Queimado



É engraçado, até cômico eu dizer que tudo começou assim, pois foi exatamente o oposto que aconteceu, eu tinha acordado de uma ressaca, estava ainda bêbado, e minha mãe ainda de pijama de dormir começou a me xingar, não agüentava aquele bafo de cigarro fedorento em cima de mim, não agüentava mais aquela situação, meu pai ainda drogado por alguma coisa que ele injetará, não sabia mais o que ele colocava naquela seringa velha e enferrujada que provavelmente fazia mais mal do que qualquer droga que ele usava.
Eu estava cansado, bêbado e de saco cheio, passava mil coisas na minha cabeça, lembrava do meu pai gemendo de prazer pela droga que no seu sangue agora o fazia ter orgasmos de alegria, o único jeito há anos que naquela casa o fazia ter orgasmos, olhava ao redor tentando fugir da fumaça de cigarro da minha mãe, mais aquilo embaraçava minha vista e meus pensamentos, não conseguia mais sair daquilo, era como se além da merda da minha vida, tinha que me prender também nas imagens ruins que tinha aquela casa, aquela droga de casa, caindo aos pedaços, uma TV velha, um sofá mofado, um velho mofado sentado naquele sofá, minha mãe ainda falava, e trepidava de raiva na minha frente.
Querendo fugir dali eu não pensava em outra coisa do que sair correndo sem pensar pra onde ir, e só parar quando a fumaça ou o cheiro ruim do meu velho pai, não fosse sentido mais, no meio daquela confusão de pensamentos e fumaça, consegui me concentrar em algo que antes não havia notado, que agora podia contemplar meu plano de fuga, a chave do carro estava ao meio da seringa do meu pai, eu a via meio tremido, ainda bêbado e sem qualquer coordenação motora, eu andei de vagar, como se não quisesse nada, meu pai nem notou, ainda estava numa viajem de orgasmo que minha mãe nunca o proporcionara, eu peguei a chave, minha mãe se ocupava a beber mais um pouco de whisky, e dar mais uma bela pitada no cigarro, ela nem notou, mais viu a porta batendo, eu corri para o carro, entrei, como de se esperar com o medo e o alcool que corria no meu sangue, tive dificuldade de colocar a chave, eu escutei um grito acompanhado com um bafo de whisky,cigarro e desprezo em minha direção, não sabia direito, mais ela não se importara, apenas gritava algo relativo me comparando a merda que o cachorro fazia no quintal todo dia.
Eu dei ré, não na minha vida como todo dia era, depois acelerei e segui em frente, como eu pretendia levar minha a porcalhada vida, eu sai correndo e pisando fundo, parecia que cada centímetro que meu pé afundava eu esquecia e soprava a fumaça do cigarro da minha mãe pra longe, pisei cada vez mais fundo, aquela sensação de medo foi passando, e adrenalina o substituía cada vez mais, estava longe, não que minha mãe se importasse, mais agora estava tão longe que eu me sentia seguro, e a salvo, aos poucos foi passando, perdendo a graça, eu iria pra onde, ia fazer o que com o carro, nem meu celular e roupas tinha levado, não tinha namorada e nem ninguém que fosse querer fugir comigo, o que eu ia fazer oras, não sabia e nem tinha idéia, única coisa que me veio na cabeça foi ter mais adrenalina pra não me fazer voltar para aquela maldita e fedorenta casa que eu vivia, o carro passava de 100km/h , eu ainda habitava num lugar movimentado, parecia que ninguém ligava para mim, nem ao menos os policias que deveriam estar protegendo as pessoas que eu podia ferir naquela velocidade, foi exatamente isso que me veio na cabeça quando eu vi, aquela criancinha atravessando a rua, usava maria chiquinha, e tinha um pirulito enorme em suas mãos, parecia feliz, provavelmente tinha pais legais que a amavam, e fariam que levasse uma vida ótima, mas naquela velocidade, eu partiria a cabeça dela e vários pedaços como também faria com o coração dos pais dela, até alguns metros dela serei sincero não sabia o que fazer, se continuava minha vida deixando o carro ir reto, e não estragar a sensação de adrenalina e prazer que eu estava tendo,talvez batendo e arremessando a garotinha longe a adrenalina voltasse, apesar de estar cada vez menor, ou se eu saia do caminho dela, e provavelmente escolhendo um outro caminho que não fosse bom pra mim, ainda sim percorri mais alguns metros sem saber, com medo do que fazer, mais algo influenciou no meu pensamento,a visão de algo que não estava ali antes, seus pais corriam desesperados, ainda não tinham alcançado a esquina, e a garotinha já estava no meio da rua, não, provavelmente não aparecia nenhum super herói para salva-la, e ninguém impediria aquilo, eu via nos seus rostos de pai e mãe, algo que eu nunca tinha visto nos meus, muitas vezes o rosto da minha mãe nada mais era do que fumaça e um bafo fedorento e ruim, mais foi naquele instante, talvez há pouquíssimos metros que eu decidi de vez o meu caminho, e o caminho da garotinha, ela nem percebera que o destino dela estaria na minha mão.
Provavelmente a menininha só pensava naquele pirulito, ou nos amiguinhos que iria brincar, eu virei o volante com força, com toda a força possível que eu tinha, o carro passou a pouquíssimos centímetros daquela garotinha, talvez chegasse a assustá-la, eu tentei virar pra direção oposta, por alguns segundos tive a sensação de deus, que poderia fazer meus caminhos e meus destinos, mais logo veio à frustração, eu não podia mudar, era eu, ou aquela menina, o carro virou demais, e começou a capotar, primeiro eu tive uma visão do céu, pela janela que antes só se via casas e comércios ao lado, depois olhei pro outro lado e vi o chão que não era bondoso quanto o céu, e fez eu sentir uma pancada forte, estava sem cinto claro, aquilo não era necessário se eu quisesse adrenalina, o carro fez aquilo tantas vezes que deu tempo de pensar na minha vida, pensar o quanto era ruim e miserável.
Minha mãe agora talvez estivesse bêbada de novo, e fumando sem parar, talvez dormindo com o cigarro acesso, eu torcia a vezes para aquilo se tornar um grande incêndio e queimá-la da face da terra, mais nunca acontecia, meu pai talvez estaria em mercúrio essa hora, viajando literalmente, ele pelo menos não estava ali naquela casa vendo a merda toda, pelo menos sua alma estava longe, bem longe, agora ao certo o carro ainda capotará umas 2 vezes, causando o começo do incêndio no carro, logo incêndio, o que eu mais torcia que acontecesse com a minha mãe, talvez fosse castigo de pensar aquilo naquela hora importuna, eu tentei não pensar mais, para não piorar tudo aquilo, na ultima vez que o carro rodava eu fui arremessado para o banco do passageiro, tinha batido a cabeça tantas vezes, que provavelmente o álcool que tinha no meu sangue agora virará uma batida de sangue com álcool, o carro felizmente parará em pé, eu deitado ali, sobre o banco do passageiro e do motorista.
O carro começava a se incendiar, começava aos poucos virar uma bola de fogo, a porta meio aberta me permitiu ver pela ultima vez a criancinha, meio assustada, mais aliviada de não ter sido atingida, os pais dela a abraçavam, e olhava para o carro com raiva, talvez eles não me perdoassem por quase despedaçar a filha deles, talvez fosse compreensível, eu estava de cabeça pra baixo, via eles ao contrario, mais mesmo assim conseguia os enxergar, o carro agora devia estar mais do que a metade pegando fogo, minha perna sentia o calor de deus queimando e me punindo pelas coisas que eu já havia feito na minha vida, achei talvez que fosse meio cruel não me salvarem, os pais delas apenas me olhavam sem querer fazer nada, a menininha agora chorava,pena que as lagrimas dela não fossem suficiente para apagar o fogo que me consumia, ela percebia que aquilo não era alguma coisa boa, que não era algo divertido ou doce igual o pirulito que ela carregava, o carro começava a queimar por completo, eu estava sem força, talvez a usasse toda no volante quando virei, eu salvei a garotinha da merda que ia fazer , infelizmente ninguém me salvou, mais eu também não ligava,não queria, pretendia acabar tudo ali, as pessoas começavam a chegar e olhar , ninguém se quer moveu um dedo, ninguém sabia o que fazer, ou talvez deus quisesse que fosse assim, eu morresse e pronto, me queimou por completo, aos poucos as minhas memórias finalmente começaram apagar, e eu conseguia esquecer a minha casa e a porcaria da minha família, a fumaça que eu tanto odiava do cigarro da minha mãe, agora era solto aos monte do meu corpo, um enorme cigarro de merda de cachorro pegando fogo, eu mal conseguia ver a garotinha agora, que parará de me olhar, meu olho não agüentava mais a dor, eu precisava fecha-lo, e essa foi a ultima vez que o fiz.
Como final o carro explodiu e me fez virar pedaçinhos que agora com certeza não faria nenhuma importância para minha mãe e nem para mais ninguém.
Foi isso que me aconteceu mãe, desculpe se talvez isso te deixe triste, mais tinha que contar para alguém tudo que aconteceu, é esquisito eu aqui de pé, do lado do cara que esta escrevendo tudo que eu to falando, ele consegue me escutar, é diferente, é meio incompreensivo para mim, eu to chorando, nunca chorava, nem quando estava vivo, quanto mais agora, que eu estou, que estou morto, nunca acreditei em macumba,demônio,fantasma, muito menos o que me disseram que eu sou agora, um espírito, é estranho, realmente não sei explicar, sorte a minha esse cara escutar o que eu digo, não sei o nome dele, me disseram que é Chico, ele tem um óculos engraçado, e parece um homem bom, não duvide dele, e muito menos do que ele ta escrevendo, eu sei que é difícil de acreditar mais sou eu mesmo, eu te amo mãe, apesar de toda droga da vida e da família que tivemos, eu amo você e o papai, aquele velho rabugento, espero que vocês pensem em como vivem, e melhorem, não quero que vocês acabem igual eu, sozinho, queimando por dentro, e por fora, literalmente.
Cláudio Ferreira Leal

Autor: Claudio Ferreira Leal


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