Pra quem ainda não vi



Pra quem ainda não vi Bom dia, pra quem ainda não vi. Pra quem não me conhece meu nome ... Você, com certeza, se lembrará de muito mais, mas no momento estou me recordando dessas duas expressões que as pessoas utilizam sem se dar conta do que estão dizendo. Veja como ocorre: É de manhã. As pessoas estão chegando para o trabalho. Formam-se os grupos para fofocar as novidades da noite anterior. Um dos elementos do grupo que se formara inicialmente afasta-se e depois de alguns minutos retorna. Um grupo bem maior está formado. A praxe da educação e as "regras" de convivência mandam cumprimentar. O que acaba de regressar, solta: "Bom dia, pra quem ainda não vi". Outra situação. A pessoa vai se apresentar em um grupo. A maioria desconhecida, mas no mesmo grupo estão alguns antigos amigos, outros conhecidos. A pessoa em questão dirige-se ao grupo apresentando-se. É quase certo que a maioria das pessoas que precisam passar por essa experiência primeiro darão uma gaguejada e em seguida largam a apresentação formal: "Pra quem não me conhece meu nome é..." e dizem seus nomes. É claro que você já deve ter vivenciado várias outras situações. Talvez não com estas palavras, mas com um discurso semelhante e da mesma natureza. Ou talvez situações como estas: O cara está na calçada em frente a sua residência, lavando o carro. Passa um amigo e lá vem: "Dando uma lavadinha no carro!". Na maioria das pequenas ou médias cidades tem um local onde as pessoas se concentram para fazer aquela caminhada da receita médica. E o sujeito está lá, dando sua voltinha. Passa um conhecido. "E aí, fulano, dando uma caminhadinha!". Se fossemos enumerar, as situações se multiplicariam centenas de vezes. Agora presta atenção no que a gente diz: "Bom dia, pra quem ainda não vi". Ao fazermos essa saudação estamos dizendo àqueles a quem já havíamos visto e cumprimentado que não mais são merecedores dos nossos votos e desejos de que tenham um dia bom. É o mesmo que dizer: "O negócio é o seguinte. Pra quem não vi, que o dia seja bom. Para os outros a quem eu já tinha visto, não importa mais, podem até não ter um bom dia, pois o dia deve ser bom para quem ainda não vi". Ou ainda: "Vocês, os ouros a quem eu já cumprimentei, e a quem já disse ?Bom dia?, esse bom dia esta sendo retirado, pois vocês eu já vi. Agora estou transmitindo o meu desejo de bom dia a quem não vi. Depois, quando encontrar outro grupo, retirarei, novamente meu desejo de bom dia e o retransmitirei novamente. Até que o dia se acabe e ninguém usufrua do meu bom dia, pois eu entrego e retiro meu voto de bom dia porque, amanhã, ainda me encontrarei com vocês e ainda quero ter um estoque de votos de bom dia". Bem, não importa muito como seja. O fato é que o "Bom dia, pra quem ainda não vi" implica em dizer que não mais estou desejando que aqueles a quem já vi tenham um bom dia. A outra situação: "Pra quem não me conhece meu nome é...". Esse lapso pode até ser creditado ao nervosismo de quem tem medo de platéia; medo de falar em público. Mesmo assim se trata de uma apresentação pela qual a gente diz que o nosso nome é aquele apenas para quem não nos conhece, pois os que já nos conhecem sabem que nosso nome é outro. Sendo assim, a pessoa que nos ouve pode nos perguntar: "mas então, se para mim você diz que é fulano e para os demais você é outro, quem é você?" Não custa nada os que ouvem nossa apresentação nos perguntarem: "se para quem não te conhece teu nome é esse, isso significa que para os íntimos você tem outro nome, então qual é o teu nome de guerra?" Por essas e outras foi que o humorista criou aquele personagem do "tolerância zero". Afinal porque desejar bom dia apenas para quem ainda não vi? Por que nos apresentarmos apenas para quem não nos conhece, como a dizer que os conhecidos não precisam de nossas novidades? E ainda, é como se estivéssemos jogando água sobre o carro, esfregado sabão e enxaguando, mas não o estivéssemos lavando, como se aquilo estivesse sendo feito por que o carro está com calor. É como se, na pista de caminhada em que estamos movendo nossas pernas pra nos deslocarmos, estivéssemos não caminhando (ou correndo), mas querendo provocar o desgaste da sola do nosso calçado que está muito alto. E esse excesso de altura do calçado estivesse interferindo em nossa altura habitual... São coisas ridículas que falamos, mas das quais não damos risada porque não pensamos no que dizemos. E por não pensarmos no que vamos falar, falamos bobagem. Não que tenhamos que fazermos um exercício filosófico em cada frase que vamos proferir, mas que devemos ter consciência do que dizemos, sob pena de negarmos nossa racionalidade. Afinal que racional é esse que não raciocina quando está em conversação? Mas agora, pra você... Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: ; ; ; ;
Autor: Neri P. Carneiro


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