Em Uma Noite Qualquer



O relógio marca aproximadamente três horas da madrugada. Ela sente seus lábios amortecidos pelo álcool, porém sorri, está orgulhosa de si por acreditar ainda estar completamente sóbria. Na sua profissão é fundamental ser forte para a bebida. Ao contrário das outras mulheres que ficam desorientadas com poucas doses; ela poderia beber uma, duas, até mesmo três garrafas de uísque antes de perder completamente os sentidos. Manter-se sóbria mesmo ingerindo uma grande quantidade de bebida alcoólica é necessário, assim é mais fácil seduzir, manipular e furtar seus clientes, além de ganhar uma porcentagem do dono do estabelecimento a toda bebida que a ela pagam.

Sente sua visão cansada, tem vontade de fechar os olhos, no entanto sabe manter aquele mesmo olhar malicioso que parece devorar as pessoas de cima a baixo. Há em seu rosto uma maquiagem pesada e escura que serve muito mais do que manter aquele ar vulgar e extravagante comum de se encontrar em quase todas as mulheres da noite; ao contrário das outras mulheres do salão, a maquiagem serve também para ocultar as marcas do tempo que riscam seu rosto profundamente.

Quando aquele que seria o seu terceiro cliente da noite entrou, ela sente uma leve excitação. Há tempos sentia pouquíssimo e raro prazer no sexo. Ao contrário dos outros homens com que estava habituada ele era jovem e atraente. Ele sentou-se em silêncio próximo ao balcão e pediu uma bebida qualquer, tenta demonstrar-se seguro, mas suas mãos tremem dentro dos bolsos de sua jaqueta. Um detalhe que passa despercebida a todos, menos ao olhar dela experiente e observador. Com certeza um virgem.

Provavelmente muito tímido. Única razão à qual ela encontra para um garoto tão bonito precisar estar ali para iniciar sua vida sexual. Ele ingere a bebida sem sentir o gosto e olha ao redor do salão como um predador buscando sua presa. Súbito seus olhares se encontram, ele sorri, ela retribui o sorriso com o olhar de uma maneira que entre todas as mulheres do salão, somente ela saberia fazer. A atração é mútua entre os dois, algo quase que familiar.

Ela aproxima-se devagar e senta ao seu lado. A conversa entre os dois é curta e breve; ele tenta disfarçar o nervosismo evidente, ela diverte-se com a situação. Ele nem mesmo quis barganhar o preço do programa; pela altura da noite e sua excitação de momento ela teria aceitado um preço muito mais amigável se ele sequer tivesse sugerido. Os dois caminham em direção do quarto, indiferentes a todas as demais pessoas no salão.

Todos os virgens são iguais ou ejaculam rápido demais ou demoram muito, neste caso foi à segunda opção. Os dois exaustos e nus estirados sobre a cama; ela acende um cigarro sem oferecer; ele pergunta - Qual é seu o nome? Apenas os virgens têm essa curiosidade tola. Ela mente seu primeiro nome como sempre. Ocultar o verdadeiro nome era uma tradição quase tão antiga quanto à profissão.

-Meu nome é Osvaldo. O nome traz a ela uma breve reminiscência.

-De onde você vem? Pergunta ela.

-Montes Claros...

Ela sente uma sensação estranha em seu estômago, uma frustração, um pavor...

-Quem são seus pais? Ela pergunta.

-Não tenho.

-Quem te criou?

-Minha avó Carmelita. Isto é uma zona ou uma delegacia?!

Ela levanta-se em um salto; de voz trêmula e alterada diz:

-Saia desse quarto!

-Não. Eu paguei, tenho direito.

Ela altera ainda mais sua voz quase em um grito.

-Saia desse quarto, agora!

Ele levanta-se contrariado, apanha suas roupas e sai resmungando. Ela esforça-se para manter-se de pé apoiada contra a cômoda do quarto. Um espelho trincado reflete sua imagem. Lágrimas grossas e fartas escorrem sobre seu rosto, borrando sua maquiagem, ela pensa em um misto de orgulho e desespero:

- Meu filho agora é um homem!

Ricardo Chagas


Autor: Ricardo Chagas


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