CONTRIBUIÇÃO LINGUÍSTICA DO NEGRO NA FORMAÇÃO DOS NÚCLEOS URBANOS DO SERTÃO PERNAMBUCANO.



O objetivo deste texto é mostrar a contribuição dos afro-negros na formação lingüística do português nordestino, especialmente o falar não-padrão rural, partindo de análises relacionadas a dados históricos ? lingüísticos da formação do povo do sertão pernambucano. Tal contribuição sempre sofreu preconceito por parte da população falante do português padrão urbano, o que provoca a associação dos temas: etnia, contexto histórico e a própria língua materna. Em um país tão grande quanto o Brasil e constituído pela mistura de tantos povos, são inúmeras as variações lingüísticas que, embora bastante estudadas, permanecem sem a devida valorização. Sabe-se que a nação brasileira foi composta não só por portugueses, mas por diversos povos que passaram, deixaram sua marca, penetraram, alguns permaneceram e influenciaram o português no Brasil e entre estes povos estão os escravos africanos, trazidos para a colônia portuguesa a partir do século XVII, tanto para o trabalho escravo nas lavouras de cana-de?açúcar quanto para auxiliar no combate aos índios em função da apropriação das terras.
Com base na linguística histórica pretende-se mostrar que, no português brasileiro, principalmente no nordeste, evidenciam-se traços marcantes de influência afro-brasileira, considerando que essa variação é uma das diversidades linguísticas mais discriminadas no Brasil, vítima de preconceito lingüístico decorrente de um falso status social. No auge da colonização portuguesa, no século XVI, o conquistador busca ser proprietário de terras, mas enfrenta o problema de falta de mão de obra, uma vez que o nativo mostrou-se rebelde e ineficiente para o trabalho da lavoura. Assim, apostou-se na experiência já conhecida da mão de obra negra.
Em Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (1933), essa situação é destacada no seu primeiro capítulo sobre as características gerais da colonização portuguesa do Brasil:formação de uma sociedade agraria, escravocrata e híbrida:
"Quando em 1532 se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portuguesas com os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida tropical. Mudado em São Vicente e em Pernambuco o rumo da colonização portuguesa do fácil mercantile,para o agrícola;organizada a sociedade colonial sobre base mais sólida e em condições mais estáveis que na ìndia ou nas feitorias africanas, no Brasil é que se realizaria a prova definitive daquelas aptidão. A base, a agricultura; as condições, a estabilidade patriarchal da família, a regularidade do trabalho por meio da escravidão, a união do português com a muylher índia, incorporada à cultura econômica e social do invasor."



A grande quantidade de escravos africanos trazidos ao Brasil entre os séculos XVII e XVIII torna-se responsável não só pelo trabalho mais pesado da colônia, mas também pela implantação de sua cultura, língua, e sobretudo identidade. O fato é que deixou importantes contribuições, diante do grande potencial que tinham e pela ação repressora do colonizador europeu que buscava deletar a identidade do negro, obrigando-o a assumir a sua cultura. Embora tenham unificado a língua portuguesa em um país com tão vastas proporções, os portugueses não conseguiram reprimir a vida dos escravos africanos nem fazê-los apagar sua memória e referências, pois além dos diversos dialetos indígenas surgiram também diversas línguas e dialetos africanos. Esses dialetos foram integrados aos falares dos povos que estavam formando o novo país. Os negros trouxeram o iorubá, ou nagô, dos grupos sudaneses (Guiné, Daomé, Sudão) compondo uma espécie de "língua geral" da Bahia, enquanto o quimbundo, do grupo banto* (Congo e Angola) difundiu-se em Pernambuco e outros estados do Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O grupo banto exerceu maior influência no português falado no Brasil, sendo essa contribuição negra evidente na fonética e na sintaxe portuguesa do Brasil. Porém, o que há de escrito sobre o assunto restringe a descrição de situações regionais ou pesquisas relativas à época da escravatura, sem entrevistar ou ouvir algum afro-negro, carecendo de mais estudos descritivos e observação do que os remanescentes pensam sobre si e sobre a sua etnia para se determinar a influência do escravo no fonetismo e no ritmo da fala popular. É preciso que se estabeleça parâmetros de comparação entre a fala do luso vindo para o Brasil e a do brasileiro nascido na terra,pois é essa diferenciação que motiva a variante, uma língua híbrida com características de crioulização.
Gilberto Freyre, no seu livro Casa grande & Senzala,de 1933, trata da mobilidade social que se gerou com a miscigenação, a dispersão da herança e a frequente mudança de profissão e de residência dos novos mestiços, além do fácil acesso a cargo e posições elevadas na política dos filhos naturais e crioulos, o cristianismo lírico português influenciado pela igreja católica, resultado da mescla de cultura européia, africana e indígena, com base numa economia agraria e pastoril. Desta forma, uma cultura crioula estava justificada. Mesmo que os colonizadores quisessem definir uma língua oficial, como ocorreu em 1757, através da Lei do Diretório dos Índios, o governo de Pombal decretou a unificação lingüística e a imposição do idioma oficial e a língua geral fora banida da escola, em função da oficial portuguesa exigida, entretanto, essa repressão não conseguiu impedir a natural evolução da língua nem extinguir as variações que se entrelaçam com a língua oficial.





Autor: Djalmira Sá Almeida


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