Judeus em Pernambuco



Foi o Brasil um dos paises escolhidos pelos novos cristãos e judeus para se instalarem. Eram movidos pela aventura e pela possibilidade de lucro, já que as novas terras revelavam-se na Europa uma impressão de enriquecimento fácil. E com eles não foi diferente, vieram tentar a sorte no Brasil. Num contingente estimado em 14% da população de Pernambuco.
Podemos subdividir suas migrações em fases. Primeiro vieram alguns cristão-novos no período do descobrimento de 1500. Alguns historiadores até defendem a tese de que Gaspar de Lemos participou diretamente da descoberta do Brasil junto com Pedro Álvares Cabral. O que se sabe de fato é que esse povo presenciou o nascimento de uma nova história que o Brasil viria a vivenciar.


Na frota dirigida pelo almirante Pedro Álvares de Cabral, viajavam, como conselheiros especialistas, pelo menos três judeus: Mestre João, astrônomo, equipado com os instrumentos inventados por Abranham Zacuto, Pedro Nunes,como navegador e Gaspar de Lemos, interprete e comandante de navio. (ZISMAN, Meraldo. 2005, P.23).

Aqui chegando tinham a expectativa de explorar a terra, conhecendo cada riqueza que existente, pegavam o que avaliavam ser importante, dando destaque à madeira do pau-brasil, então retornavam a Portugal com os achados valorosos da terra.

Para o Brasil só vinham nos primeiros tempos em navios a fim de colher o pau-brasil, uns pássaros que "falavam"(papagaios), muito estimados como raridade pelos ricaços do velho continente, e mais alguns objetos, inclusive ervas medicamentosas, como o guáiaco e a ipeca. (IZECKSOHN, Isaac, 1967, P. 103).

De 1515 a 1530 o Brasil passou pela fase da colonização, nesta etapa da história muitos cristãos-novos ganhavam do rei terras para produzirem, sendo que o primeiro registro da presença de judeus que se fixaram em Pernambuco foi em 1542 quando da doação das terras a Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira, nas quais pretendiam erguer o Engenho Camarajibe.
O que leva a crer que muito desses pioneiros eram judeus é justamente o fato de que no ano da chegada dos portugueses no Novo Mundo ainda não existia a perseguição direta em Portugal. Todos recebiam do rei direitos iguais, podiam manter comércios, exerciam funções em cargos públicos, até mesmo praticavam o judaísmo ocultamente.
A terceira fase pode ser denominada de perseguição aos judeus. O primeiro condenado a degredo para o Brasil foi em 1544. Seu crime foi a pratica do judaísmo. Nos anos seguintes esta condenação tornou-se comum. Aqui, portanto, sentiam-se em plena liberdade para cultuar o judaísmo, já que o novo território era tão grande e quase impossível de ser monitorado pelas autoridades religiosas.

O anseio de emigrar entre os cristãos-novos portugueses era grande, mas tôdas as portas para a Itália e Flandres estavam sendo fechadas (na Turquia e nos paises maometanos nem podia pensar naquele período).Só restavam as colônias americanas, isto é, o Brasil, porque a emigração para a Índia também estava sendo obstada. (IZECKSOHN, Isaac, 1967, P. 111).

A vinda destes degredados e dos que aqui já habitavam proporcionou em poucos anos o crescimento de cristãos-novos e judeus em Olinda, Recife, Salvador e Rio de Janeiro, que acabava de ser fundado.

JUDEUS E OS CRISTAOS-NOVOS EM PERNAMBUCO E AS SUAS PARTICIPAÇÕES ECONÔMICAS


Em Pernambuco os judeus convertidos ao cristianismo, tiveram ampla participação econômica, seus negócios se estendiam até outros paises, principalmente a Antuérpia, onde distribuíam mercadorias das colônias portuguesas, era o chamado triangulo Brasil-Portugal-Antuérpia.
Muitos cristãos-velhos enciumados requeriam da coroa uma atitude contra os novos cristãos, afirmavam que eles haviam:

(...) Alcançado os mais importantes contratos: o da pimenta, o das alfândegas, o dos dízimos, o do suprimento das praças de África e do tráfico de escravos. Tudo lhes corre pelas mãos, desde o pão e o peixe de que se alimentam as classes pobres até o vinho, o trigo, o azeite e o açúcar. Têm agentes em todas as partes (...) (SALVADOR, 1978, P. 13)


A aliança Pernambuco e Amsterdã era também fonte de lucro, o historiador José Antonio Gonsalves de Mello, mostra as fontes de rendas que variavam desde grandes vendas de escravos e açúcar a compras de vinhos. Eram negócios feitos em família, exemplo a família dos Fidalgos. "Moravam aqui Afonso e Rodrigo Fidalgo, naturais do Funchal, os quais faziam viagens a Angola de onde traziam escravos a vender em Pernambuco
São citados também outros dois nomes de judeus mercadores que residiram em Olinda, eram Duarte Saraiva e Manuel Lopes Homem, foram um dos principiantes entre os judeus portugueses que se estabeleceram em Amsterdã. Para eles lá era a Jerusalém do Ocidente. Esta ligação Pernambuco e Amsterdã traz ainda o nome do fundador da primeira sinagoga de Amsterdã, Jacob Tirado.
Onde os judeus não podiam comercializar, havia cristão-novos de sua confiança que o fazia. Este contato entre judeus que professavam a fé judaica, e judeus que por segurança optavam pelo cristianismo, era muito forte. Pode-se até citar casos de cristão-novos que retornaram ao judaísmo, após sentir-se seguros contra a inquisição.
Ocorreram também casos de convertidos ao judaísmo voltarem ao cristianismo, eram casos mais complexos, como ocorreu com Gomes Chacão, que quando chegou em Recife em 1642, se converteu ao judaísmo, retornando ao cristianismo em 1644. Uma vez declarando-se cristão não se viu livre da inquisição sendo preso em 1646 e levado a Lisboa, onde foi processado. Outros episódios também foram relatados por Wolff, de Cristãos que se tornaram judeus e depois retornaram ao cristianismo.

OS ENGENHOS DE AÇUCAR

A base econômica do Brasil colônia era o açúcar, e neste setor existia uma participação considerável de cristão-novos e judeus. Alguns chegaram como degredados, não possuía tanto recurso financeiro. Mas, com o tempo foram ascendendo socialmente a ponto de obterem engenhos e escravos.
No século XVI, a chegada de cristão-novos e judeus vindos com famílias foi em massa. Não resta dúvida que a perseguição em Portugal foi um fator preponderante, mas vale salientar que o crescimento da economia açucareira também foi um estímulo para vinda deles ao Brasil.
Tinham dois motivos importantes para se retirar de Portugal em direção ao Brasil. A primeira de buscar novas perspectivas financeiras e a segunda de desfrutar da liberdade religiosa. A saída da metrópole era inevitável e o crescimento da colônia brasileira despertava interesses econômicos. Estes dois fatores formaram a "gente da nação".

No caso de Pernambuco, apesar da diversidade de papéis e funções que exerciam os cristãos-novos na economia e na sociedade da capitania, foram eles mais numerosos na direção da economia açucareira, havendo vários registros de grandes mercadores, traficantes de escravos e senhores de engenho de origem conversa. (GRINBERG, Keila, 2005, P.46).


PROFISSÕES EM QUE ATUAVAM COM DESTAQUE

Em todos os setores empregatícios era possível localizar um judeu, eles trabalhavam com outras atividades que não eram só advindas do comércio de açúcar. Exerciam atividades consideradas burguesas, além do comércio com escravos, da cobrança de impostos e dos onzeneiros.


Ao lado da exportação de açúcar, do comercio de escravos negros, da cobrança de impostos, do empréstimo de dinheiro, exerciam os judeus também outras atividades comerciais e burguesas que os documentos holandeses e portugueses nos revelam. O comércio a retalho era uma das mais importantes ocupações a que eles se dedicavam. E nisto se incluía a mascateação, no que tiveram como concorrentes, durante o período da dominação holandesa os escoceses, os "schotse coopluinden" ou "schachers" (chatins) ou ainda "chinesen"(chineses), todas denominações depreciativas dadas a estes últimos(...). (MELLO, 1996, P.238).


Estes judeus mascates penetraram-se até em regiões onde o açúcar não era produzido, uma distância considerável de Recife, inclusive na Região do São Francisco, um território em que a economia era fundamentada na pecuária. O mais instigante é que mesmo sem dominar o português fluente, eles se eximiam em vendas. Não era a língua que os impediriam de negociar as suas mercadorias.

Como se vê, Samuel Velho vendia naquela ribeira desde escravos negros a peças de chamalotes e óculos, além de emprestar dinheiro a juros. Naquela mesma zona sul da então capitania de Pernambuco outros judeus estavam também a negociar, e ali foram aprisionados em 1646 vários sefardim e quatro askenasim, sendo que estes se expressavam muito dificultosamente em português, mas nem por isso deixavam de fazer seu negócio (...). (MELLO, 1996, P. 241).


Tinham os mercadores chamados de "estantes", uma forma de comerciante que só estava de passagem em Pernambuco, passavam um tempo vendendo as mercadorias e em seguida se deslocavam para outros lugares. A exemplo Manuel d`Azevedo que veio a Pernambuco a negócios de seu pai.
Na colônia era possível encontrarem médicos, tendo destaque o Dr. Abraão de Mercado, tinha a sua própria clínica, lá mesmo ele aproveitava para fazer comércio, vendendo os seus antídotos. Morava em Recife desde 1638 até mais ou menos 1650. Outro médico que residiu na colônia foi o Dr. Nunes ou Manuel Nunes. Existem também relatos de um cirurgião português que veio mora em Recife e acabou se convertendo ao judaísmo. Era conhecido como Dr. Guilherme Piso.
Na área judicial os judeus também se faziam presentes. Jacob Dorta de Paz passou a ser procurador na Paraíba; Manuel Abendana, que também era procurador; Michal Cardoso era um advogado conceituado dentro de Recife no ano de 1645.
Operaram como engenheiros, como foi citado pelo historiador MELLO , o nome de Baltasar da Fonseca, construtor da ponte entre a cidade de Recife e a Ilha de Antonio Vaz. E como todo bom judeu ao mesmo tempo em que atuava na construção, comercializava a venda de pedras.

O historiador Oliveira Lima diz que o segundo governador ?geral, Duarte Coelho(o primeiro havia sido Tomé de Souza), trouxe da ilha da Madeira e da de São Tomé capatazes e operários "em sua maioria judeus, que representavam o melhor elemento econômico daquele tempo e que auferiam vantagens por escapar da fúria religiosa que imperava na Península"(Historia da colonização Portuguesa do Brasil). (IZECKSOHN, Isaac, 1967, P. 103).


Até na área industrial existem registros da participação deles, eram atividades industriais caseiras, mas que assumiam proporções de grandes industrias para a época, fabricavam roupas para as tropas holandesas durante o período de 1639 a 1651. Ainda tem registrado a presença de dois judeus ourives: Jacob Henrique e Isaac Navarro.
Os judeus por terem conhecimento da língua holandesa e ao mesmo tempo o português, foram bastante utilizados como corretores, sendo intermediário entre os dois grupos.

Como corretores exerceram os judeus uma atividade para a qual podiam oferecer condições excepcionais, por meio do conhecimento das línguas portuguesa e holandesa, o que os colocava em posição ideal como intermediários entre os dois grupos da colônia, os dominadores holandeses e os moradores luso-brasileiros (...). (MELLO, 1996, P.244).


Faziam desse conhecimento uma fonte de lucro, suas funções como corretor iam desde negociações de terras a mercadorias para serem exportadas, como era o caso do açúcar e do tabaco.


PREOCUPAÇAO COM A CHEGADA DOS JUDEUS PORTUGUESES DA HOLANDA

Na primeira metade do século XVII, a região de Pernambuco foi conquistada pelos holandeses. O alvo dos holandeses era a o núcleo de produção açucareira de Pernambuco, era a mais rica e povoada do Brasil colônia. Ressalto que esta conquista estava vinculada a conflitos internacionais devido ao comércio de tráficos de escravos e principalmente ao açúcar brasileiro.
Em 14 de fevereiro de 1630, uma esquadra holandesa conquistou Olinda com mais de sessenta embarcações e sete mil homens a bordo. Aqui chegando os holandeses fizeram aliados com senhores de engenhos, tribos indígenas, cristãos-novos e escravos, o que contribuiu bastante para a permanência deles no Brasil. Até então só existia no Brasil cristão-novos, com a conquista de Pernambuco, começou a chegada de judeus às terras brasileiras.
A propagação de zona de crescimento açucareiro no Brasil foi tamanha que muitos portugueses judeus que habitavam na Holanda buscava permissão para viajarem à terra do açúcar em busca de melhoria de vida.
Os pedidos eram apresentados à Câmara de Amsterdã. Solicitavam passagens gratuitas para trabalharem no Brasil. Migravam individualmente, com os familiares ou até mesmo em grupos.

[...] O seu artigo 6º dizia: "deverão os da citada Companhia, a toda e qualquer pessoa que se dispuser a partir para o Brasil, para ali se fixar e estabelecer (depois de ter dado aqui no país prova o suficiente de sua situação e de uma honrada vida e costumes), conceder passagem livre para o dito país, fazendo conduzir as ditas pessoas, com seus dependentes e móveis, nos seus navios, pagando elas, porém, as despesas de alimentação.[...] (MELLO, 1996, P.222)

As famílias que aqui desembarcavam recebiam apoio para a instalação, inclusive no artigo 7º da Ordem e Regulamentação que apoiava os imigrantes, determinava que as famílias que necessitassem de terras ou casas para se instalar, lhes fosse cedidas, e só começariam a pagar por estes imóveis no terceiro ano de moradia, sendo o valor estimado de "10% dos frutos produzidos e uma quarta parte dos bens que lhes foram concedidas pela Companhia (artigo 9°)".
A vinda desses judeus em massa, não agradava aos holandeses, e nem tampouco aos Luso-brasileiros, que odiavam a religião judaica. Sem contar na ocupação financeira, pois logo aqui chegando, eles prosperavam.
Em janeiro de 1637 chegou ao recife o Conde de Nassau com a finalidade de proteger a colônia holandesa. Com o exército organizado ele foi logo para o sul, conseguindo lá as vitórias do Comandatuba e de Porto Calvo, obrigando assim Bagnulo a atravessar o Rio São Francisco indo em direção as terras baianas, fundando na vila do Penedo o forte de Mauricio.
Sua meta era dar um novo ânimo aos engenhos, fazendo crescer a produção de açúcar. Nassau pôs os engenhos abandonados à venda, e os pagamentos poderiam ser parcelados. Incentivou a compra de novos escravos e incitou aos grandes homens capitalistas que cedessem capitais como financiamento para a reconstrução dos engenhos.
O livro de José Antônio Gonsalves de Mello trás alguns nomes de judeus que fizeram compras destas terras. Dentre eles se encontram Duarte Saraiva, que chegou a obter três engenhos e Moises de Navarro, que em 18 de junho de 1637 comprou o engenho que foi de D. Luís de Souza.
Em 1638 Duarte Saraiva comprou o engenho de Camaçari em Jaboatão e o engenho da Torre, na Várzea do Capibaribe. Inclusive, a residência de Saraiva foi um dos pontos de culto à crença na lei de Moises, o qual era frequentado por judeus recém chegados da Holanda e por novos aderentes ao judaísmo. Em 1636 foi construída a primeira sinagoga em Recife, passando os encontros a serem realizados nela.
Os judeus foram autorizados a gozarem dos mesmos direitos dos demais nativos, poderiam comercializar, comprar engenhos, vender escravos, desfrutar da proteção da metrópole. Contudo, esta disseminação de judeus nos territórios conquistados pelos holandeses, não revelava o fim do anti-semitismo.

Apesar da prosperidade, os judeus também tiveram momentos de dificuldades financeiras, assim como o resto da população eles foram à falência, tendo que recorrer a outras formas de angariar dinheiro.

Com o movimento de restauração, em 1645, a população começou a concentrar-se no Recife, abandonando assim as atividades agrícolas e comerciais fora da cidade. Outras oportunidades, mais adaptadas à situação, apareceram: os judeus chegaram a tomar parte na guerra de corso contra os portugueses, armando navios para isso, e vários deles fabricaram, entre 1649 a 1651, uniformes para as tropas da Companhia das Índias Ocidentais. (GRINBERG, Keila, 2005, P.74).


Os imigrantes judeus não se concentraram apenas em Recife, eles buscavam se espalhar. Exercendo diversas atividades, aproveitavam para conhecer o maior número possível da população e principalmente dos cristão-novos para não só fazer comércio, mas também de fazê-los retornar a fé de Moisés.

Os judeus de origem ibérica viam-se na obrigação de fazer "tornar" ao judaísmo essas pessoas que eram vistas por eles, e também pela população de origem cristã-velha, como judeus, devido aos estatutos de pureza de sangue e à ideologia racista que os estatutos subentendiam. Isso, mesmo quando esses cristãos-novos, apesar da consciência de sua origem judaica, continuavam praticando o catolicismo. (GRINBERG, Keila, 2005, P.77).



OS JUDEUS HOLANDESES E O MONOPÓLIO NAS VENDAS DE RETALHOS DE PANO

Os judeus vindos da Holanda tiveram grandes êxitos no comércio de retalhos, uma prática proibida a eles na Holanda. Consistia em vendas lucrativas, já que os judeus eram quase únicos na comercialização de tecidos no Recife.
Este crescimento gerava queixa entre os demais, alegando que os judeus monopolizavam o comércio, e que a grande migração destes ao Brasil fortalecia ainda mais a exclusividade econômica judaica.
Afirmaram em Atas ao Alto Conselho que os judeus eram usurpadores, as suas lojas não fechavam aos domingos nem em feriados santos, isto favorecia o crescimento dos seus estabelecimentos e prejudicava o povo cristão provocando indignação dos brasileiros e portugueses e enfraquecia o estado.
Acreditavam os cristãos que o fortalecimento da posse nas vendas de retalhos pelos judeus era um fator de risco para Recife, devido ao fato de estes imigrantes não semearem para o crescimento da nação, retornavam para suas terras de origem com o seu saque. Se a exclusividade nas vendas de retalhos estivesse nas mãos dos cristãos a colônia brasileira era quem enriqueceria.

IDENTIDADES CULTURAIS DOS CRISTÃOS-NOVOS E DOS JUDEUS

Os judeus trouxeram na sua bagagem cultural o humanismo e uma larga experiência comercial, além dos investimentos aqui implantados. Olinda era considerada o centro da economia no Brasil colônia e o espaço urbano para onde convergia os homens da época, por ter as principais igrejas, lojas e edifícios públicos. Neste território acabou existindo uma fusão de culturas, já que o seu sucesso era conhecido por toda a colônia. Os imigrantes aqui chegando, buscavam logo se instalar em Olinda e adjacências.
Eram comuns os comentários entre si acerca dos moradores, sendo possível identificar os grupos pelas roupas que vestiam, o ofício exercido e a fé que professavam.Os cristãos-novos, por exemplo, mesmo admitindo a fé católica acabavam por demonstrar diferenças culturais em relação aos cristãos-velhos, pois, herdavam as práticas judaicas.
Muitos sem saber praticavam atos judaicos ou mesmo continuavam a exercer as práticas judaicas em segredo e os vizinhos acabavam se deparando com isto e logo os identificava como cristãos-novos.

RELAÇÕES ENTRE CRISTÃOS-NOVOS E VELHOS

Os cristãos-novos logo chegando conseguiram manter laços de amizades com os cristãos-velhos. Muitas dessas relações se davam através do casamento. Mulheres cristãs-novas que chegavam à colônia como órfãs, imediatamente conseguiam um marido, até porque a carência de mulheres era muito grande. Cerca de 43% dos homens de Pernambuco, por exemplo, eram solteiros.
Havia uma mistura de relações culturais através desses casamentos. A exemplo, Diogo Lopes da Rosa, um cristão-novo, que teve um filho com uma índia, o nome dela não é especificado, o nome do garoto era Francisco Lopes da Rosa, um mameluco paraibano.
Saliento que estes casamentos não eram aceitos pela igreja, por ser considerado o índio um animal sem alma. Estas arrumações eram denominadas de mancebia.
Se ocorresse uma união dessa forma, a criança mameluca até era aceita pela igreja por ser filho de branco, sendo que para viver bem na sociedade e até conseguir um casamento com uma pessoa branca teria que negar a origem mestiça.

A MULHER NO CRIPTOJUDAISMO

Não se tem uma pesquisa clara em relação às mulheres no Brasil colônia, os poucos dados que se tem são encontrados nos registros inquisitoriais, sendo uma fonte rara e pouco explorada da historia das famílias portuguesas dos séculos XVI ao XVIII.
Pelas notificações do santo oficio percebe-se que as mulheres tinham grande participação como guardiãs e propagadoras das práticas judaicas. Primeiramente devemos lembrar que a religião judaica resistiu clandestinamente no Brasil colônia. E a mulher representou um papel importantíssimo na conservação da religião. Eram cristãs de renome e judias na prática. Uma ação conhecida como cripto-judaismo.
Elas faziam a limpeza das suas casas na sexta, trocavam os lençóis das camas, vestiam roupas limpas e novas, para que no sábado só descansassem, não comiam carne de porco, peixe de escamas, mariscos, lebres, rezavam as orações católicas sem dizer Jesus no final, enterravam os mortos em terra virgem e covas rasas e muitas outras práticas.

A reserva mental, naturalmente, era a forma mais difundida de resistência, dada a duplicidade de vida religiosa dos cristãos-novos. Dizia-se dêles que as mulheres - devotas e rezadeiras, iam aos domingos e dias santos ouvir missa, mas nos sábados vestiam seus melhores vestidos; e os homens - depois que vinham da igreja, ajuntavam-se para praticar as cerimônias judaicas. Contudo, por mais perfeita que fosse a dissimulação, em certas atitudes transluzia a religião ancestral; e essa translucidez era vigiada e captada pelos espias pagos ou espontâneos da inquisição, que se teriam socorrido inclusive, de artifícios para descobrir os judaizantes. (LIPINER, Elias ,1969, P.46,).


Quando falecia alguém da família, o corpo do defunto era lavado e amortalhado com uma camisa comprida como forma de purificação, suas unhas eram cortadas e guardadas, nesse dia só comiam pescado, ovos e azeitona. No momento de enterrar o corpo, abriam covas fundas em terras virgens, e junto com o defunto ia uma moeda de prata ou ouro ou uma pérola. As águas dos potes deveriam ser jogadas fora, acreditavam que a alma do defunto tinha sido banhada naquelas águas e o anjo da morte usava as águas do pote para lavar a sua espada.
Este sincretismo religioso era uma forma sultil de demonstrar resistência à nova fé. Retorno a salientar que muitos de fato se converteram ao cristianismo, porém, as práticas judaicas não eram abandonadas por ainda acreditarem ser a fé correta. Sendo assim, mantinham a dualidade em suas vidas religiosas. Muitos cristão-novos ao mesmo tempo em que rogavam à mãe de Jesus se escondiam nos sábados para exercerem a lei de Moisés.
Diante de tudo isso podemos afirmar que a mulher foi a principal mantenedora e propagadora das práticas culturais judaicas, sendo também maioria nas perseguições do Santo Oficio quando esteve no Brasil.

IDENTIDADE RELIGIOSA
Com a chegada dos judeus vindos da Holanda para Brasil, ficou mais fácil identificá-los pelas suas práticas. Sempre buscavam se aglomerar em uma só localidade, desta forma poderiam sentir-se mais protegidos. Para encontrá-los bastava ir a rua dos Judeus local onde moravam e comercializavam.
A rua dos judeus revelava todo um aparato capitalista graças a sua localização, ficava a poucos metros do Porto do Mar do Recife, lá era possível encontrar o que se desejava comprar. Cada casa já era arquitetada para ser uma loja. Hoje, a Rua dos Judeus é conhecida como Rua do Bom Jesus.
Por serem os judeus os maiores vendedores de escravos, encontrava-se na rua dos judeus este comércio. "O mercado de escravos do Recife ficava na Rua dos Mercadores ou Rua dos Judeus, hoje Rua do Bom Jesus, onde os maiores comerciantes de escravos moravam (...)" . Seus comércios iam desde a venda de escravos a carregamentos para as Províncias Unidas, de açúcar, cachaça, talvez tabaco e animais exóticos.
Pelos relatos históricos dá para se imaginar a Rua dos Judeus bem movimentada; primeiro por ser uma espécie de mercado onde de tudo se encontrava, segundo porque aos domingos a cidade toda parava, por ser um dia santo para os cristãos, e o comércio na Rua dos Judeus continuava com as portas abertas. Escolas funcionavam, os funcionários e os escravos trabalhavam normalmente servindo ao seu senhor.

Com tristeza se percebe que, entre outros, a profanação do Domingo e o comprar e vender no Dia do Senhor aumenta diariamente neste país, especialmente entre os Judeus, que mantém suas lojas de portas abertas, mandam seus filhos a escola, fazem abertamente seu trabalho manual, mandam trabalhar seus negros e escravos nas ruas, cortam lenha, etc., causando tudo isto grande escândalo e prejuízo para a religião pública .


A presença conjunta de judeus nas praças com as suas mercadorias para as vendas acabava tornando-se um ajuntamento religioso visível a todos os cristãos, e os mais conservadores da fé não gostavam muito do que apreciavam.
A aparente tolerância religiosa encontrada no Brasil permitiu que os judeus se reunissem para as suas manifestações culturais, isto não quer dizer que eles não se socializaram, pelo contrário, graças a esta tolerância, manifestavam a sua cultura e sentiam-se livres para aprender a cultura local, existindo uma socialização entre os judeus e o meio em que se encontravam.
Os judeus sefaradim de Amsterdã transitavam pelas ruas do Recife sem nenhum tipo de restrição, sendo que eles não se miscigenavam com a fé dos cristãos-velhos. Só era possível identificá-los na hora dos serviços religiosos, em outros momentos transitavam com vestimentas normais, como se vestiam os portugueses católicos.
Manoel Fernandes Caminha, um soldado que havia servido no Brasil, denuncia uma série de pessoas que havia conhecido em Pernambuco, os quais "professavam publicamente a lei de Moisés, fazendo seus ritos e cerimônias, ajuntando-se três vezes no dia na esnoga (...) andando vestidas como judeus (...)". (SILVA, 2003, p. 261, apud: BREDA, Daniel, 2007).

Diogo Coelho de Albuquerque testemunhou que via Vasco Pires "à porta das ditas sinagogas com seu livro nas mãos, e com a cabeça encoberta como os judeus costumam cobrir, quando entram a fazer as cerimônias da sua lei" .
Os judeus de Recife quando se dirigiam ao caminho da sinagoga iam trajando vestimentas especiais, e dentro da sinagoga usavam um xale de orações chamado de Talit ou Talita . Este xale até hoje representa para eles o poder de Deus. Inclusive o uso dele é citado pela bíblia em Marcos capitulo 5 e versículos do 35 ao 43, quando Jesus faz uso desta manta para ressuscitar a filha de Jairo.
Os primeiros cultos em Recife foram realizados em casas particulares, como a de Jeoshua Jesurum de Haro e Duarte Saraiva, sendo que na residência do primeiro ficou definitivo a congregação Maguen Abraham na Cidade Maurícia, por volta de 1638. A ocupação judaica foi se consolidando em lugares privados, bastava se ter dez homens, entres eles um apto para dirigir a cerimônia e o cânone judaico já validava a o culto.
A aglomeração de judeus era em público, mas suas manifestações religiosas ocorriam em lugares privados. Apesar de tudo, muitos componentes da comunidade gostavam de manifestar a sua fé em lugares abertos, como nos mercados e praças.
Em 1640 os judeus se organizavam para construir a primeira sinagoga, chamada de KAHAL KADOSH ZUR ISRAEL, seria erigida na Rua dos Judeus, que por sinal era a principal rua de Recife, que dava acesso à cidade. A Rua dos Judeus ficava próximo ao Porto do Mar, quem chegasse de fora para conhecer a cidade de Recife, obrigatoriamente passava pela rua dos Judeus. Pois, ela era de fato a entrada por terra a Recife. Esta cena jamais poderia ser vista nas cidades da Europa, uma sinagoga na rua principal.

O prédio da sinagoga era de um sobrado, ficando o salão de cerimônias no primeiro andar. No térreo o prédio era dividido no meio, em seu comprimento, por uma parede, possuindo duas alas, ou "lojas". Cada loja era dividia, também ao comprido, em três cômodos, e tinha uma ante-sala de entrada. Na ala norte esta ante-sala levava aos dois cômodos seguintes. Os três cômodos eram provavelmente usados para reuniões do Mahamad e, talvez, para as aulas de educação religiosa providas pelo Ruby, embora não se tenha um registro documental da localização da escola para crianças, se na sinagoga ? bastante provável, segundo o modelo de Amsterdam ? ou em algum aposento de um prédio particular. O local foi escavado entre 1999 e 2000 pela equipe do Laboratório de Arqueologia da UFPE, e nestes três cômodos foi encontrada uma tijoleira praticamente intacta, do século XVII, além de vestígios das divisões internas entre os cômodos e das soleiras destas divisões. (BREDA,Daniel, 2007, P. 177)

Apesar da sinagoga atrair um pequeno número de pessoas, elas se destacavam devido às vestimentas rituais que eram usadas. Quem entrasse ou saísse de Recife ou se dirigisse a Olinda se deparavam com aquelas pessoas trajando-se de forma diferente "fazendo seus ritos e cerimônias, ajuntando-se três vezes no dia" .
O termo sinagoga vem do grego e quer dizer assembléia, este nome foi usado pelos judeus europeus, já no hebraico chama-se bet ha-tefilah, bet ha-knesset, ou ainda, betha-midrash, o mesmo que casa de oração, de estudos e de reunião, um espaço de culto religioso, sociabilidade e instrução . A Karl por sua vez tem significado comunitário e religioso, o mesmo que congregacional, que reunir as pessoas. As Haskamot fazem referência a esnoga, uma alteração no nome trivial aos judeus de Portugal. Com o tempo alguns rituais hebraicos tiverem que ser mudados para não provocar escândalos na comunidade pernambucana, como foi o caso da festa de Simchat Tora , uma celebração feita pelo fechamento da leitura da Torah . O comum era se celebrar com as portas do templo abertas e os rolos da Torah fora dos armários, onde eles andavam em cortejo pelo salão de cerimônias. No entanto, esta celebração exposta causou uma tensão religiosa, então em 1650 decidiram celebrar de portas fechadas, para não provocar escândalos entre os não judeus, chamados por eles de gentios.
Dentro da sinagoga as regras eram seguidas por todos, no salão das cerimônias ficavam os participantes da comunidade para a celebração religiosa. O lugar de cada um sentar já era determinado, não podia ser mudado e si isto ocorresse recebiam a penalidade de multa ou o castigo escolhido pelo diretor, o Mahamad.
O novo membro que chegava se acomodava no lugar do seu parente até lhe ser designado uma cadeira. Com o acréscimo de uma cadeira os lugares eram automaticamente mudados, ficando determinada sua instalação pelos ocupantes próximos. Eram proibidas as comédias dentro do templo, danças indecentes, e todos teriam que falar baixo em respeito ao Criador, se necessário o Hazam, o cantor litúrgico, poderia chamar atenção de todos batendo na Tevah (púlpito).

O VALOR DA LITERATURA JUDAICA

Graças ao valor dado ao uso das literaturas, a cultura judaica manteve-se inexorável. A cultura letrada era bastante incentivada no meio judaico, sendo ela a guardiã dos hábitos culturais. Pois, por onde os judeus peregrinavam sentiam a necessidade de assimilar a cultura do lugar, usavam a moda e os costumes locais como forma de camuflagem. O que mantinha na memória a sua cultura eram os textos lidos, que narravam a vida dos seus antepassados, seus destinos vagantes, suas guerras vitoriosas e derrotas, a forma de vestir, comer e celebrar.
As obras eram traduzidas do hebraico para o idioma de onde estavam inseridos. Por sinal a primeira literatura hebraica da América foi escrita pelo rabino Isaac da Fonseca.
Era de suma importância para eles a leitura da Torah (livro do Pentateuco). Através desta leitura ficavam cientes da ordenança de Deus aos homens. Muitos cristãos e mulçumanos se referiam aos judeus como "o povo do livro".

Processou-se assim a perpetuação da identidade judaica no âmbito local das comunidades dispersas e ao mesmo tempo uma dinâmica atualização internacional do judaísmo, especialmente no que diz respeito ao contexto europeu, mediterrâneo e médio-oriental, contexto no qual as comunidades judaicas dispuseram de redes de comunicação com centros que variaram ao passar do tempo, desde Babilônia, passando por Alexandria, al-Andaluz, Itália (especialmente Roma e Veneza), Constantinopla e Amsterdam, para pararmos em exemplos do século XVII ? embora alguns destes centros tenham. (BREDA, Daniel, 2007, P. 179).

Conhecer o hebraico era essencial a todos os participantes da comunidade judaica, porque nos rituais os membros eram convocados a ler a Torah, muitos faziam esta leitura no Tevah (púlpito). Contudo, existiam ocasiões que apenas as pessoas autorizadas poderiam subir ao púlpito, somente o Hazan e se este não estivesse presente o Ruby assumiria a leitura e em falta do Ruby caberia aos senhores do Mahamad executar a leitura litúrgica.
A cultura letrada foi sem dúvida a grande responsável pela perpetuação da identidade judaica ao longo do tempo. É até observável, apesar de ser um povo oriundo de tantos séculos de perseguições em terras estranhas, mantiveram acesa a diferenciação dos seus hábitos culturais.

KASHER

Kasher é o termo usado para designar se um alimento esta suscetível para uma correta alimentação de um judeu. Tudo que é considerado adequado para os judeus, seja ele objeto, pessoas ou comidas utilizam este termo.

Kasher significa apto, idôneo, e constitui o termo utilizado para designar não só as comidas devidamente preparadas para o consumo dos judeus pios, mas também objetos e pessoas. Assim, na tradição judaica se diz que os rolos da Torá ou os filactérios são kasher quando obedecem todos os requisitos prescritos pela Halachá, e as testemunhas de uma arbitragem judicial, conhecida como din torá, são kasher se demonstra a sua honestidade e o fato de serem judeus observantes. (TOPEL, Marta 2003, P.206).

Para um judeu ser considerado kasher é fundamental que ele siga uma dieta alimentar que foi receitada pelo patriarca Moisés, considerado por eles o porta voz de Deus. Ou seja, a regra alimentar foi determinada por Deus. A lei dietética se resume em tahor e tamé
Na Torá é possível se encontrar alguns mandamentos em relação a alimentação, por exemplo no livro de Levito 7:22, tem a ordenança de Deus em relação a proibição de se alimentar da gordura e do sangue dos animais. Extraem máximo de sangue da carne, e para que ele seja retirado todo, lavam a carne com água e sal. Esta ordem se estendeu até ao consumo do ovo, sendo proibido se alimentar de ovo que tenha raízes de sangue em sua casca. O argumento usado é que a vida se encontra no sangue.

O Todo-Poderoso mostrou-se muito enfático em seu mandamento de que nos abstenhamos de comer o sangue do animal e das aves de curral. Repetiu este mandamento várias vezes em Sua Lei (Gen. IX:4; Lev. XVII:14; Deut. XII:16, 23-24; XV:23). Em conformidade, nossos sábios talmúdicos têm estipulado uma lei que determina que, com o objetivo de remover de forma efetiva o sangue da carne, esta deve ser deixada de molho para abrir os poros e, logo, salgada, a fim de extrair todo o sangue. (TOPEL, Marta 2003, P.208).

Até para se abater um animal existe regra, os animais devem ser abatidos por um especialista de forma que ele não sinta dor e seja rápido para isto utilizam uma lamina bem afiada, a traquéia e o esôfago são cortados no ponto certo.

A monitoria cita outros sinais de criptojudaísmo: a maneira especial de degolar animais para a alimentação, experimentando primeiro a faca na unha, atravessando-a no pescoço da res, e cobrindo o sangue com a terra. A aversão a toucinho, a porco, lebre, coelho, aves afogadas, enguia, polvo, congro, arraia, pescado que não tenham escamas, e etc. jejum grande no mês de setembro, estando descalços e pedindo perdão uns aos outros. Jejuns nas segundas e quintas-feiras de cada semana, durante o dia. Jejum no dia da rainha Ester. (IZECKSOHN, Isaac, 1967, P.114).

A lei de Moisés proíbe se alimentar do nervo do quadril de um animal, mesmo sendo ele considerado puro . É por isto que até hoje não é ingerido o quarto traseiro dos animais. O mais interessante é que muitos açougueiros não sabem limpar o quarto traseiro de um animal.
Não se podem misturar laticínios com carne, nem mesmo a panela usada para o preparo de um pode ser usada para o outro, nem a água pode purificar aquela panela. Na verdade tudo que se refere a carne a atenção é redobrada, só as carnes de animais ruminantes, das aves domesticas, dos pombos e dos peixes com escamas e nadadeiras é permitido se alimentar. Os demais como camelos, lebres, porcos e outros que não constam na lista acima, são considerados tamé (impuros), e as pessoas que se alimentam delas tornam-se impuras.
E toda vasilha nova antes de ser usada deve ser lavada com água corrente para a purificação do objeto e no mesmo momento que lavar deve profetizar bênçãos do tipo: "Bendito sejas, ó Senhor, nosso Deus Rei do Universo, que nos tens santificado por teus mandamentos, e nos tens ordenado o referente à imersão das vasilhas". Água antes de ser utilizada deve ser filtrada com uma tela fina como forma de purificação.
Na páscoa judaica a comemoração é feita com pão ázimo, isto é sem sal e sem fermento, e com a festa do Tabernáculo, forma de relembrar a saída dos israelenses do Egito. As orações são feitas contra a parede, fazendo movimentos com a cabeça para cima e para baixo, como forma de reverenciar a Deus.
Estas regras religiosas eram seguidas pelos judeus e por muitos cristão-novos que habitavam em Pernambuco. Em relatos do Santo Oficio é possível encontrar inúmeras confissões de Cristãos-novos que praticam no dia a dia normalmente a lei de Moisés.
Os costumes culinários da população que estava habitando Pernambuco muitas vezes revelavam herdar as práticas judaicas. A forma de degolar um animal de temperar um alimento muitas vezes era exercida por cristão de forma inconsciente sem saber ele que poderia ser punido. Estes atos eram era motivo de vigilância por parte da igreja na pessoa do Santo Oficio.

...registrou-se no livro do visitador, na Bahia, a confissão de Caterina Mendes, dizendo que ?tôdas as vêzes que em sua casa até agora se assavam traseiros de rês miúda, lhe mandava tirar a landoa, porquanto Antônio Álvares, cozinheiro da rainha, lhe ensinou que era isto bom para a carne ser bem, e por isso ela também o ensinou a outras pessoas... (LIPINER,Elias,1969,P.75, Apud: SERBIM,Aleksandra, 2001 ).

E qualquer pessoa que tomava conhecimento que outra pessoa praticava esta infração teria que denunciar ao Santo Oficio, não importando se era ou não parente chegado.

Antigas alunas da escola de Branca Dias delataram que, auxiliadas por meninas escravas, elas limpavam e lavavam a casa tôdas as sextas-feiras, e que ninguém ali trabalhava aos sábados. Denunciaram que Branca Dias e suas filhas tinham vestido os seus melhores trajes num sábado, dia em que Branca compartilhava suas refeições com as filhas. Preparava-se então para tôda a família Fernandes uma iguaria de côr amarelada. Segundo as filhas mais novas de Branca tal iguaria era composta de grãos moídos, carne, óleo, cebolas e temperos. Outros denunciaram que, aos domingos, na Igreja ao serem recitadas as palavras ?alevantarão ao Senhor na óstia consagrada?, Branca Dias costumava murmurar: ?há cães acorrentados" (WIZNITZER, Arnold, 1966,P. 21, Apud: SERBIM,Alekasandra ; GOUVEIA,Claudia, 2001)

No momento da denúncia era uma verdadeira competição, quem chegasse primeiro parecia ter mais credibilidade a sua acusação. E se por ventura o culpado fosse antes e incriminar-se a denuncia tinha o efeito abolido ou a pena era diminuído.
Embora a saga aos judeus existisse aqui no Brasil e outros lugares, o admirável é que as artes culturais não morreram. A maneira de prepara a alimentação de separa o tahor do tamé perdura até os nossos dias, onde estiver um praticante do judaísmo as mesmas manifestações estarão presente.

A SAIDA DOS JUDEUS DE RECIFE

Durante aproximadamente os sete anos que Mauricio de Nassau governou o Pernambuco, os judeus gozavam de plena liberdade religiosa.Foi um governo que buscou manter uma política conciliatória com Portugal. Além de oferecer liberdade religiosa aos católicos e judeus. Durante o seu governo implantou um ensinamento de higiene, criando sanitários públicos, saneamento e uma arquitetura para Recife semelhante a da Holanda.
Em 1640, quando D. João acabou com União Ibérica, Portugal faz uma aliança com a Holanda contra a Espanha. Agora com esta nova união não seria ética a presença da Holanda em terras portuguesas, além do mais as dificuldades encontradas por Nassau de permanecer do Brasil contribuía. Os soldados não estavam recebendo soldo. E a decisão tomada pela Companhia das Índias aborrecia os católicos que antes tinham liberdade religiosa dada por Nassau e agora se viriam limitados. Os donos de engenhos encontravam-se endividados e já comentavam em uma conspiração contra o domínio holandês.
Nassau foi demitido em 1643 e no ano seguinte se retirou do Brasil, junto com ele foram vários judeus temendo perder a guerra. A guerra foi se prolongando e tomando proporções inesperadas. Foi neste contexto histórico com surge à batalha dos Guararapes. Na primeira batalha de Portugal morreram 500 holandeses e os outros optaram por fugir de Recife.
A batalha continua até o dia 23 de janeiro de 1654, ano em que Portugal vence os holandeses e dão aos judeus garantia de retornarem vivos para a Holanda. Os judeus já prevendo uma perseguição religiosa, aproveitam a situação para fugirem para outras colônias holandesas, como o Suriname, a Jamaica Nova Amsterdã (atual Nova York).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste trabalho busquei contribuir para o conhecimento em relação à historiografia dos judeus em solo pernambucano. Tentei tecer uma narrativa me limitando a presença de cristão-novos e judeus no Brasil, mas sem esquecer o contexto histórico em que se achavam inseridos.
Relatei como a comunidade judaica no Recife se consolidou depois de certo tempo. Chegando a dominar a economia burguesa, graças ao conhecimento que tinham de diversos idiomas. O que facilitou a compra e a venda de mercadorias.
Os cristão-novos e os judeus tiveram grande participação da expansão do comércio açucareiro, agiam como corretores de venda entre grandes compradores internacionais e grandes produtores de açúcar na colônia. Sem contar nos empréstimos que cedia a senhores de engenhos para aplicar na industria açucareira.
A facilidade que tinham em comercializar era sem dúvida o diferencial dos judeus dos demais habitantes da colônia portuguesa. Até as casas eram pensadas de forma que sua estrutura pudesse ser um ponto comercial.
Os cristão-novos que chegaram aqui primeiro que os judeus também tiveram destaques na área econômica. Participaram na área judicial, de saúde, como engenheiros, comerciantes e industrias contribuindo e muito para a formação econômica da colônia brasileira.
A cidade do Recife foi arquitetada contribuindo para o conforto deles. Em nenhum lugar da Europa poderia ser visto uma rua onde moravam judeus em uma localidade estratégica. Em Pernambuco foi diferente, a Rua dos Judeus era uma das principais ruas. Para se adentrar na cidade teriam que atravessar a rua dos Judeus. Sem contar o fato de ser próximo do porto o que facilitava e muito o comércio para eles.
Recife transformou-se em uma cidade referencia, o espaço físico convergia para uma condensação econômica fantástica para a classe burguesa colonial. E os judeus tiveram ampla participação nessa construção arquitetônica que Recife havia ganhado.

A partir de aterros e de um muro de retenção da água na margem do rio Beberibe iniciados pelos militares neerlandeses em 1631, os judeus, entre 1637 e 1639, concluíram o processo de drenagem e nivelamento do terreno e utilizaram aquela área para construir o quarteirão de prédios do lado direito do que se tornou a Rua dos Judeus. Desta forma, mostravam engajamento na produção de espaço público, inserindo-se não só no empreendimento capitalista da Praça do Recife em si, como no imaginário da civilização neerlandesa, que como argamassa de sua identidade usa a atividade coletiva de luta contra a natureza. (BREDA, Daniel, 2007, P. 209)


Faziam uso do comércio para propagar a sua fé e trazerem de volta muitos cristão-novos ao seio de Abraão, unirão à carência de lucrar com a necessidade de aumentar o numero de fiéis na nova terra.
Na cultura e na religião foram bem determinantes, as práticas culturais deveriam ser posta em prática, mesmo quando na colônia só se encontravam cristão-novos os que eram adeptos da lei de Moisés ainda que escondido, exercitavam os mandamentos.
Com a chegada dos judeus da Holanda e com a abertura religiosa a manifestação de fé se organizou, construíram a primeira sinagoga e outras congregações. Suas festas eram celebradas sem temer uma interrupção religiosa.
A cultura letrada é citada nessa obra, por que acredito que ela é sem duvida a maior mantenedora das praticas judaicas. Todo judeu tem que saber ler hebraico para conhecer cada processo que o seu povo enfrentou por amor a Deus.
A alimentação é uma outra manifestação cultural e religiosa bem impertinente na vida de um judeu kasher. É sem dúvida uma das maiores características de um judeu. Muitos cristão-novos mesmo professando a fé em Cristo eram adeptos da alimentação judaica.
O judaísmo mesmo perdurando a mais de 5 mil anos, conseguiu manter a originalidade de muitos dos seus costumes.A preservação dessas atividades se deu graças a homens e mulheres sefaradim ou ashkenazim que transmitiram para os seus filhos a sua identidade, onde o respeito e a fé em Deus prevalecem, não importando se serão ou não importunados.
REFERÊNCIAS

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BREDA, Daniel Oliveira, Os Judeus e o espaço urbano do Recife neerlandês(1630-1640). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte,2007.

GRINBERG, Keila (Org.). Os Judeus no Brasil: Inquisição, Imigração e Identidade. Rio de Janeiro: Editora da Civilização Brasileira, 2005.


GUIMARÃES, Janaina, Modos de Pensar, Maneiras de Viver: Cristãos-novos em Pernambuco no século XVI. Recife: UFPE, 2007.


IZECKSOHN,Isaac. Os Marranos Brasileiros. São Paulo: Bnai Brith, 1967.

LIPINIER, Elias. Os Judaizantes da capitania de cima. São Paulo: Brasiliense, 1969.


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MELLO, José Antônio Gonsaves. Gente da Nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654. 2ªed. Recife: Massangana, 1996.


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POLIAKOV, Leon. [1955]. História do Anti-Semitismo I: De Cristo aos Judeus da Corte. São Paulo: Perspectiva, 1979.

SALVADOR, José Gonçalves. Os Cristãos-Novos e o Comércio no Atlântico
Meridional (com enfoque nas Capitanias do Sul 1530-1680). São Paulo:
Pioneira/MEC, 1978.

SARAIVA,Antônio José. Inquisição e Cristãos- novos .Porto: Inova,1969.

SCHAWARTZ,Stuarte. Segredos Internos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.


UNTERMAN,Alan.Dicionario Judaico de lendas e tradições.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.

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ZISMAN,Meraldo. Marranismo no Brasil. Recife: Editora Bagaço, 2005.




























Autor: Talita Barbosa Ramos


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