Formação do Brasil Contemporâneo Resenha



PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000.

Do grupo de historiadores conhecidos como "Redescobridores do Brasil", Caio Prado Júnior faz em seu livro Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia, uma análise desse período de trezentos anos em que vivemos sob a batuta dos colonizadores portugueses, que com sua forma extrativista e perdulária de administrar foram formando um povo sem se preocupar em formar uma cultura.
Com seus parágrafos longos e sua forma verticalizada, a obra traça um panorama econômico e social, através da ótica marxista de seu autor, em um texto bem construído e dividido por temas e subtemas que são pormenorizados por importância e por regiões geográficas (Caio Prado Júnior era licenciado em Geografia).
Usando relatos de viajantes estrangeiros que estiveram em nosso país no período ? Saint Hilaire, Von Martius, Luccock e outros ? Prado Júnior vai do "Sentido da Colonização" até as causa que fizeram ruir o sistema colonial, passando por todas as estruturas que movimentaram o Brasil colônia e até mesmo após 07 de setembro de 1822.

O paulista Caio Prado Júnior (1907 ? 1990), foi um militante político marxista, sendo filado ao Partido Comunista Brasileiro ? PCB ? e por sua posição e militância foi preso, perseguido e exilado pela ditadura do Estado novo, nos anos 30 e também pela Ditadura Militar nos anos 60 ? após lançar A Revolução brasileira em 1966, e conceder uma entrevista, em 1967, criticando a luta armada - tendo também cassado o seu título de Livre Docente pela faculdade de Direito da USP.
Geógrafo, formado em direito, é na História que Caio Prado finca toda sua obra literária, iniciada com Evolução Política do Brasil de 1933 e que teve em Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942, um clássico, segundo definiu Florestan Fernandes, e obra de referência para toda uma geração de historiadores, sociólogos e acadêmicos.

Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia é estruturado em três partes "Povoamento", "Vida Material" e "Vida Social" que vem precedidos de um texto chamado "O Sentido da Colonização".
Caio Prado diz que a colonização era apenas mais um item da empresa em que estavam imbuídos os portugueses, mas não é tão rigoroso com a metrópole como é com a colônia, chegando a comparar as colônias de clima tropical com as de clima temperado e colocando as tropicais ? caso do Brasil ? como inferiores.
Na parte dedicada ao "Povoamento", o livro se divide em Povoamento, Povoamento Interior, Correntes de povoamento e Raças. Neste capítulo vemos como foi formada a população do Brasil colônia, onde não se tem precisão sobre a densidade demográfica do Brasil no período e as informações sobre a população só eram colhidas para fins eclesiásticos ou militares.
É traçado um panorama sobre a expansão marítima e o comércio europeu ? principalmente Ibérico ? em fins do século XV e início do XVI onde há um grande movimento de expansão por parte principalmente dos ibéricos.
A região nordeste ? principalmente Pernambuco e Bahia - tem grande importância no povoamento da colônia, que era dividido em núcleos como o núcleo litorâneo, que conferia ao dois estados nordestinos já citados e ao Rio de janeiro um papel de extrema importância na formação da população colonial.
Caio fala sobre o povoamento do interior do Brasil, com sua agricultura de subsistência, lugares como Goiás mato Grosso e minas Gerais, além de São Paulo, onde faz uma ressalva desconsiderando as expedições bandeirantes que não eram povoadoras e sim exploradoras e de sentido nômade.
As três raças, ou culturas como defendia outro historiador - Gilberto Freyre ? são vistas de forma bem díspares por Caio Prado. Dos portugueses vieram os excedentes demográficos do Reino, enfraquecido pelo comércio com o Oriente.


O negro aparece com um ser boçal, uniformizado pela escravidão, um braço sem cultura e sem vontade própria, do qual o colonizador serviu-se de sua força e do forte apelo sexual de suas mulheres e rejeita a tese que a escravidão foi "(...) um molde comum que os identificou." (p. 81).
Ao falar do índio, é dito que "(...) o índio foi o problema mais complexo que a colonização teve de enfrentar". (p. 86). O colonizador objetivava retirá-lo da selva e oferecê- lo uma vida cristã em troca de sua escravidão, situação amenizada pelas missões jesuítas que mereceram um destaque no livro, além da Legislação Pombalina.
A miscigenação e a mestiçagem do povo brasileiro era feita mais branco/negro e negro/branco, no livro não se descreve com a mesma ênfase a relação branco/índio e em escala inferior negro/índio. Há também a escassez de mulheres brancas e também a sua falada "frieza".
Nesta primeira parte do livro somos apresentados a um grande diferencial entre Caio e outros autores que trataram do mesmo tema. Caio analisa mais profundamente as correntes de povoamento, levando em conta suas diferenças regionais e culturais , não generalizando, transformando em uma massa uniforme.
Ao falar sobre "Vida Material", Caio dá uma ênfase à economia colonial, que tem na agricultura seu mais forte expoente, seguida da mineração e em escala menor a pecuária. Predominava a monocultura, trabalhada por escravos, era uma agricultura de coivara, descrita como uma continuação da agricultura indígena, com imenso desmatamento e totalmente extrativista, sem preocupação em trabalhar o solo e sim esgotá-lo e abandoná-lo em prol de outro ainda virgem.
A lavoura determinou toda organização social e econômica através da "(...) disposição das classes e categorias de sua população, o estatuto particular de cada uma e dos indivíduos que as compõem." (p. 142). Havia a agricultura de exportação com forte trabalho escravo e a agricultura de subsistência trabalhada pelo próprio lavrador, modesto e mesquinho.


Os produtos mais cultivados eram o algodão, a cana de açúcar e o tabaco que "(...) constituem os fundamentos da agricultura colonial." (p. 151). Em escala menor era cultivado o cacau, o arroz e o anil, que é descrito como uma esperança frustrada, pois não era competitivo perante o anil indiano.
A mineração - a mais conhecida pelo senso comum, através do ouro das Minas Gerais - é descrita sob a forma de uma indústria mineradora que esgotava os recursos minerais da colônia e enviava quase toda sua produção para fora do país e (...) deixou to poucos vestígios, a não ser a prodigiosa destruição dos recursos naturais que semeou pelos distritos mineradores, e que ainda hoje fere a vista do observador (...)" (p. 173)
A pecuária é analisada sob as particularidades regionais, nos estados do sul era mais avançada, devido ao domínio espanhol na pecuária da região, outro grande centro foi Minas Gerais e havia o contrabando interno de bestas, muito úteis na lavoura e no transporte da produção.
A região amazônica tem seu destaque na cultura extrativista principalmente pela extração madeireira, além da extração do sal e da caça à baleia ? também realizadas em outras regiões e encerra falando de atividades ligadas as artes e a indústria, onde se destacam o artesanato, com sua cerâmica e a indústria incipiente e de pouca expressão.
O comércio é analisado através de sua estrutura fincada na base colonial de produção de gêneros tropicais e matais preciosos para um comércio exterior ? feito essencialmente por via marítima ? e o pequeno comércio interno, onde "o contrabando era mais fácil e proveitoso." (p.237)
As vias de comunicação e transporte são dissecadas em sua particularidades e dificuldades. No transporte terrestre, a precariedade de estradas, onde há o predomínio de matas fechadas, e o transporte fluvial e suas dificuldades diversas, como o grande número de pedras e quedas em nossos rios e as correntes marítimas que dificultavam a navegação de cabotagem.
Das três partes em que está calcada a obra, é essa que merece maior atenção e esmero por parte do autor que traz uma farta e pormenorizada informação sobre a economia colonial.

Ao falar sobre a "Vida Social", é deixado claro que a mola mestra pra o funcionamento da sociedade colonial foi a mão de obra escrava e no início deste capítulo é feito um paralelo entre a escravidão empregada no Brasil Colônia e a escravidão antiga.
Surge assim um corpo estranho que se insinua na estrutura da civilização ocidental, em que já não cabia. E vem contrariar-lhe todos os padrões morais e materiais estabelecidos. Traz uma revolução, mas nada prepara. (...) Nada mais particular, mesquinho e unilateral. (P. 278)
Caio Prado com essa observação atenua um pouco o discurso racista que usa contra o escravo negro, que é citado em toda a sua obra e cita que a religião católica, mesclou-se com rituais e crenças africanas. Mesmo assim mais a frente Caio volta com seu discurso racista dizendo: "A contribuição do escravo preto ou índio para a formação brasileira é além daquela energia motriz quase nula." (p. 280)
A organização social estava centrada na figura da "família patriarcal" ? como também defendeu Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil - as cidades tinham uma hierarquia e organização social herdada dos grandes engenhos. Tudo gravita em torno da sociedade patriarcal, católica e escravocrata.
Caio neste em que usa várias páginas para discorrer sobre a escravidão, cita também ao preconceito do colonizador, que não aceitava seus descendentes realizando "trabalhos mecânicos" que eram destinados a negros ou a libertos, que eram enxergados sob a mesma ótica.
É citada uma pequena massa de profissionais liberais e é descrita a classe dos vadios, que sem ocupação oficial, tendem a enveredar pelo crime e praticar desordem. Habitavam as vilas assim como as prostitutas.
Aqui Caio cunha o conceito de orgânico ? no qual insere a família patriarcal e a total mão de obra escrava. E o inorgânico ? formado por essa população livre que praticava a agricultura de subsistência e pelos "vadios".
Além da família patriarcal uma segunda esfera de poder na colônia era a igreja, com seus laços estreitos na família patriarcal, constitui uma base econômica sólida e centralizada na colônia.

A "Administração Colonial" é definida como desarmônica e caótica onde são mostradas as diversas esferas de poder com o "Governador das Armas" e o "Governador da Justiça" a acumulação de tributos e a importância do "Real Erário" e do dízimo eclesiástico, que foi incorporado aos impostos reais.
È falado também de forma sucinta e concisa das Forças Armadas, e das "milícias não oficiais" mas que acabam sendo "extra-oficiais.". É citado também um sistema eleitoral onde participam os "Homens bons", ao povo é vedada a participação. È também citado a Administração dos Índios, a Intendência do ouro e dos diamantes e a Intendência da Marinha.
Por fim é falado de forma bem reduzida a Vida Social e Política" da colônia onde "Raças e indivíduos mal se unem, não se fundem num todo coeso: justapõe-se antes uns aos outros; constituem-se unidades e grupos incoerentes que apenas coexistem e se tocam." (p. 353). E aí mais uma vez aparece a escravidão onde vale à pena citar uma nota de rodapé:
A escravidão foi uma das poucas coisas com vistos de organização que esta país jamais possuiu... Social e economicamente, a escravidão deu-nos, por longos anos, todo esforço de toda a ordem que então possuímos e findou toda a produção material que ainda temos. (p. 386)
O colonizador português vai o Brasil não como uma sociedade ou uma economia e sim, tão somente como "finanças" à cuidar. O sistema colonial não era "reformável" e começa a surgir assim o seu enfraquecimento, talvez influenciado pelas revoltas interna que pululam o Brasil no século XVIII. Aparece aqui também a figura da Maçonaria, que influencio de forma sutil e indireta as idéias desse início de século
No livro é defendida a tese da Independência, quase que por conveniência, como uma solução para a metrópole, pois a colônia estava virando um "fardo" difícil de carregar e que o século XIX, principalmente após a chegada da família real portuguesa seria desgastante para a metrópole, que assim viu sua colônia independente, mas continuou administrando-a, através de seus imperadores da família Bragança.

Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia, é uma obra para ser lida e relida, devido a grande gama de informações nela contidas e que com sua riqueza de detalhes vem

elucidar e desfazer algumas coisas que ficaram como "senso comum" e enraizadas no inconsciente popular causando visões distorcidas e juízos de valor errôneos sobre as relações colônia/metrópole, principalmente sob seu viés econômico.
Caio Prado coloca-se assim como uma grande referência ? assim como seus contemporâneos Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda - e leitura obrigatória a quem quiser entender mais sobre a formação e a organização que originou o que vivemos hoje.
Com seu olhar materialista Caio nos dá uma excelente fonte de recursos diversos, onde bebemos e outra gerações beberão, pois é uma obra que perpassa as gerações e com seus críticos e admi5radores vai atravessando o tempo.
Autor: Cláudio Rogério Abrita Gonçalves


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