Histórico da União Estável



A união de fato é a união livre estabelecida entre pessoas de sexos diferentes, em que os parceiros, não ungidos pelos laços do casamento, mantêm-se juntos sem qualquer submissão aos regramentos da lei.
O traço característico da união livre é a comunhão de leitos, assumida de forma não compromissada, sem a ideia da permanência ou o objetivo de constituição de uma família. Segundo assinala Silvio Rodrigues (2002 p.287):
A união estável como a união do homem e da mulher, fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da mulher ao homem.
As uniões assim mantidas à margem da lei caracterizam-se como concubinato, mas a Carta Magna de 1988, ao dispor sobre as uniões de fato, mantidas pelo homem e a mulher, sem a chancela da lei, ao invés da expressão concubinato, preferiu usar a denominação união estável, erigindo-a como entidade familiar.
Os vínculos afetivos fora do casamento sempre existiram. O Código Civil de 1916, com o propósito de proteger a família constituída pelos sagrados laços do matrimônio, omitiu-se em regular as relações extramatrimoniais. As uniões, surgidas sem o selo do matrimônio, eram identificadas com o nome de concubinato.
Quando de seu rompimento, pela separação ou morte de um dos companheiros, demandas começaram surgir no âmbito do Poder Judiciário. Os primeiros julgados, que impulsionaram a construção de uma doutrina concubinária, são da década de 60. As soluções encontradas regravam tão só os efeitos patrimoniais do relacionamento, na tentativa de coibir aberrantes injustiças.
Em um primeiro momento, nas situações em que a mulher não exercia atividade remunerada e não tinha outra fonte de renda, os tribunais concediam alimentos de forma "camuflada", sob o nome de indenização por serviços domésticos.
Em face de muitas discussões, passou a justiça a reconhecer a existência de sociedade de fato. Porém, para ensejar a divisão dos bens adquiridos na constância da união, havia necessidade da prova da contribuição financeira efetiva de cada consorte para a constituição do patrimônio. Os companheiros eram considerados sócios, procedendo-se à divisão dos lucros, a fim de evitar que o acervo adquirido durante a vigência da sociedade ficasse somente com um dos sócios, em detrimento, normalmente, da mulher. Tais subterfúgios eram utilizados para justificar a partição patrimonial, evitando-se com isso o enriquecimento injustificado de um dos companheiros.
Com a evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais acabaram merecendo a aceitação da sociedade, levando a Constituição a dar nova dimensão à concepção de família e a introduzir um termo generalizante: entidade familiar. O conceito de família alargou, passando a proteger relacionamentos outros, além dos constituídos pelo casamento. Assim, o concubinato foi colocado sob regime de absoluta legalidade.
As uniões de fato entre um homem e uma mulher foram reconhecidas como entidade familiar, com o nome de união estável. Também foi estendida proteção estatal aos vínculos monoparentais, formados por um dos pais com seus filhos.
A Constituição Federal de 1988, ao garantir especial proteção à família, citou algumas entidades familiares, mas não lhes dispensou tratamento diferenciado. O fato de mencionar primeiro o casamento, depois a união estável e, por último, a família monoparental não significa qualquer preferência nem revela escala de prioridade entre eles.
Ainda que a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu a equiparação das entidades familiares, sendo todas merecedoras da mesma proteção. A Constituição acabou por reconhecer juridicidade ao afeto ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade à categoria de entidade familiar, não trazendo qualquer discriminação, se comparadas ao casamento.

O Código Civil não traz o conceito de união estável. Esse é o grande desafio do direito de família contemporâneo, pois codificar um tema que está sujeito a tantas transformações sociais e culturais não é nada simples.
No ano de 1977, nasceu a Lei do Divórcio, em que, de qualquer forma, não obstante os clamores da sociedade, foi postergada ao máximo qualquer menção de lei à união estável, mesmo sendo esta a situação fática em que se encontrava grande parcela da população, quer por razões econômicas, quer por se encontrarem impossibilitados de contrair novas núpcias, uma vez que não se podiam divorciar, mantendo-se intocado o vínculo matrimonial, empecilho instransponível à viabilidade de qualquer reconhecimento da sociedade dita "concubinária".
A partir disso, nasce a união estável da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação. Por mais que a união estável seja o espaço do não instituído, à medida que é regulamentada, vai ganhando contornos de casamento. Tudo que é disposto sobre as uniões extramatrimoniais tem como referência a união matrimonializada, e com isso, aos poucos, vai deixando de ser união livre, para ser união amarrada às regras impostas pelo Estado.
O casamento e a união estável são merecedores da mesma e especial tutela do Estado. O texto constitucional confere a especial proteção do Estado, sendo ambos fontes geradoras de família de mesmo valor jurídico, sem qualquer adjetivação discriminatória. Todavia, em que pese a equiparação constitucional, a lei de forma retrógrada e equivocada outorgou à união estável tratamento notoriamente diferenciado em relação ao matrimonio.
A Constituição Federal de 1988 fez a inserção de normas dispondo sobre o reconhecimento da união estável no seu Art. 226, § 3º:
Art.226- A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Hodiernamente, o Código Civil promulgado em 2002 traz expressamente a regulamentação acerca da união estável:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
E assinala ainda, dispondo:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
Há quase uma simetria entre o casamento e a união estável, pois a origem é de um vínculo afetivo. A divergência é apenas na forma de constituição. Enquanto o casamento tem seu início marcado pela celebração do matrimônio, a união estável não tem termo inicial estabelecido, nasce da consolidação do vinculo de convivência pública, do comprometimento mútuo, do embaralhar de patrimônios, do entrelaçamento de vidas; as exigências de notoriedade, continuidade e durabilidade da relação só servem como meios de comprovar a existência do relacionamento.
Diante de todas essas características, a união estável, como fato social que representa, é impossível de se evitar ou negar, dentro dos limites da moral que a norteiam, os quais, a bem da verdade, são os mesmos que norteiam o casamento, sendo que neste o que prova a sua existência é a certidão de casamento, enquanto a união estável não possui sua necessária regulamentação, não obstante uma grande parcela da população forme unidades familiares que não são reconhecidas diante da sociedade e são tratadas como práticas ilícitas.
Autor: Karla Calado


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