Verde Efêmero



Verde Efêmero [1]

Disposta a colaborar, através de minha tentativa de linguagem engajada, neste espaço que me é aberto, atento para as incertezas que estarei explorando nestas linhas, incertezas porque originárias de observações e percepções de um modo ensaísta de derreter sentidos, ressignificar nomes, ou ainda, apenas ler, conforme iluminam fontes de inspiração, como Roland Barthes e seus estudos semiológicos.

O objetivo desse texto, dessa escritura efêmera, cheia e vazia, desta tentativa de diálogo, quase enganoso, que tento travar com meu corpo através de algumas palavras escolhidas é passear simbolicamente por entre os parques verdes de nossos tempos. O objetivo é de lê-los, senti-los, passando por eles e neles percebermos significações gritantes, significações através desse único e verde significante parque ecológico ou nos pulverizados significantes espalhados pelo chão. Poderia ser as mata ciliares da infância, em Nova Esperança, no Paraná, onde nasci e morei até a juventude, poderia ainda ser o Parque do Ingá que me recebeu durante os anos de graduação em Maringá, a cidade Verde, poderia ser o Jardim Botânico da cidade Curitiba, por onde passei efêmeros momentos verdes, os encantados morros e reservas da Ilha de Santa Catarina, espaço que me acolhe agora, as reservas de nossas serras do Mar, porção efêmera de Mata Atlântida ainda existente, ou ainda o parque mundo Amazônia, seio do Brasil, mito gélido e obscuro de nossa identidade verde ou o muito de tudo isso chega a nossas casas e olhos, através de anúncios de jornais, cenas exuberantes na tv e convites irrecusáveis da indústria do ecoturismo.

Pensando um pouco sobre estes espaços e mundos verdes, pensando nestes espaços de matas verdes de um Brasil infância e com sensação de colonialismo tardio, propomos, através deste texto, dessa teia tênue, conforme fala João Cabral de Melo Neto, teia tênue que se vai tecendo através da proliferação das letras e discursos, uma discussão ao redor daprodução dos sentidos desses espaços, aqui analisados como mitos. O mito do ser verde da contemporaneidade. Desde já antecipamos que desejamos, nesta escritura, somente dialogar com o que a comunidade acadêmica vem produzindo a respeito e lançar palavras escolhidas na tentativa de esvaziar, enchendo nosso desejo de escrever sobre este assunto, que mais que engajamento, é paixão, sedução, é obsessão, enfim. Bifurcaram-se nesta reflexão, algumas premissas dos Estudos Culturais, através de Canclini (1999) e Hall (2001), como também e, principalmente, conceitos propostos por Barthes (1993, 2004), autor propulsor desta escritura durante a realização da disciplina Barthes e a Educação, ministrada pelo Professor Wladimir Garcia, no primeiro semestre de 2005, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.

O que nos vem à cabeça quando pensamos nos parques verdes? Que sentidos atribuímos às cenas exuberantes de um país quase parecido com o Brasil, presente nos livros de geografia ou nos programas de TV às sextas-feiras à noite?

Lemos o que vemos? Lemos o que desejamos ler? Lemos o que nos é mostrado? O que nos é congelado aos nossos olhos? Ou nada Lemos? E ainda: buscamos algum significado ou congelamos nosso olhar no sentir o significante passando? Passando não, congelado, estéril, intocável? O que pensamos, o que sentimos, o que desejamos quando o signo parque verde, parque ecológico, nos é aproximado?

Não são perguntas com respostas fáceis, ao menos pra mim, nos limites desta escritura e nos limites de onde situo meu olhar dinâmico e perene.

Situando-me nestas questões de aparência desconexas ou desnecessárias, quase paradoxais ou que elencam questões muito complexas aos limites deste empreendimento, mas que para mim, do ponto do qual hoje falo, precisam ser trazidas a debate para serem pensadas com pessoas que pensam nas mídias hoje, pensam na produção e recepção de sentidos que se mostram alteradas dia após dia, em nossos cotidianos multidimensionais e em nossos espaços e tempos atomizados. Pessoas que não mais pensam nas mídias cavoucando nelas a chaga da humanidade perdida ou ainda que cavouca nas mídias o começo e o fim do statos quo, ou ainda que sentem as mídias como chuva ácida de palavras, mas que as considera como mediadoras da mensagem, atravessadoras do canal descontínuo, não linear e dinâmico da comunicação.

Por isso, trago este 'pensar junto aqui' com este núcleo de discussão, tentando pensar como estas imagens, palavras, signos significando, enfim, são aproximados de nós, parecem naturais, mas não o são, e mais que isso parecem compor um real muito próximo, um real ligeiro, porque um real suplantado para outro lugar, porque petrificado, como fala Barthes (1993), porque congelado, porque mitologizado.

Aqui, chegamos ao que se constitui o que de principal temos para falar: não que o mito verde estandardizado nas epidermes midiáticas, sociais, culturais e naturalizadas,diferentes de naturais, seja mal ou ruim, precisa ser banido ou destruído. Talvez sim descontruído. Não estamos aqui pretendendo julgar a presença desses mitos, estamos aqui, na perspectiva barthesiano de mito, pensando a significação dos parques ecológicos, reservas de preservação como significação mitológica, ou seja, naturalizada no próprio real.

Quando discute sobre o mito, Barthes (1993) fala que é um modo de significação, uma forma, uma forma que impõe limites históricos, que podem ser entendidos comocondições de funcionamento, que parecem reinvestir nela a sociedade e atenta ainda que "precisa ser estudado apenas na medida em que significa." (p. 134), pois é no próprio movimento de significância, no congelamento do significante, é que mantém-se o mito deformando o real, fazendo-o compreensível e naturalizado: roubando, como diz Barthes (1993), a própria linguagem, evacuando o real através de uma ausência, mas atenção, conforme o próprio autor instrui: "uma ausência sensível" (p. 163)

Quando lemos e sentimos os parques verdes, ecológicos, sentimos e lemos um pouco de nós. Composto molecular de corpos desejosos e sedentos: espaços e tempos únicos e efêmeros. Sentimos a composição híbrida das matas, os poucos pássaros cantadores, a sensação de refúgio e paz ou quem sabe sentimos a romanticidade no ar, daquela que escreviam os românticos: fugere urbem! Ao nos aproximarmos destes parques corações pulsantes, aproximamos também nosso corpo, por isso vibramos, e de alguma maneira, lendo os significantes, sentimos também nosso desejo verde, nosso desejo de ser verde, de atear a bandeira no capitalismo escravizante, desejando a identidade verde, que num plano de sentidos flutuantes talvez num imaginário coletivo verde, faz-nos sentir pertencentes ao verde, mas impotentes através deles ou neles. Sentimos o desejo verde, mas os ventos gélidos de um real intocável, sobrepõem-se ao desejo e lemos, daí, somente o que pode ser lido. Lemos o verde. E sentimos o mesmo quando ateamos fogo em nossa paixão verde, que é paixão identitária, que é paixão nacional, impressa no símbolo de nosso Brasil, que imprime, no próprio verde, sobreposto a ele o performático: ORDEM E PROGRESSO.

Mas sentimos também a escuridão. Sentimos também a mata desabitada do passado que nos amedronta. Sentimos o verde quase negro de um tempo que Brasil não era Brasil e sentimos então que lá, nossas identidades são efêmeras como uma breve férias do real cotidiano e de um cochilo do corpo. Lemos nos parques ecológicos, porções simbólicas de uma causa que virou moda e que está aí, em excesso, enchendo os rios de discurso de letras verdes. Pensamos em significações múltiplas, mas possíveis de uma porção verde, porção intocada de uma natureza espetáculo, que abriga, mas também faz-nos perdidos e deslocados. Uma natureza que ao mesmo tempo que chama, também reclama, ao mesmo tempo que convida, expurga, manda embora, quer manter-se pura, virgem, intocada, não penetrada, não explorada. É o próprio corpo da natureza que nos lança a este lugar inquieto onde não sabemos se lemos o prazer ou se lemos o medo, se desejamos o aqui/agora ou desejamos o deleite eterno. Se penetramos com toda força e gozo ou se nos salvaguardamos para um futuro possível, por mais que distante. Se deixamos falar esse instante verde que grita.

E neste jogo de sedução, de paixão, de interpenetrabilidade de nós na natureza e da natureza em nós, lemos o signo verde e precisamos falar do signo verde, precisamos fazê-los significar. E só o fazemos através de nosso corpo, deveras, verde.

É neste momento que falo de um desejo verde, quando sentimos o verde, o vai e vem do desejo na mata e do sentido inverso, é que podemos sentir o desejo verde nos tomando, nos seduzindo, nos enlaçando em abraço apertado, escandaloso, obsceno, mas radicalmente passageiro.

O sentir o corpo verde, através de nossos corpos em contato com os parques/corpos verdes, faz-nos questionar até que ponto a questão verde realmente nos abraçou. Até que ponto ela nos pegou. Até quando conseguimos manter-nos em seus movimentos, até que ponto conseguimos agüentar neste jogo de ausência e presença de prazer nesta relação com o verde, com a natureza. Até que ponto está em nós ou não. Até que ponto este real verde é real. Até que ponto este misto faz-nos imergir no real simbólico, no real atravessado por tantas virtualidades ou num real naturalizado, travestido de real, num real mitologizado e por isso intocável.

É para pensar em todas essas relações que tentamos criar possibilidades de aproximação entre o corpo que sente e que vive, o nosso corpo que nos leva e nos traz e este grande corpo verde, estes corpos verdes, conglomerados de corpos verdes espalhados, mas circunscritos, delimitados, selecionados ou pré-fabricados para alimentar os desejos de uma pseudosubjetividade verde, que não pensa com o espírito, mas pensa com o corpo, porque nele se expressa, sente, respira, corre pelos parques, misturando-se a eles em pequenos momentos de nossas narrativas diárias, em nossas micro-escolhas pelo verde, nosso efêmero verde, enfim.

Referências

BARTHES. Roland. Mitologias. 9ª edição. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 1993

BARTHES. R.O grau zero da escritura. Novos ensaios Críticos. São Paulo: Cultrix, 1974.

BARTHES, R. O prazer do texto. 4ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2004.

CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos – conflitos multiculturais da globalização. 4ª edição. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 1999.

GARCIA, W. "Éticas contemporâneas e meio ambiente." In: GUIMARÃES, L. B.; inBRUGGER P.; SOUZA S.C.; ARRUDA, V.L.V. (Orgs.). Tecendo subjetividades em educação e meio ambiente. Florianópolis: NUP/CED/UFSC, 2003.

HALL, S. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

[1] O ensaio faz parte da Dissertação de Mestrado: Às margens do discurso verde, defendida em 13/04/2007, na linha de pesquisa Educação e Comunicação - Universidade Federal de Santa Catarina


Autor: Cristiane Guimarães


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