O TELEFONE ...



O TELEFONE ...

Depois de aguardar quarenta e cinco minutos, chegou a minha vez no setor de atendimento do Banco ... Mas justo quando iam me atender soou o telefone. "Oi, Seu Fulano. Como está o senhor? Ah, bom, assim que se quer. E a dona Beltrana? Fazendo doce? Diga a ela que me guarde um pouco. Não ... Estão na praia. Quem morreu? O primo dela? Estava doente? ... Ah, bem, a vida é assim mesmo ... Se vamos a semana que vem? Não sei. Vou falar com ele. Tem que deixar alguém atendendo. Não sei se vamos de ônibus ou de automóvel. Tem que arranjar alguém pra ficar de caseiro. Não ... de caseiro. Pois é ... hoje estamos cheios de gente aqui no Banco ... Ainda bem que a semana que vem eu entro em férias. Não, o que é isso, seu Fulano?! Não está atrapalhando coisa nenhuma. Pode ligar a hora que o senhor quiser! Tá. Outro pro senhor. Um beijo na dona Beltrana. Obrigado. Tchau." Doze minutos! Quando ela desligou, outra chamada. "Desculpe, o senhor dá licença... tenho que atender esta outra chamada." "Pois não." "Mas bah, esta moça é campeã no atendimento de chamadas ...", disse um velhote. Mais oito minutos.
Quando eu trabalhava em Banco era proibido aos funcionários atenderem diretamente ao telefone. Havia alguém designado só para isso em seu lugar. E se alguém demorasse mais de quinze minutos atendendo a um cliente, vinha o supervisor saber o que estava acontecendo. Em nossa pequena Agência, éramos apenas três e não tínhamos o direito de ficar perdendo tempo. Mas hoje, em qualquer lugar, o telefone tem prioridade sobre as pessoas. Aqueles que saem de casa, pegam um ônibus, entram na fila e aguardam pacientemente para serem atendidos, correm fatalmente o risco de terem o seu atendimento usurpado ou interrompido por uma chamada telefônica.
Saí daquela agência bancária e fui ao consultório médico. Quando me apresentei à secretária, o telefone chamou. Alguém queria marcar uma consulta. "A senhora tem convênio? Não tem convênio? Ah, é particular... Tem ficha conosco? Me dê o seu nome e telefone. Um minuto." Mas a moça tinha que procurar a ficha que por azar não estava no lugar. Desligou, encontrou a ficha e ligou de novo. Quinze minutos. Antes mesmo de terminar, no outro aparelho mais duas chamadas a estavam esperando. Uma para dar retorno e outra para atender: "Sim, boa tarde, a senhora quer marcar uma consulta? Qual é o convênio? Ah, ta. Me dê o seu nome. (...) Para amanhã às quinze horas. (...) Não, pra hoje não dá. (...) Não senhora, nem particular. (...) A senhora vai desistir? (...) Tudo bem. Boa tarde." Mais quinze minutos. Total de espera para marcar a minha consulta: 30 minutos. Mais uma hora e meia de espera para consultar.
Em seguida me dirijo a uma loja para pagar uma prestação. Já estava quase na hora de fechar. Depois de esperar vinte e cinco minutos na fila para que fossem atendidas nove pessoas que estavam na minha frente, quando chegou a minha vez, o telefone ... Era o gerente. "O senhor não se incomoda de esperar um pouquinho (me disse ela), tenho que contar uma parte do dinheiro e mandar pro gerente ... É que tem horário."
Sentei num banco, peguei uma revista e, pelo barulho no telhado, senti que havia começado a chover. Estava sem guarda-chuva. Lembrei que ainda tinha de passar no mercado e na oficina pra apanhar o carro antes que o mecânico fechasse e fosse embora. Podia telefonar ... Telefonar?! Claro. E fiquei pensando por que não me valia com mais freqüência desse lícito e maravilhoso recurso da modernidade ...

(Luciano Machado)





Autor: Luciano Machado


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