O Homem, A Natureza E A Pecuária No Seridó Potiguar: Seus Caminhos E Descaminhos



1. UMA INTRODUÇÃO

A história nos revela uma ligação muito forte entre a ampliação de regiões desérticas na Terra, tais com o Deserto doSaara (África) e a criação excessiva de animais domesticados pelo homem e introduzidos nessas regiões que por apresentar clima poucochuvoso, possuem um equilíbrio ambiental muito frágil e uma produção biológica (desenvolvimento de plantas e de animais), muito limitada e por isso, impossível de manter grandes quantidades de animais. São características que retratam o perfil do Seridó potiguar, objeto das análises seguintes.

2. UM POUCO DE HISTÓRIA

O Sertão nordestino foi integrado na colonização portuguesa graças a movimentos populacionais a partir de dois focos: Salvador e Olinda. Foram estas duas cidades que se desenvolveram como centros de áreas e terras férteis de "massapé" e, por conseqüência, como centros açucareiros que comandaram o deslocamento na direção dos sertões à procura de terras onde se fizesse a criação de gado, capital para o fornecimento de animais de trabalho – bois e cavalos – aos engenhos e aos centros urbanos em desenvolvimento.

A monocultura da cana, estabelecida na Zona da Mata nordestina, não reservava grandes espaçospara a produção de alimentos. Por isso, a produção desses bens, sobretudo a carne de sol, desenvolveu-se inicialmente no agreste e, posteriormente, no Sertão.

Na literatura sobre a economia da Zona Seca nordestina, no começo de sua ocupação, o termo "civilização do couro" em alusão a presença marcante do gado, nesta região, é freqüente. O couro era empregado em praticamente todos os apetrechos que fazia parte da vida do homem dessa época (porta das cabanas, sacos para transportar produtos, mochila para alimentar os animais, depósitos de roupas e alimentos, etc.). Foi através dos diversos couros que exportava, que o Sertão integrou-se a partir do século XVIII, ao mercado exterior. A pecuária bovina desenvolveu no Nordeste, um povoamento rarefeito visto esta ser uma atividade pouco intensiva em mão-de-obra – se comparada ao engenho.

A ocupação da zona seca do território potiguar consolidou-se no século XVIII, sendo a atividade pecuária a mais importante. Eram numerosas as fazendas existentes nas ribeiras do interior do Estado (UF). A freguesia de Caicó, p. ex., contava com 70 fazendas (são incontáveis os municípios, cujo surgimento do núcleo urbano, teve relação com a atividade pecuária).

A vocação histórica do sertanejo, para com a pecuária, fica patente em todos os momentos da história. De uma pecuária ultra-extensiva, desenvolvida nos campos, passou-se, com a sucessão hereditária das terras, a uma pecuária semi-extensiva, com o gado espremido em áreas cada vez menores.

A partir dos anos 70 (Séc. XX), porém, o processo de modernização da atividade pecuária tem provocado a separação da criação de gado das atividades de lavoura. O gado não é mais solto nos roçados de algodão, milho e feijão, para se alimentar com os restos das culturas, sendo criado de forma semi-intensiva, onde o capim é cultivado próximo aos pontos de água, como açudes, rios e poços. Áreas outrora destinadas à roça paulatinamente estão transformando-se em espaços da pecuária.

No Seridó potiguar, com a extinção do algodão e o declínio acentuado no plantio de gêneros voltados ao suprimento da população local, a pecuária vem à tona,com características de atividade moderna (melhoramento do rebanho, confinamento, medidas de natureza sanitária, entre outras). Vale lembrar que esta modernização vem se verificando desde os anos 70 (séc. XX), quando o Estado, através de programas específicos, tem procurado incentivá-la com vistas à realização da integração vertical do setor agropecuário com o setor industrial.Dentre as atividades agropecuárias que tiveram forte tradição na região, a pecuária leiteira é a que se apresenta mais saliente.

3. A PECUÁRIA E O PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO NO SERIDÓ

Conforme o apontamento anterior ficamuito claro os atributos da atividade pecuária, em vários momentos históricos da zona seca nordestina e do Seridó, por extensão, assim como a resistência dessa atividade aos diferentes momentos vividos pela economia mundial, nacional e local, que acabaram levando ao colapso, produtos tais como o algodão e a mineração, que construíram história e riqueza na região.

Se, em termos econômicos,essa atividade teve competência para buscar seu espaço, com relação ao seu impacto sobre a base de recursos naturais, da qual depende incondicionalmente para manter-se, o que se percebe, ao longo de séculos, é um contínuo processo de destruição face os seus impactos sobre a vegetação, animais nativos e, por extensão, aos solos e aos recursos hídricos.

No processo de ocupação do Seridó Potiguar, as primeiras fazendas eram entregues aos vaqueiros, cujo rol de atribuições, contava a eliminação dos animais que atacavam os rebanhos, entre os quais estava incluído mamífero tais como onças e outrosde menor porte, como gato vermelho, pelos ataques provocados as "miunças" (ovelhas, bodes). Não se pode deixar de relacionar que, nesse processo de "limpeza" daquilo que prejudicava os anseios europeus, nem os indígenas foram poupados.

A princípio à distância entre as fazendas e as áreas produtoras de alimento levou ao desenvolvimento de pequenas áreas agrícolas, no entorno dos currais, para a qual necessitava a derrubada da vegetação nativa e o corte de grandes quantidades de madeira para construção das cercas, de pau-a-pique ou de varas entrançadas para proteger a área. Não se pode deixar de acrescentar que a vegetação, também era empregada no cozimento dos alimentos, na construção das cabanas e na confecção de toda a mobília. Porém, no começo inexistia divisão de áreas (cercados) e a oferta de capim era suficiente para manter o volume de animais ainda pequeno.

O aumento constante do número de fazendas, exigiu a construção de cercas de grandes dimensões (conhecido popularmente como cercado), para o qual empregavam pedras na confecção ou madeira. Esse processo atingiu o ponto máximo, à medida que as fazendas passaram a ser retalhadas entre herdeiros, por ocasião de morte de familiares, levando a divisão de uma propriedade, conforme o número de beneficiados, em dez ou mais propriedades (hoje, são incontáveis as pequenas e grandes propriedades que não dispõem de madeira para o próprio consumo). Outro agravante é que, preso nos cercados, cada vez menores, o gado passou a provocar uma pressão muito maior sobre a vegetação, pois, como qualquer vivente que se preze, os bovinos, conhecem as plantas mais palatáveis, que passaram a ser consumidas exaustivamente, de forma que as plantas mais velhas foram morrendoe as mais jovens não tiveram mais tempo para frutificar, culminando com a longa lista de espécies extintas ou em processo de extinção que conhecemos. É bom lembrar que essa pressão costuma aumentar significativamente nos anos de seca, quando há redução na produção biológica das plantas, em contraposição da manutenção do número de animais para ser alimentados.

Desde a chegada do homem branco, com seu rebanho, em solo seridoense, os frutos produzidos por cardeiros, xiquexiques, palmatórias, coroas-de-frade,era saboreados pelos animais nativos eoutros animais introduzidos pelo homem, uma alternativa sustentável a exploração desses recursos, de vez que o "manto protetor" de espinhos, protegia-os de maiores agressões, mantendo-os inteira e sobretudo, como alternativa de alimento nos anos secos, visto que essa família de plantas não precisa de muita água para manter-se e reproduzir. Nestas condições, nas primeiras décadas do século passado, os cactos imprimiam uma paisagem verdejante na região, roubando a sena na caatinga seca. Porém, o povoseridoense, figura capaz de tirar "leite de pedra", como é conhecido, à medida que começou a escassear a comida para o rebanho, especialmente nos anos secos,passou a empregar os cactos, levando-os ao fogo para eliminar os espinhos, muitas vezes, ateando fogo nas "moitas", como eram conhecidos os enormes pés de xiquexique, eliminando galhos pequenos e grandes, tirando a chance de recuperação para exploração posterior.Por fim, passado um século, o uso excessivo desse recurso forrageiro, empregando práticas insustentáveis, levou ao seu desaparecimento na maioria das propriedades rurais, dificultando ainda mais a atividade pecuária e, certamente, subtraindo as populações de animais nativos que empregavam seus frutos como alimento.

No início do século que se inicia, instituições que investem no desenvolvimento da região, empresas de pesquisas, tentam, a todo custo, a substituição da bovinocultura pela caprinocultura, sobre o pretexto de maior viabilidade econômica dessa atividade.Sou filho de agricultor, trabalho a terra a mais de três décadas, por isso, conheço de perto a importância dos recursos naturais (lenha, estacas, mourões, animais de caça), na economia do agricultor familiar e vejo com preocupação essa euforia pois o bode, conforme costuma falar técnicos no assunto e os produtores com seus conhecimentos adquiridos com a prática, "o bode come tudo".

Compreendo que, caso não sejam observadas a capacidade de suporte da caatinga (como tem acontecido ao longo de séculos), o nocaute final ao que resta da base de recursos naturais dessa região e o minar das opções de sobrevivência para as gerações que ainda virão, estarão lançados. È que, certamente, os caprinos eliminarão, em poucas décadas o que restou da vegetação rala, sobrando pouco o que fazer numa região sem vida, possívelmente com noites mais frias e dias ainda mais quentes. È um deserto diferente do que a natureza costuma fazer por negar à vida, o tempo para adaptar-se.


Josimar Araújo de Medeiros. Geógrafo (UFRN-1993); Especialista em Bioecologia (UFRN-1997); Mestre em Engenharia Sanitária (UFRN-2004). Professor do Curso de Turismo da Faculdade Católica Santa Terezinha (Caicó-RN) e do Curso de Especialização em Geografia e Gestão Ambiental da FIPE. Autor do livro: Barragens Subterrâneas: base de sustentação do homem rural seridoense. [email protected]


Autor: Josimar Araújo de Medeiros


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