Práticas de Gestão e Supervisão: Uma viagem reflexiva para dentro da escola



Ângela Okada¹

RESUMO

Este artigo descreve a experiência na área da Gestão e Supervisão em uma escola pública e a importância da prática reflexiva principalmente em um espaço de formação de sujeitos de transformações constantes. A busca de uma escola que além de construir o conhecimento, vise cada vez mais uma educação com qualidade.

Palavras-chave: Prática reflexiva, Escola pública, Educação com qualidade.

Introdução

Começo este artigo, relatando minha experiência em uma escola pública municipal da cidade de São Leopoldo, e a partir disso desenvolver um projeto que tenha sentido para acreditar que a educação com qualidade é possível.
É preciso entender que não podemos ser bons em tudo, mas podemos ser muito bons em uma coisa, e se nos encontramos nesse momento em uma escola, o comprometimento em sermos melhores é na Educação.
Só podemos transformar se queremos transformar, mas para isso é necessário a prática reflexiva.
Pensar no nosso contexto histórico familiar, de onde viemos, como vivemos e como nos profissionalizamos é o primeiro passo de uma prática reflexiva e nos mostra o quanto somos marcados, carimbados no decorrer do tempo que aos poucos vamos construindo, reconstruindo ou transformando nossas vidas e daqueles que estão em nosso entorno. Nesse sentido, Freire, (1996, p.43) escreve que "é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima".
Ou como relata Philippe Perrenoud( 1996):

Quais as lições que daí podem ser tiradas para a formação de professores? Certamente, convém reforçar para uma prática reflexiva, para a inovação e a cooperação. Talvez importe, sobretudo, favorecer uma relação menos temerosa e individualista com a sociedade. Se os professores não chegam a ser intelectuais, no sentido estrito do termo, são ao menos os mediadores e intérpretes ativos das culturas, dos valores e do saber em transformação. Se não se perceberem depositários da tradição ou precursores do futuro, não saberão desempenhar esse papel por si mesmos.

¹ Estudante de Pedagogia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS/2010.

E complementa Maugham (2002):

Pois os homens não são somente eles; são também a região onde nasceram, a fazenda, o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos com que brincaram quando crianças, as lendas que ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que frequentaram, os esportes em que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que acreditaram. Todas essas coisas fizeram deles o que são, e essas coisas ninguém pode conhecê-las somente por ouvir dizer, e sim se as tiver sentido. Só pode conhecê-las quem é parte delas.(Cap.1)

O objetivo do projeto é exercitar a reflexão das práticas pedagógicas, um hábito que vise construir uma escola para o futuro, aprimorando a consciência dos profissionais da escola a cerca do conhecimento e da importância do espaço escolar, integrando questões de ordem reflexiva subsidiando assim o desenvolvimento humano e o bem estar social.
A escola é um laboratório humano, um organismo vivo, seres em construção e sistematicamente desenvolve suas atividades conforme suas necessidades, porém muitas vezes não consegue desempenhar seu papel com sucesso e encontra muitos obstáculos a serem desafiados. Dentre estes, apresento a falta de parceria, participação dos sujeitos da escola e influências externas tais como a violência urbana. Se, queremos uma escola do século XXI, teremos que trabalhar para uma escola do século XXI, nada adianta ser burocrático e hierárquico se não colocar em prática.
As mudanças na qual a sociedade passa, assim como o planeta, leva à uma nova construção de pensamento social, diante das necessidades de manter o planeta vivo, a escola faz parte dessa nova construção.

Escreve BEHRENS( 2006, p.20)

No momento atual, o paradigma da complexidade(MORIN,2000) evidencia a necessidade de profundas transformações sociais, o que implica dizer que todas as instituições, inclusive as educacionais, precisam reestruturar-se tendo em vista as mudanças que vem ocorrendo no mundo, na sociedade, e, consequentemente, na vida de todos os seres que habitam o planeta.

A escola acredita que ainda detém o poder dentro da escola, ora controlando, ora dialogando, assim como o homem acreditava ser o centro do universo , consequentemente observa-se muitas vezes a insatisfação dos sujeitos participativos da escola. Estamos no século XXI e não mais no século XIX, e a escola precisa repensar sobre isso.
BEHRENS(2006, p.21) induz a pensar sobre os paradigmas:

Nesse contexto, as universidades e as escolas em geral precisam ultrapassar o paradigma conservador que caracterizou uma prática baseada na transmissão e na repetição. O novo paradigma da complexidade tem como foco o pensamento complexo da visão da totalidade(MORIN,2000). Esse novo paradigma exige uma formação docente e discente que supere a visão linear e torne-se mais integradora, crítica e participativa.
Agora convido a observar a escola por um outro ângulo, que faça entender a escola não aos olhos de Descartes, mas pelos olhos humanos ligados ao paradigma da complexidade.
A escola acolhe ano após ano inúmeros sujeitos que acompanham o professor(a) a fazer uma viagem pelo menos um ano juntos, mas este sujeito não fica apenas um ano na escola, ela fica no mínimo nove anos no ensino fundamental, então, é necessário pensar em proporcionar uma viagem que valha a pena e que seja inesquecível pelos momentos significativos e construtivos para o conhecimento e crescimento humano. O que não se pode fazer nessa viagem, é controlar o tempo, os conteúdos e perceber a criança apenas como um objeto a ser trabalhado levando-a a pensar como uma máquina de utilidade, transformando-o em uma sociedade cada vez mais individualista e desigual.
Acredito no exercício da reflexão de nossas atitudes, de nossas práticas pedagógicas, trazendo à tona os conflitos pessoais e coletivos que ocorrem na escola.
Desenvolver algo novo dentro da escola é desafiante, exige conhecer, observar e agir em um campo conhecido. É ter uma perspectiva boa e ao mesmo tempo a dúvida, mas o importante é começar, pois você só muda o futuro se mudar o presente.
A ideia foi reunir a equipe diretiva e a supervisão para desenvolver um trabalho que contribuísse para o desenvolvimento pessoal e profissional do professor(a) e o trabalho coletivo na escola, um trabalho dinâmico que levasse à transformação, à reconstrução e este foi o grande desafio. Claro que, a orientação é muito importante para o sucesso do projeto e o encaminhamento do mesmo e dessa forma obtive sucesso com a professora orientadora do curso de gestão e supervisão da universidade.
Precisa-se pensar que, as reuniões pedagógicas acontecem frequentemente em todas as escolas, e visam mais a debater, esclarecer pautas do que realmente refletir e pensar sobre o assunto que envolvem a relação humana.
A realidade na qual vivemos percebemos que é necessário pensarmos de uma outra forma de viver e manter o planeta vivo, demonstrado na mídia como "planeta sustentável". A escola por sua vez, está inserida nesse contexto e precisa ser repensada, pois está alicerçada nos paradigmas que já percorreu e na construção de novos paradigmas. Para isso "a busca de um novo paradigma demanda de uma revisão de mundo, de sociedade e de homem" como escreve BEHRENS(2006, p.12) e que afirmo como prática reflexiva.
A educação do futuro nos traz grandes desafios, e entre eles está os sete saberes indispensáveis para o futuro comentado por BEHRENS(2006, p.15).
O professor tem que saber que ele erra e se ilude, que o conhecimento não é universal, que existe o conhecimento local e parcial, que cada um traz sua história de vida que também devem ser considerados, perceber que o ser humano é um ser íntegro e não dividido em partes, que ele faz parte do universo, que ninguém é dono deste lugar e principalmente saber que enfrentamos as incertezas a todo o momento e que devemos partilhar uma compreensão mútua e acima de tudo recuperando o posicionamento da "ética do gênero humano".



Aspectos importantes da reunião

A reunião envolveu a vice-diretora, duas supervisoras, a professora orientadora do meu projeto e eu. Como previsto, ocorreu no dia e horário certo, obtive a participação desejada e a dinâmica de grupo.
Comparo abrir uma reunião como uma cena de um espetáculo, aquela apreensão, ansiedade e saber que o objetivo precisa ser alcançado. Para que isso aconteça é necessário gostar daquilo que faz, estar cada vez mais apaixonada pela vida e pela profissão, querer o melhor para todos e ser capaz de iniciar a transformação. E nessas horas você não precisa de sorte, você precisa estar bem preparada para estes desafios.
Primeiramente iniciar uma reunião exige um objetivo, um motivo para estarem ali reunidos(as), senão, não tem sentido. Um texto motivador e reflexivo também é importante, não aqueles que costumamos ler todos os dias nas páginas de periódicos, revistas ou livro de autoajuda, mas um que resgate a essência de cada ser humano e do ser profissional, e isso aconteceu.
Até chegar a reunião, percorri um longo caminho, encontrar algo que busque a prática reflexiva dentro da escola. Não é fácil, pelo contrário, exigiu muita atenção em como trabalhar isso, já que os agentes são seres humanos e não objetos. Correr riscos, aceitar desafios faz parte da profissão docente.
Surpreendentemente a atenção e participação, assim como a vontade dos participantes foi essencial para o sucesso da reunião.

O texto

O texto " De fevereiro a novembro: a vida nas salas de aula" de BAZARRA(2006, p.81) demonstrado em PowerPoint traz uma parte interessante que desperta a leitura a todos(as) que estão presente na escola. Cito uma parte apenas como forma a refletir sobre o assunto que escreve que "Para muito de nós, é a relação com os alunos, o interesse por uma matéria ou por habilidades ou aprendizagens, que nos permitem continuar mantendo o sonho de cada fevereiro,..." e que "nenhuma didática, na hora de relacionar aluno-professor-realidade, deve se reduzir a uma simples aprendizagem de técnicas, mas ser um espaço de reflexão."
Esse foi o meu objetivo, reforçar o exercício da reflexão.
O grupo encontrou no texto aspectos importantes para a profissão docente.


A dinâmica






Em grupo e com a participação da vice-diretora e supervisoras encaminhei a dinâmica conforme orientação da professora orientadora do projeto.
O início, não entenderam o porque eu tinha pedras e flores( artificiais), e logo pedi que pegassem uma pedra e colocassem nela os medos que acompanhavam cada uma e assim foi acontecendo a dinâmica, terminado a colocação das pedras no chão, pedi que olhassem fixamente para aquele caminho, então pedi que pegassem as flores e fossem colocando ao lado das pedras dizendo sobre as esperanças em relação aos medos. E, assim, aos poucos , foi-se construindo um belo caminho. No final, sem precisar dizer uma palavra, foram entendendo o objetivo da dinâmica.
E a resposta foi a seguinte:
-Existe o medo e a esperança de um mundo melhor, depende da maneira como agimos no decorrer da vida. Na vida existem pedras e flores, e precisamos transformar caminhos de pedras em caminhos com flores. Precisamos criar possibilidades através de momentos reflexivos.


Concluo o projeto como um momento significativo de aprendizagem, tanto para mim, quanto para o grupo na escola. E concordo com Bazarra(2006, p.94) ao escrever que " O modo como ensinamos é uma expressão de como somos, de como vemos a realidade, e como nos relacionamos com ela".

E complementa

É obvio que somos o resultado de uma história pessoal, cultural, de um determinado ambiente social e escolar no qual nos movemos, da formação que recebemos como pessoas e como profissionais da educação e de uma experiência vital. Tudo isso constroi nosso eu e é preciso torná-lo consciente se quisermos nos aprofundar na análise e na valorização de nosso comportamento em sala de aula. (p.94)


Compreender o mundo e os sujeitos que nele vivem através do exercício da reflexão é o caminho para um mundo melhor. Todos os anos alunos e professores se encontram na escola para uma viagem que busque mais que um aprendizado técnico, mas que busque a construção de seres humanos aptos a viverem o paradigma da complexidade, o paradigma da teia da vida. Resgatar o todo é o desafio desse século e guiar nossos(as) alunos(as) é a proposta, mas primeiramente refletir sobre nossas atitudes e comportamentos com relação ao outro. Entender que não existe fórmulas mágicas, receitas prontas para serem aplicadas na escola, pois cada uma traz em si suas marcas e sua diversidade cultural. Exigir sim, que políticas públicas sejam mais eficazes e que ainda temos que trabalhar muito para uma educação com qualidade do século XXI.
Fico contente quando falho ou acerto, pois paro, reflito e me alegro porque tenho tempo para (re) aprender com meus erros e acertos, e posso ser feliz. Infeliz do ser humano, que acha que vive, que age como máquina, que passa por cima dos erros e deixa de ser feliz. A prática reflexiva é o momento de resgatar o "eu" e o "nosso" que existe na escola, no planeta e na vida.

REFERENCIAL TEÓRICO


BAZARRA, Lourdes. Ser professores e dirigir professores em tempos de mudança/ Lourdes Bazarra, Olga Casanova, Jerônimo Garcia Ugarte. São Paulo: Paulinas, 2006.
BEHRENS, Marilda Aparecida. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos ddáticos e portfólios. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 20ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MAUGHAM, WILLIAM SOMERSET. O fio da navalha. Editora Globo, 1ª edição.2002 ? 418 páginas.
PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contexto sociais em mudança: Prática reflexiva e participação Crítica. Revista Brasileira de Educação, set-dez de 1999, nº 12, p. 5-21.
Autor: Ângela H. Okada


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