Bem de família



O BEM DE FAMÍLIA

Conceito e origem

O Código Civil de 1916 inscrevia o bem de família em sua parte geral, mas foi somente após o Projeto do Código Civil de 1965 que o mesmo foi transposto para o Direito de Família, onde o atual Código Civil o mantém, pois a finalidade do instituto é justamente a proteção da família.
A lei brasileira não traz um conceito do que seja bem de família, mas oferece todos os elementos essenciais para a configuração do instituto, o que permite aos autores se utilizarem desses elementos para proceder à conceituação.
Para Carvalho de Mendonça, bem de família seria "uma porção de bens definidos que a lei ampara e resguarda em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito à impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa".
Nesse conceito se englobam todas as espécies de bem de família. Mostra-se, ainda, atualizado à nova visão constitucional de igualdade entre os cônjuges, ao alargamento do conceito de família e ao caráter limitado da impenhorabilidade e inalienabilidade que incidem o bem de família.
No caso de um imóvel ser residência e ao mesmo tempo local de trabalho, um comércio, por exemplo, esse bem também será considerado bem de família.

Classificação

A doutrina costuma classificar o bem de família de acordo com sua forma de constituição, ou seja, bem de família voluntário (ou facultativo) e involuntário (ou legal). Sendo que ambos se se subdividem em móveis e imóveis.
O bem de família voluntário é o que se constitui por atitude voluntária do proprietário, como um ato de previdência no intuito de proteger sua família de oscilações econômicas futuras. Está regulado no Código Civil de 2002, nos artigos 1.711 a 1.722.
Já o bem de família involuntário se constitui independentemente da iniciativa do proprietário do bem e sua constituição é involuntária. A Lei 8.009 de 29 de março de 1990 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Essa lei surgiu com o intuito de tornar o instituto mais eficiente no seu intuito de proteção à família.
Mas o novo código civil, que é posterior à lei de 1990, também não revogou a referida lei. No seu art. 1.711 inclusive, dispõe que continuam mantidas as regras da lei especial. A lei 8.009/90, em seu art. 5º faz referência à possibilidade de instituição de bem de família voluntário.

O bem de família no Código Civil

Segundo o artigo 1.711:
"Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.".
A instituição do bem de família cabe aos cônjuges, à entidade familiar ou a terceiros em caso de testamento ou adoção. É o que a Constituição Federal, principalmente em seu artigo 226, proclama ao colocar os cônjuges em pé de igualdade e conferir a união estável e a família monoparental o status de entidade familiar.

No caso de instituição por testamento, o limite de 1/3 do patrimônio líquido deverá ter como data referencial o momento da abertura da sucessão.

"Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família".
A proteção do bem móvel está vinculada à existência de bem de família imóvel, não existe isoladamente, pois o objetivo de sua constituição é justamente a conservação do imóvel e o sustento da família.
Se o imóvel é habitado pela família, torna-se automaticamente o chamado bem de família, mas a lei admite também a possibilidade de se indicar qual bem será.
"Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.
§ 1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família.
§ 2o Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro.
§ 3o O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito".
Esse artigo limita a constituição de bem de família móvel ao dizer que seu valor não poderá ultrapassar o valor do imóvel que visa proteger.
Exemplo de valores mobiliários são as ações ou outros investimentos que proporcionem rendimentos periódicos, ou seja, são destinados a gerar receita para a conservação do imóvel e sustento da família.
O instituidor pode escolher pessoa de sua confiança para administrar esses valores.
São elementos essenciais para a constituição do bem de família voluntário: ter a propriedade do bem; destiná-lo ao domicílio da família e a solvabilidade do instituidor, ou sejam ficando caracterizada a insolvência do proprietário em relação às dívidas anteriores ao bem de família voluntário, não valerá o ato de instituição, devendo ser anulada, e a execução da dívida poderá atingir o imóvel livremente.
"Art. 1.714. O bem de família quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis".
O citado artigo estabelece que o bem de família constitui-se pelo registro do seu título no Registro de Imóveis ou será nulo esse ato, mas a instituição também poderá se dar por testamento (art. 1711).
O registro além de acobertar os beneficiários, também dá publicidade, gerando a possibilidade de conhecimento de terceiros (inclusive credores).
"Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio".
Ou seja, isso evita uma possível fraude a credores. Exceção aos tributos relativos ao prédio/despesas de condomínio. É o caso do não pagamento do IPTU que autoriza a penhora do imóvel.
"Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz".
Na hipótese de execução dessas dívidas os bens serão vendidos para conseguir-se o pagamento e caso haja saldo existente, este será sub rogado em outro imóvel como bem de família, ou se isso não for possível, será aplicado em títulos da dívida pública, onde as rendas serão destinadas ao sustento da família.
"Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade".
Um filho, maior de idade, com o falecimento dos pais, passa a ter a residência em que vivia com os pais como seu bem de família ou no caso de morar em local diverso pode instituí-lo como tal.

Mas o bem de família, apesar de isento de execução por dívidas, não é inalienável de modo absoluto e sim relativo. Conforme se depreende do artigo 1717:
"Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público".
Ou seja, a impenhorabilidade só exime o bem da execução por dívidas subseqüentes a constituição do bem de família, não se estendendo às dívidas provenientes de impostos e taxas condominiais incidentes sobre o imóvel e só existe enquanto viverem os cônjuges ou até a maioridade dos filhos.
"Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição".
O 3o do art. 1.713 cita que se a entidade administradora cessar suas atividades, os valores serão transferidos a outra empresa semelhante e em caso de falência, caberá a entrega dos valores segundo o procedimento prescrito para a restituição (independente do prazo de custódia ou da natureza dos valores administrados.
"Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público".
É o caso de alguém que mora em uma casa mais luxuosa e requere a substituição para outra de menor valor. Esse artigo impõe a necessidade de autorização judicial para a extinção/sub rogação dos bens de família em caso de impossibilidade da manutenção do bem.
"Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.
Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor".
Admitiu o artigo a intervenção judicial para sanar eventual divergência entre os cônjuges. Aliás, não só aos cônjuges, pois a lei foi omissiva e incorreta ao deixar de lado os companheiros e qualquer dos pais (família monoparental), também abrangidos pelo artigo em questão.
"Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.
Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal".
No caso do caput, se não acordarem ou se a separação for litigiosa, cabe ao juiz decidir o conflito. No caso do parágrafo único, caso haja filhos menores e se com a extinção eles forem prejudicados, caberá também a intervenção judicial.
"Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela".
Aqui trata-se da extinção do bem de família mas com a devida proteção ao filho maior, porém interdito.
Portanto, o bem de família prioriza a convivência familiar aos interesses patrimoniais. É direito de moradia, protegido constitucionalmente.

O bem de família na Lei 8.009/90

Esse bem de família é instituído pelo Estado em defesa da família. Não há necessidade de ser registrado para ser considerado bem de família, como imposto no Código Civil.
Vale lembrar também que a impenhorabilidade prevista nesta Lei e no Código Civil, incida sobre o mesmo imóvel.

Dispõe o artigo 1º:
"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único - A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados."
O referido artigo reconheceu a impenhorabilidade dos bens da residência das famílias monoparentais. O STJ já assumiu entendimento da impenhorabilidade de pessoa solteira, viúva e do separado judicialmente os equiparando a entidade familiar.
Assim, o bem de família legalmente instituído não necessita das formalidades exigidas no Código Civil.
"Artigo 2º - Excluem-se da impenhorabilidade os veículos transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único - No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo".
"Artigo 3º - A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens".
O artigo 3º estabelece a impenhorabilidade oponível aos credores, mas prevê em seus incisos algumas exceções.
"Artigo 4º - Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência fami-liar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§ 1º - Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.
§ 2º - Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do artigo 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural".
Do mesmo modo, a Lei exclui dos benefícios aquele que sabendo-se insolvente adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar. O juiz, em eventual ação de credor, pode transferir a impenhorabilidade para a residência anterior, ou até mesmo anular a transação.
Artigo 5º - Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Parágrafo único - Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do artigo 70 do Código Civil".
Se por ventura, o imóvel estiver locado servindo de subsistência da família que passa a viver em um outro imóvel alugado, o bem não perde sua sua destinação imediata, ou seja, continua sendo garantia da moradia familiar.
Em caso de separação judicial ou dissolução da união estável, onde existe apenas um único bem de família aquele que permanecer com a guarda dos filhos tem os benefícios da lei. Se for destinado um imóvel para cada um deles, reconhece-se então a existência de duas novas entidades familiares, ambas sujeitas a proteção da lei.
Referências bibliográficas:
ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. São Paulo: Rideel, 2010.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume 5. São Paulo: Forense, 2010.
Rodrigues, Silvio. Direito Civil. Volume 6. São Paulo: Saraiva, 2010.







Autor: Tatiana Magalhães


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