de interatividade já estabelecidos primordialmente nas suas vivências em casa, na comunidade e, posteriormente, na instituição de ensino, no trabalho e no seu ciclo de amizades. Daí a importância do domínio do tema ? a sexualidade como aplicação para crianças ?, para a posterior apresentação do mesmo em sala de aula. Há de se comprometer com os arredores de cada uma: observar a família, os hábitos culturais e crenças tradicionais da criança separadamente, ao menos no momento de se estabelecer ju-ízo sobre o comportamento de cada uma delas.
Os estudos feitos por antropólogos, segundo informações da autora Maria José Garcia Werebe, levaram a contestar algumas teorias psicanalíticas em dois pontos: a idéia das fases definidas como necessárias ao desenvolvimento normal do indivíduo; a universidade do período de latência, cuja existência não foi observada em certas culturas. Permitiram, também, questionar algumas teorias sobre a sexua-lidade, baseadas mais em preconceitos morais do que em observações científicas. Mostraram, por exemplo, como os papéis sexuais foram definidos e impostos em di-ferentes culturas. Esclareceram, ainda, vários aspectos da formação da identidade sexual e da homossexualidade. Estes trabalhos levaram em conta as transforma-ções socioculturais ocorridas na maioria dos países, em particular nos costumes se-xuais e que influíram sobre os comportamentos dos indivíduos, mais ou menos se-gundo as categorias sociais.


4 GÊNERO E SUBJETIVIDADE
É certo que muitas noções vêm se modificando ao longo dos anos, desde que a comunicação foi estabelecida entre os homens e, principalmente, à medida que os meios de propagação da mensagem vêm se expandindo, ganhando o mundo em questão de segundos. Outras questões, ao invés de se modificarem, deixaram de existir. E há ainda o grupo das que passaram a estar presentes entre os seres humanos e todas as nuances que lhe envolvem diariamente, nos mais variados seto-res da vida habitual de cada um.
No cenário político mundial e na religião, acrescentaram-se conceitos e outros não mais existem. A perda, o acréscimo ou a simples modificação de realida-des são mais ou menos bem-vindos, porém acontecem; são fato e colaboram para o desenvolvimento da história da humanidade, para a qual todos contribuem, inevita-velmente.
Sobre os aspectos de cunho sexual, assunto o qual sempre permeou a gênese humana com menor ou maior ênfase, não acontece diferente: muito se ga-nhou em matéria de acesso ao tema. Isso graças aos avanços tecnológicos e, pri-mordialmente, devido à melhor vazão de recepção e transmissão de opiniões. A co-municação nunca foi tão respeitada como nos dias atuais, o que gera uma confor-tante permissividade de ambos os lados ? o transmissor e o receptor da mensagem. Uma vez que não se concorda com o que se ouve, ao menos se respeita tal opinião. A civilidade parece estar ganhando espaço e fazendo voz, entre os grupos relacio-nais que a cada dia se reforçam no trabalho, na vizinhança, no ambiente escolar e em casa.
Há de se atentar, ainda, para o fato de o mesmo assunto ser abordado sob diferentes aspectos, por pessoas de diferentes meios sociais ou mesmo, por ci-dadãos inseridos num mesmo contexto, porém com desiguais formas de pensamen-to.
No artigo denominado ?A sexualidade e a Subjetividade Contemporânea?, Rayanne Chagas ressalta que, dentre tantas mudanças sociais, uma que chama a atenção diz respeito ao desenvolvimento das diversas formas de se tratar o termo sexualidade. Há de se mencionar também o avanço da medicina para o desenvolvi-mento de métodos que visam a um nível maior de autorreconhecimento da própria imagem, em que se pode ?mudar? a realidade, tendo enfoque, no progresso referen-te, os métodos que visam à mudança de gênero. Junto a estas noções, tem-se a formação de uma nova forma de subjetivação e uma nova sociedade, um novo gru-po social que se reconhece como tal e luta por melhorias e respeito por suas esco-lhas.
Diante de diversas mudanças, prossegue a autora do artigo, nos vemos diante do que podemos chamar de crise da família e do sexual, não em sentido ne-gativo, mas sim como um ambiente de análise e formação de uma nova noção de família e sexualidade. Da mesma maneira, parece existir a produção de um novo modelo de sociedade que respeita as particularidades gerais e desejos de cada indi-víduo. Em contrapartida, têm-se as velhas noções subjetivadoras da nossa cultura. Percebe-se que o indivíduo tem podido tomar decisões referentes ao seu próprio corpo e a sua forma de relacionamento.
Continuando a análise sobre a sexualidade, entraremos em diálogo com a nova forma de ser fazer sexualidade: a transexualidade, na qual o indivíduo (homem ou mulher) decide por meios estéticos da medicina moderna modificar seu corpo a fim de que se produza maior semelhança ao gênero que se decide ter a partir de en-tão. Sendo assim, temos de início, uma quebra com a noção básica do que é um gênero sexual. Posto que o que foi instituído de mais natural é homem e mulher, as-sim como a não existência de um terceiro modo de ser. Podemos observar que, his-toricamente, toda forma de se criar uma nova forma de gênero era considerado, pela sociedade ocidental pós-marxista-freudiana, como uma transgressão as leis morais e em alguns casos jurídicas. Sendo criado em ambientes como este, podemos dizer que não estamos livres destas noções preconceituosas acerca da noção de gênero moderno, assim como podemos ver nas falas de Foucault: "[...] genealogia o acom-panhamento do conhecimento com as memórias locais, que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização deste saber nas táticas atuais" (Fou-cault,p.171. 1976).





5 DESENVOLVIMENTO E CONSTRUÇÃO DA SEXUALIDADE
O desenvolvimento emocional da criança, de acordo com pressupostos de Bernard Spodek e Olivia N. Saracho, tem impacto sobre outras áreas evolutivas. Os estágios emocionais se manifestam em seu comportamento explícito, nas suas res-postas fisiológicas e em seus sentimentos e são difíceis de explicar. Muitas vezes, as razões para as manifestações de raiva, medo, hostilidade, ressentimento, ciúme e frustração por parte de crianças podem ser inferidas das situações que provocam seu comportamento.
A idéia de que o comportamento sexual é em grande parte aprendido a partir de reforços deriva da teoria Skineriana, do condicionamento operante. Os me-dos, no domínio da sexualidade, seriam eliminados por uma experiência sexual a-gradável. O prazer sexual constituiria um reforço positivo. Ao contrário, se o sexo é desagradável (punição), resultam a insatisfação, a vergonha, a culpabilidade. Trata-se de uma visão um tanto simplista de uma questão muito complexa.
No domínio da Psicologia Social, arremata Maria José Garcia Werebe, fo-ram inúmeros os estudos sobre a significação das relações interpessoais em cada momento do desenvolvimento do indivíduo, enfatizando, sobretudo a dinâmica des-tas relações. Constatou-se que são diversas as funções das relações privilegiadas, como, por exemplo, de amizade e das relações ditas amorosas. As interações entre os parceiros têm uma especificidade segundo a modalidade de relação. Os senti-mentos presentes nestas relações variam também nos dois casos.
O trabalho do educador, segundo Marcello Bernardi, é quase sempre di-recionado no sentido de fazer com que a criança e o jovem se comportem como a-dultos. Considera-se muito importante que o filho, ou o aluno, aprenda rapidamente uma quantidade notável de idéias, que desenvolva atividades integradas dentro e fo-ra da escola, que respeite as regras da vida comunitária, que não cause distúrbios, que "raciocine", que execute pontualmente as ordens, que se adapte aos costumes, etc. Faz-se de tudo para que seja mais inteligente, mais hábil, mais estudioso, mais forte, mais empreendedor, mais sociável. Mas nada se faz para que aprenda alguma coisa sobre a sexualidade e sobre o prazer-amor, ou para que aprenda a gozar o próprio corpo. A zona da sexualidade é a única zona proibida, onde a criança não deve pôr os pés. A criança deve aprender de tudo, mas nada referente ao sexo. Como já foi dito muitas vezes, o sexo é o limite, a barreira, a linha de demarcação entre a menor e a maioridade. O sexo é o feudo do adulto. Quem não é adulto deve ser privado de sexualidade, quer dizer, deve permanecer inocente. A inocência é a conotação mais relevante que se atribui à criança. E esta total ignorância da sexua-lidade ? ou inocência ? é definida por todos os meios. Costuma-se dizer: não é ne-cessário perturbar a inocência da criança, não é preciso manchá-la e não se deve permitir que a criança a perca. Portanto, é indispensável defender a criança da curi-osidade malsã, dos contatos excitantes, dos estímulos inconvenientes.
O autor prossegue seu raciocínio postulando que a ânsia em proteger a inocência das crianças logicamente leva o adulto a afastar dos pequenos tudo aquilo que poderia ofender essa inocência. Em primeiro lugar a experiência. O pensamento de que uma criança, ou um meninote, possa experimentar o prazer da masturbação, ou que ouça falar de abraços e coisas semelhantes, é intolerável para alguns edu-cadores. E quem, ao contrário, acha tolerável acaba sendo acusado de ser um "ob-cecado por sexo" e substancialmente um corruptor.
Neste ponto, pode-se retornar a alusões anteriormente citadas, em rela-ção aos conceitos previamente já concebidos que traz cada um consigo. Aquela opi-nião de que é amoral a pessoa que defende os experimentos da criança em relação aos prazeres do corpo pode estar atribuída a punições que a própria pessoa teve quando criança ou adolescente (ou mesmo adulta). Ainda, pode estar associada à manutenção de determinado credo que não julgue como saudável tal prática.
Ao mesmo tempo em que a vida sexual da criança chega a sua primeira florescência, entre os três e os cinco anos, também se inicia nela a atividade que se inscreve na pulsão de saber ou de investigar. Essa pulsão não pode ser computada entre os componentes instintivos elementares, nem exclusivamente subordinada à sexualidade. Suas relações com a vida sexual, entretanto, são particularmente signi-ficativas, já que foi constatado pela psicanálise que, na criança, a pulsão de saber é atraída, de maneira insuspeitadamente precoce e inesperadamente intensa, pelos problemas sexuais, e talvez seja até despertada por eles.
O estudo das inibições e perturbações desse processo de desenvolvimen-to, com a ajuda da psicanálise, permite-nos identificar os rudimentos e etapas preli-minares de tal organização das pulsões parciais, que ao mesmo tempo resultam numa espécie de regime sexual. Essas fases da organização sexual são normal-mente atravessadas sem dificuldade, revelando-se apenas por alguns indícios. So-mente nos casos patológicos é que são ativadas e se tornam passíveis de conheci-mento pela observação grosseira.
Pode-se chamar pré-genitais às organizações da vida sexual em que as zonas genitais ainda não assumiram seu papel preponderante. Até aqui toma-se co-nhecimento de duas delas, que dão a impressão de constituir recaídas em estados anteriores da vida animal. A primeira dessas organizações sexuais pré-genitais é a oral, ou, se preferirmos, canibalesca. Nela, a atividade sexual ainda não se separou da nutrição, nem tampouco se diferenciaram correntes opostas em seu interior. O objeto de uma atividade é também o da outra, e o alvo sexual consiste na incorpora-ção do objeto ? modelo do que mais tarde irá desempenhar, sob a forma da identifi-cação, um papel psíquico tão importante. Como resíduo dessa hipotética fase de or-ganização que nos foi imposta pela patologia podemos ver o chuchar, no qual a ati-vidade sexual, desligada da atividade de alimentação, renunciou ao objeto alheio em troca de um objeto situado no próprio corpo.
Uma segunda fase pré-genital é a da organização sádico-anal. Nela, a di-visão em opostos que perpassa a vida sexual já se constituiu, mas eles ainda não podem ser chamados de masculino e feminino, e sim ativo e passivo. A atividade é produzida pela pulsão de dominação através da musculatura do corpo, e como ór-gão do alvo sexual passivo o que se faz valer é, antes de mais nada, a mucosa eró-gena do intestino; mas há para essas duas aspirações opostas objetos que não co-incidem. Ao lado disso, outras pulsões parciais atuam de maneira autoerótica. Nessa fase, portanto, já é possível demonstrar a polaridade sexual e o objeto alheio, faltan-do ainda a organização e a subordinação à função reprodutora.

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Autor: Sílvia Saldanha Corrêa


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