Meus Mestres da Economia
MEUS MESTRES DA ECONOMIA
Raul Santos
Seu Mariano tinha sido gerente do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Inútil perguntar a agência, porque todas as agências e todos os funcionários do Banco do Brasil são iguais, pelo padrão geral de comportamento. Eu descobri isso de uma vez que peguei uma apostila de concurso em que alertava para o atendimento do telefone: "quem atende ao telefone não é o funcionário; é o banco que está atendendo!"
Arnaldo Guerrieri venceu as eleições de oitenta e dois, em Santa Cruz Cabrália, com quase cinquenta por cento dos votos, e criou a Guarda Mirim, com trinta e cinco rapazes, em Eunápolis. Eu tinha uma auto-escola e fui visitar a sede, onde tive o prazer de conhecer seu Mariano, ótima pessoa, bom papo, simpático, hipertenso (vinte e dois por dezesseis), e, acima de tudo, conselheiro, além de, é claro, ser o chefe da Guarda Mirim. Numa das nossas conversas, contou uma história que para ele foi um fato, mas para mim foi uma das maiores aulas de economia que jamais ouvi.
Ele disse que um amigo empresário do Rio estava todo enrolado na praça, devendo em vários bancos e foi tomar um empréstimo na sua agência, de onde surgiu mais ou menos o seguinte diálogo:
? Você quer tomar este empréstimo para pagar outros empréstimos, certo?...
? Certo!...
? Você já pensou nos juros que vai acumular com este novo empréstimo?...
? Já, mas não tem outro jeito!...
? Tudo bem, eu lhe empresto o dinheiro, se você estudar na minha cartilha, certo?...
? E o que tenho de fazer?...
? Você vai encerrar todas as contas bancárias e deixar somente duas abertas!...
O cliente desesperou-se, mas saiu e voltou algum tempo depois com a missão cumprida, na certeza de que pegaria o dinheiro, mas seu Mariano falou:
? Agora, você vai somar todos os seus débitos na praça do Rio de Janeiro!...
O amigo trouxe o montante e seu Mariano disse:
? Agora, vou lhe emprestar a metade desse dinheiro!...
O pobre homem entrou em desespero, mas o grande mestre falou:
? Seus credores não têm mais esperança de receber o que você deve. Portanto, você vai pagar metade para cada um, negociar o restante e dizer que eu estou lhe orientando, certo?!...
Sem outra alternativa, aceitou e foi cumprir a determinação.
O tempo passou, os débitos foram quitados e um belo dia o amigo de seu Mariano fez os treze pontos na Loteria Esportiva. O apartamento ficou lotado de gerentes de bancos, oferecendo oportunidades de aplicações e o único que não apareceu foi exatamente o meu grande amigo seu Mariano.
Quando as propostas se acumularam, ele disse, claramente:
? Não adianta me fazerem ofertas, porque já estou decidido: quando eu estava todo endividado na praça, foi seu Mariano quem me deu a mão e é na agência dele que vou depositar o dinheiro!...
* ? * ? * ? * ? *
Anos depois, um primo carnal da minha mãe, que nós chamávamos de tio Olintho, me contou outra história, que cabe perfeitamente neste relato.
Ele era casado com Valda, prima carnal do meu pai. Como não tiveram filhos, adotaram Tildes, sobrinha de Valda e gêmea de Tildênio e depois adotaram Regis e por fim Ianã, que parece uma Índia.
Um dia, Regis teve um desentendimento com Valda, foi para Belo Horizonte, entrou na CEMIG, casou-se com Judite, tiveram um casal de filhos, perdeu o emprego e voltou para Eunápolis, pedindo:
? Pai, eu queria saber se o senhor me aceita de volta, em casa?!...
? Meu filho, a sua briga foi com a sua mãe, e eu não tenho nada a ver com isso. Se você ficar, vai tomar conta da fazenda e não tem salário. Vou lhe dar um vaqueiro, o Valmir, e o leite que tirar é seu!...
O tempo passou, Regis contratou Lídio, e os três ficaram na fazenda. Quando completou um ano, o tio Olintho chamou Regis para o acerto:
? Meu filho, quantas vacas eu lhe entreguei?
Regis disse a quantidade.
? Quantos bezerros você está me entregando?
Regis informou, e o tio foi contundente:
? Meu filho, você me deu prejuízo!... Eu paguei as contas nos botecos de Buranhém, que vocês fizeram tomando cachaça, enquanto bezerros caiam das pedras e os urubus comiam os umbigos de outros. Agora, vamos começar novas contas. Se de hoje a um ano, o gado não der sessenta por cento, você vai sumir da minha frente e não aparecer mais nunca, porque a briga é comigo!...
No ano que se seguiu, além dos calos nas mãos, o Regis vivia com elas cortadas no arame farpado e adoeceu dos pulmões, mas entregou os sessenta por cento dos bezerros.
A partir daquele dia, meu padrão de comportamento passou a ser o seguinte: todos os anos, no quarto bimestre da sexta série, eu só dou início aos assuntos de porcentagens e juros, contando esta história.
A propósito, daquela fazenda, meu avô tinha um pedido de alguém para ser fiscal do Estado de Minas e indicou tio Olintho, lá pela década de quarenta ou cinqüenta. Ele pegou o cargo e nos três anos que levou para receber o primeiro pagamento, plantou arroz, matou porco e comprou fiado na venda do irmão Jordelino. Um belo dia, falou:
? Jorde, eu queria somar a minha conta?!...
? Não, Olintho, eu sei que você tá apertado, então deixa receber, primeiro!...
O tio retirou o bolo de dinheiro dos três anos atrasados e jogou sobre o balcão. Estava rico... Comprou a fazenda, e viveu feliz.
Ele contou que teve um problema de perseguição com um chefe e foi transferido para a divisa com Goiás. Enquanto estava lá, apareceu um comprador de terras com um ou dois filhos. Fez proposta, o dono fez preço e ele aceitou, sem vacilar. O proprietário teve peso de consciência e disse:
? O senhor reparou que estas terras são totalmente secas?!...
O comprador retrucou:
? Meu amigo, eu vim aqui comprar terra, e não água!...
O negócio foi fechado e dali surgiu a primeira fazenda de soja de Goiás e Mato Grosso.
Outro dia, ele me perguntou:
? Você quer saber como é que a gente ganha dinheiro?...
? Quero, sim!...
? Eu tinha um vizinho da fazenda, e propus comprar as terras por seiscentos mil. Ele amarrou nos setecentos, mas eu sabia que não interessava a outro comprador. Coloquei o dinheiro na poupança e um ano depois ele me entregou a terra pelos seiscentos mil. Com os juros, eu comprei um fusca!...
....................................
Tem gente que leva jeito para ganhar dinheiro, tem gente que leva jeito para gastar dinheiro e tem gente que não gasta porque não aprendeu a ganhar. Assim foi que ouvindo dois grandes mestres, eu aprendi como ganhar dinheiro. Só falta ganhar e aprender a pôr em prática...
Abunã/Porto Velho-RO, 31 de agosto de 2007
Autor: Raul Santos
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