Do Capitão Planeta ao Terra Planeta Água: Os mitos do meio ambiente que invadem os desenhos animados e a sala de aula



Do Capitão Planeta ao Terra Planeta Água: os mitos do meio ambiente que invadem os desenhos animados e a sala de aula.

 

            O tema meio ambiente é cada vez mais presente no nosso cotidiano, pois somos bombardeados pelo discurso verde em vários momentos e das mais diferentes formas. O que fez esse discurso se popularizar de forma tão rápida, já que no Brasil até a década de 80 o discurso verde era pouco disseminado? E em relação ao mundo, como os outros países incorporaram essa ideologia tão facilmente e rapidamente? Quais são os objetivos que estão ocultos desse discurso romântico? Essas são algumas questões dificílimas, no entanto tentaremos apontar alguns caminhos para a resposta.

            A incorporação do discurso ambiental em escala global passa por uma série de eventos, conferências, protocolos, relatórios, que dão cimento a algumas ideologias das classes dominantes, que algumas vezes se separaram em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas que se unem a partir da concepção de desenvolvimento sustentável, que cria um verdadeiro consenso, uma espécie de caminho único e definitivo para todos.

            A partir da incorporação do discurso do desenvolvimento sustentável, processo que ocorre na década de 80 e assume maior força na década de 90, o discurso verde toma a cena de outros discursos até então centrais. Assim, de repente, como em um toque de mágica, todos assumem esse discurso, tanto os governos (municipais, estaduais e federais), quanto as empresas (nacionais, multinacionais etc), e outros segmentos da sociedade. É comum e atual ser ecologicamente correto atualmente, torna-se uma virtude, uma maneira de vender mais, logo, de lucrar, termo chave para o capitalismo.

            Como já dito, o discurso ambiental aparece nas mais distintas situações, muitas vezes nas palavras de pessoas que questionamos e duvidamos da veracidade dessas palavras e intenções. É no meio dessa farsa que estão os grandes usuários do discurso verde, preocupados em passar uma imagem deturpada da geopolítica ambiental, ou seja, da questão do uso dos recursos, principalmente, numa relação de causa-consequência, e de densidades de exploração. As responsabilidades sobre os graves impactos ambientais não são ou não devem ser repartidas de forma igual, pois temos que compreender que o padrão de consumo, portanto, os impactos ambientais, estão mais concentrados nas classes mais abastadas, dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, do que na população pobre.

A dita responsabilidade ambiental é geograficamente desigual, pois o desenvolvimento capitalista é geograficamente desigual, isto é, a questão ambiental é uma imagem das relações espaciais, principalmente, relações espaciais capitalistas. O capitalismo além de ser desigual no ponto de vista econômico e social, por conseqüência, torna-se desigual no ponto de vista do uso e acesso dos recursos, determinando relações entre sociedade e natureza.

Das várias formas que o discurso verde aparece selecionamos duas manifestações interessantes, primeiramente, na forma de desenho animado, grande diversão das crianças, que assimilam, normalmente, as informações dos desenhos como verdades absolutas, posteriormente, na sala de aula, pois o tema meio ambiente, na educação brasileira, assumiu grande relevância nos últimos anos, obviamente tomando vulto a partir da Eco 92 (Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente). O tema meio ambiente é um tema transversal, que deve ser presente nas mais diversas disciplinas, que é um ponto interessante, mostrando que é um tema interdisciplinar e de interesses de todos, ao mesmo tempo preocupante, pois fica ao desejo do professor de cada disciplina a possibilidade de trabalhar com o tema, muitas vezes, na maneira que achar conveniente.

 

Capitão Planeta  O poder é de vocês!

Desenho Capitão Planeta - personagem principal na parte superior e jovens com poderes especiais abaixo.

 

           

              Fonte: http://www.topgameskids.com.br/thumbs_videos/70.jpg

Capitão Planeta é um desenho americano, criado em 1990, que se tornou muito famoso no Brasil a partir de 1993, com sua exibição na TV Globo, emissora dominante no território brasileiro.

            Nesse desenho o personagem principal era o Capitão Planeta, personagem que surgia a partir da união de cinco poderes divididos por cinco jovens que representavam partes do mundo. Na união dos poderes desses jovens surgia o Capitão Planeta, logo, a frase célebre do personagem principal: Pela união dos seus poderes eu sou o Capitão Planeta.

            Os poderes atribuídos aos jovens era a terra, o vento, o fogo, a água e o coração, e os jovens procediam da África, Ásia (possivelmente do Japão), dos Estados Unidos, da União Soviética (existente ainda no momento da edição norte-americana e dublada como União soviética na versão brasileira, mesmo já tendo sido extinta), e, da América do Sul (possivelmente do Brasil, pois o personagem apresentava ligações com os índios do território brasileiro). Há uma série de rótulos e imagens preconceituosas nesses personagens, dando um aspecto mais desenvolvido aos integrantes dos Estados Unidos, da União Soviética e da Ásia, personagens ligados ao estudo, tecnologia, atualidades, eminentemente urbano-industriais, e aspectos mais subdesenvolvidos e de atraso aos integrantes da África e da América do Sul, sendo o primeiro negro, ligado ao meio ambiente simplesmente pela sua prática, já que vive no meio de florestas e animais, e o segundo, índio, criado por um pajé de uma tribo da Amazônia, conhecedor de florestas tropicais, seu maior amigo é um macaco. Esse personagem, por sinal, consegue se comunicar com os animais através do seu poder, o coração, mostrando um certo romantismo acoplado no tema meio ambiente e uma habilidade que extrapola os limites dos seres humanos.

            Quando um vilão é detectado os cinco jovens juntos, mostrando que a união é parte do processo de salvação do meio ambiente, evocam o Capitão Planeta, que sozinho, mostrando a individualização do poder, consegue dar conta de qualquer situação. Os vilões apresentam uma aparência diferenciada, muitas vezes, diferentes de seres humanos, dando a entender que os impactos ambientais são gerados por criaturas malignas e extraterrestres.

            Após a vitória do Capitão Planeta, e, consequentemente, o fim do vilão, que é preso ou incapacitado de degradar o ambiente, é mostrado uma falsa ideia de que a degradação ambiental não acontece pelo desenvolvimento, ocorre pelas atitudes ruins de pessoas ruins, que devem ser contidas. Mesmo muitas vezes aliando a poluição à fábrica o desenho demonstra que essa atividade só é poluidora pelo comando da pessoa julgada como anti-ambientalista. No final de cada episódio dicas de educação ambiental são dadas mostrando que todos têm responsabilidade perante a conservação da natureza, já que o poder de conservar é de todos (Capitão Planeta no final de cada episódio diz a frase: O poder é de vocês).

O desenho Capitão Planeta distingue o sujeito bom, que é aquele que preserva o meio ambiente, e tem uma estética específica, e, determina o sujeito mau, que degrada o meio ambiente, e possui uma estética específica.

 

Vilões do desenho Capitão Planeta. Os vilões parecem sempre sofrer algum tipo de mutação que os diferenciem dos seres humanos.

 


                                                                                   

Fonte: http://www.interney.net/blogs/media/blogs/melhoresdomundo/villainsplanethome.jpg

 

 

 

                Se o desenho animado é uma grande fonte de incorporação da ideologia verde, por se tratar de disseminar esse discurso a partir das crianças, que poderão crescer com  essa mentalidade, a escola faz a outra parte desse processo de incorporação, ou seja, reforça a todas essas ideias. Desse modo no ensino de ciências, geografia, e, muitas vezes em outras disciplinas, muitas vezes, a criança, agora como aluno, continua recebendo essas mesmas informações, só que agora de formas diferentes.

            Do mesmo modo que não se questiona o desenho, como uma criança questionará o professor ou o livro didático? Tudo parece verdade absoluta nesse momento, pois, quase sempre não somos ensinados a praticar o ceticismo no 6º ano, 7º ano, 8 º ano e 9 º ano. Obviamente, o fator da idade, da mentalidade e do próprio processo cognitivo do aluno devem ser respeitados, tendo em vista alguns processos de abstração incomuns nessas séries, no entanto, há de se iniciar esse processo, ensinando de forma básica que nem tudo é certeza, principalmente no 8º e 9 º ano, onde os alunos já possuem um certo discernimento de alguns processos contraditórios que ocorrem no seu cotidiano.

            Possivelmente, partir do cotidiano e da experiência do aluno sejam pontos chaves para desenvolver a crítica e a dúvida, pois, essa proximidade do fato, tanto geográfica quanto da experiência, facilita o aluno a trabalhar tendo uma maior compreensão, e, torna o processo de aprendizagem mais significativo, como alguns autores sugerem.

Há uma diversidade de visões sobre o meio ambiente aplicadas no ensino, porém, há uma visão atual geral, que tem como base esse novo discurso verde, que é transmitido na sala de aula. Um discurso que mascara as relações sociais, que omite as análises políticas e econômicas, e, dissimula a geografia do uso-acesso dos recursos, e da degradação ambiental. Acima de tudo, um discurso que torna vários processos naturais.

O assunto é deveras amplo e profundo, não compete nesse momento discorrer sobre esse processo tão complexo. Iremos ter como objeto empírico uma prática realizada por vários professores, de ciências e geografia, nessa fase do ensino fundamental (6º ano ao 9º ano), que é o uso da música Terra Planeta Água.

Desde o seu lançamento, pelo cantor Guilherme Arantes, essa música tem se tornado o hino da preservação, e, na escola tem o status de quase uma obrigação no programa de geografia e/ou de ciências. Assim, em muitas escolas brasileiras, todos os anos, Terra Planeta Água é uma música comum. Quem na década de 90 e 00 não ouviu essa música na escola? Quem não cantou, se sensibilizou, se emocionou com as melodias românticas de Guilherme Arantes?

A questão que queremos destacar não é o fato da música em si, que não foi feita para ser utilizada nas escolas, mas o uso obrigatório e massivo dessa música, quase como uma celebração do meio ambiente.

A limitação da música é exatamente essa, a simples exaltação, há juntamente com o uso da música, normalmente, mensagens vagas de vamos preservar o mundo, os recursos, a vida etc, ou seja, questões políticas são evitadas, já que o discurso é extremamente romântico.

Nesse caso o romantismo da questão ambiental omite todas as questões abordadas anteriormente e tidas como importantes, como a questão política, econômica, social etc. Novamente, afirmamos, o problema não é a música, que presta uma homenagem a um recurso fundamental das nossas vidas, mas sim o uso ou a utilização pedagógica dessa música. A mensagem de preservação pode e deve ser trabalhada, pois é uma das atribuições dadas aos professores, trabalhar com temas transversais, no entanto, esse tipo de abordagem romântica de celebração é inteiramente prejudicial para o aluno, que aprende a discursar, sem visualizar a geopolítica da questão ambiental.

Caso opte pela utilização da música o professor deveria, obviamente, que essa é uma sugestão, e, não uma receita obrigatória, trabalhar a questão geopolítica da água, a questão do uso-acesso-consumo-degradação, além de outras questões que extrapolam o momento romântico da melodia.

O ensino por muitas vezes apresenta essas repetições, como o uso demasiado de certas propostas, que já deveriam ser abandonadas. Isso, muitas vezes, causa uma sensação de desconforto ao aluno, que percebe a história se repetindo. O artifício da música como um trabalho diferenciado é muito relevante e positivo, porém, deve-se planejar como trabalhar com a música? Quais as limitações e alcances da música? Como essa ferramenta pode participar do processo de ensino-aprendizagem?

Acreditamos, que alguns profissionais possam trabalhar de formas diferentes utilizando o Terra Planeta Água, mencionamos nesse pequeno esforço uma abordagem que julgamos por comum a vários professores e a várias escolas.

Por fim, visualizamos o uso do romantismo, o estabelecimento de heróis e vilões, e, de uma realidade externa ao aluno nesses dois exemplos, que praticamente assimila que a questão ambiental pertence a outras escalas. O aluno não compreende a dimensão do problema, e, deste modo, paira em um discurso simplificador de preservação ou conservação ambiental, com simples atitudes de celebração, assimilando esse discurso, do desenho e da sala de aula, como um discurso profícuo. A mídia e a sala de aula, dois veículos importantes de proliferação de informação, tornam-se veículo de propagação do discurso verde nesse sentido.

 

Referências Bibliográficas

Livros que trabalham com a temática meio ambiente:

 

SANTOS, M. A natureza do Espaço. Edusp. 1996

GONÇALVES, C. W. P. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro Civilização brasileira. 2006

VEIGA, J. E. Desenvolvimento Sustentável  o desafio do século XXI. 3ª edição. Editora Garamond. Rio de Janeiro, 2008.

 

Sites utilizados:

http://www.interney.net/blogs/media/blogs/melhoresdomundo/villainsplanethome.jpg

http://www.topgameskids.com.br/thumbs_videos/70.jpg


Autor: Felipe De Souza Ramão


Artigos Relacionados


Ambiente, Empresa E Cidadania

EducaÇÃo Ambiental Dentro Da Escola

Planeta, Responsabilidade Ambiental E Mundo Da Economia

Responsabilidade Ambiental : AÇÃo Verdadeira Ou Mero Marketing ?

Programa De Controle Da Poluição Do Ar Por Veículos Automotores - Proconve.

GestÃo Ambiental

Meio Ambiente Na EducaÇÃo