O VOO DO FALCÃO



Helena estava ajudando a empregada a fazer o jantar, quando começou a sentir uma forte dor de cabeça. Sentindo-se tonta, sentou-se numa cadeira e pediu para Jurema preparar-lhe um analgésico. Laura entrou na cozinha e notou a mãe, pálida, apoiada na mesa com a mão na cabeça.

- Mãe! O que foi? Sente-se mal?

- Não é nada, apenas um pouco de dor de cabeça. Já tomei um analgésico.

A moça sentou-se ao lado da mãe, segurando-lhe a mão.

- Tenho notado que a senhora não anda bem. Vou marcar uma consulta com o médico...

- Não precisa, não é nada.

- Precisa, sim. Disse Jurema, lidando com as panelas no fogão. - Essa dor de cabeça vai e volta, pode ser coisa séria!

- Está bem, mas não hoje. Hoje nós vamos conhecer o meu futuro genro.

- A senhora vai gostar dele. Disse Laura, animada. - Álvaro é simples, trabalhador, honesto...

- A diferença de idade entre vocês dois é que me preocupa um pouco. Revelou Helena. - Teu tio também acha que ele é um pouco velho para você, mas Walter não quer se meter no romance de vocês por que, acha que você é adulta o suficiente para saber o que está fazendo.

- Já me decidi mamãe.

- Você deve ouvir a opinião e os conselhos de teu tio, por uma questão de respeito. Você está com 22 anos e Álvaro tem 39. Ele já é maduro e você ainda tem idéias de adolescente. Por um lado pode ser vantajoso, Álvaro tem mais experiência de vida, por outro lado, poderão surgir conflitos de gosto, hábitos e costumes na união de vocês.

- Ora mãe! Álvaro não é tão velho assim e os nossos gostos se combinam.

- Está bem. Não vamos discutir. Preciso me arrumar para o jantar. Helena ergueu-se, perguntando: - E a família dele, você já os conhece?

- Os pais já morreram. Ele só tem uma irmã, o nome dela é Samanta e ela está nos dando à maior força.



Helena estava conversando com o irmão e a cunhada, na sala, quando Laura chegou com o namorado. Ao vê-lo, Helena sentiu antipatia pelo rapaz.

- Então, você é o famoso Álvaro! Exclamou Walter em tom de brincadeira. - Seja bem vindo!

- Obrigado. Respondeu o homem a sorrir.

Foram feitas as apresentações e a conversa se iniciou com assuntos corriqueiros.

Durante o jantar, Walter fez algumas perguntas num tom neutro, como se tivesse pouco interesse.

- Como é mesmo o nome da empresa que você trabalha? Perguntou ele. Helena admirava o irmão por ser prudente, corajoso, por possuir outras qualidades que a deixavam tranqüila. Walter tinha muita responsabilidade com os negócios e com a família.

- Vanguarda. Respondeu Álvaro.

- Ha quanto tempo trabalha lá?

- Quatro anos. Foi muito difícil conseguir o emprego. A Vanguarda é muito exigente na seleção de funcionários. Desenvolvemos projetos de alta tecnologia.

- O que você fazia antes de trabalhar na Vanguarda?

- Trabalhei oito anos numa empresa fabricante de componentes eletrônicos. Infelizmente a firma teve que fechar por causa de problemas financeiros.

Helena não ficou nem um pouco impressionada com as palavras de Álvaro. Ele falava num tom inseguro. Como sempre, Walter estava admirável.

- Quais são os teus planos para o futuro?

O homem fez uma pausa e olhou para Laura. A moça estava orgulhosa, feliz com o namorado. Helena desejava que a energia negativa que envolvia o rapaz fosse fruto de sua imaginação.

- Bem, pretendo subir novos postos na empresa. Sou qualificado e não me vai ser difícil conquistar um cargo mais elevado. Atualmente sou gerente do setor de vendas.

- Os teus pais são vivos? Perguntou Vera, esposa de Walter.

- Não, morreram há dez anos. Tenho apenas uma irmã.

A conversa tomou outros rumos. O jantar acabou e todos foram para a sala de estar.



Helena já estava deitada lendo um livro quando Laura entrou no quarto e sentou-se na beira da cama.

- Como se sente? Perguntou.

- Estou bem.

- E as dores de cabeça, cessaram?

- Sim.

Helena largou o livro e recostou-se.

- A senhora não gostou de Álvaro, não é?

Helena não queria magoar a filha.

- Não posso evitar. Tenho um pressentimento de que esse homem tem más intenções.

- Más intenções? Por quê? O que ele poderia fazer? Seqüestrar-me? Ora, mamãe! A senhora está imaginando coisas! Álvaro é honesto, uma pessoa bondosa e sincera! Se a senhora conversasse mais tempo com ele, deixaria de imaginar coisas!...

- Talvez eu esteja enganada. Não vou atrapalhar a tua vida, não se preocupe.

- Sei disso. Mas, Álvaro já comentou que você deu pouca atenção a ele.

Helena procurou tranqüilizar a filha.

- Me dê um tempo para me acostumar com ele, e com a idéia de que um dia você vai se casar.

- Sim, eu vou me casar, mas não quero deixá-la morando sozinha. Álvaro quer ter a casa dele, e ele não se opõe que a senhora vá morar conosco. Podemos também vir morar

aqui se quiser. O que prefere?

- Prefiro falar nisso em outra ocasião.

- Temos que decidir isso agora, mamãe. Nós temos que comprar um apartamento, não pode deixar para depois!

- Está bem. Eu prefiro morar sozinha, assim não incomodo ninguém. Jurema vai continuar a me fazer companhia, ela vai cuidar de mim.

- Más eu, eu também vou continuar a cuidar da senhora! Não se preocupe!...



Por causa das dores de cabeça, Helena resolveu consultar um neurologista. Na terça feira da semana seguinte, telefonou para uma clínica, marcando uma consulta. Quando desligou o telefone, a campainha tocou.

- Alô?

-: Meu nome é Samanta, sou irmã de Álvaro. Eu preciso falar com Laura.

- Laura ainda não chegou. Sou a mãe dela. Quer deixar recado?

-: Eu preciso falar com sua filha pessoalmente

- É sobre Álvaro?

-: Sim, más... eu...

- Samanta, me diga uma coisa, teu irmão está com más intenções, ele tem um plano para nos prejudicar. Não é verdade?

-: Sim. Como à senhora sabe?

- Não importa. Eu vou falar com você. Onde podemos nos encontrar?

-: No meu apartamento. Não posso sair agora, não estou me sentindo bem. Tenho uma fita cassete que preciso entregar para Laura.

- Já vou para aí. Qual é o endereço?

O prédio era antigo, uma construção simples, de cinco andares. Não havia porteiro e o elevador estava em manutenção. Helena subiu pela escada até o segundo andar e bateu na porta do apartamento de Samanta. Esperou alguns instantes e quando ia tornar a bater, a porta abriu-se lentamente e surgiu uma moça de rosto pálido, com uma expressão de dor.

Ela gemeu, levando a mão à cabeça. Helena entrou rápida e ajudou-a a deitar-se num sofá.

- Samanta? O que aconteceu?

Antes de ficar inconsciente, Samanta ergueu a mão, apontou para uma cômoda, onde estava um pacote e sussurrou:

-Coloquei ... no...abajur...

A mão caiu e a moça ficou imóvel. Helena pensou em telefonar para um hospital, quando ouviu um barulho no aposento ao lado. Álvaro surgiu de repente.

- As batidas na porta, julguei que estava enganado. O que a senhora está fazendo aqui?

Helena ficou indecisa, sem saber o que dizer o que fazer. O homem olhou para a moça no sofá e voltou a encarar Helena.

- Samanta disse alguma coisa sobre mim? Perguntou ele, aproximando-se. Pressentindo o perigo, Helena não respondeu, deu meia volta e saiu apressada. Álvaro gritou:

- Espere, quero conversar com a senhora!...

Helena desceu as escadas o mais rápido que podia. Os passos de Álvaro soaram atrás dela.

Sem olhar para trás, ela entrou no carro, ligou o motor e partiu. Estava assustada, com medo. Não sabia o que tinha acontecido com Samanta, mas suspeitava que Álvaro tivesse procurado impedir que a irmã falasse com Laura. Decidiu ir a policia, dizer o que tinha acontecido alguém mandaria uma ambulância para socorrer a moça. Minutos depois, Helena foi obrigada a parar num cruzamento. Esperando o sinal verde acender, ela olhou pelo espelho retrovisor e viu Álvaro num gol branco, atrás do seu carro. Ele fez um gesto com a mão para que ela parasse mais adiante. Mas, logo que o sinal abriu Helena pisou no acelerador. O carro avançou e de repente houve um impacto, e a escuridão...



Quando Helena abriu os olhos descobriu que estava deitada numa cama, num quarto pintado de branco, num lugar desconhecido. Perto da janela havia um armário branco, uma poltrona, e uma cadeira ao lado do leito. Ela teve que fazer um grande esforço para conseguir mover a cabeça e olhar o lado oposto do aposento. Do lado direito havia um tubo de plástico pendurado numa haste, com uma mangueirinha que estava com a outra ponta fincada em seu braço. Alguém entrou no quarto e Helena moveu a cabeça para ver quem era. Não reconheceu a jovem vestida de branco, que voltou a sair, apressada. A moça voltou logo em seguida acompanhada de um homem. O estranho inclinou-se sobre Helena, examinando-lhe os olhos com uma lanterninha.

- Dona Helena, como se sente? Perguntou ele em voz baixa. - Sou o doutor Castro e aquela é a enfermeira Selma. A senhora sofreu um acidente e está num hospital.

Um acidente! Ela não se lembrava do acidente, não conseguia se lembrar o que havia acontecido.

- A senhora ficou três semanas em coma. Está me ouvindo? Está entendendo?

O acidente de carro! Três semanas em coma! Helena começou a se lembrar aos poucos, lentamente as recordações começaram a preencher o vazio de sua mente.

- Posso avisar a família e dizer que ela acordou doutor? Perguntou a enfermeira.

- Não, ainda não. Vamos avaliar as condições dela primeiro.

Castro inclinou-se novamente.

- A senhora está entendendo o que estou dizendo? Consegue dizer alguma coisa?

Helena tentou falar, mas não conseguiu. Não conseguia falar, tampouco mover-se.

Começou a ficar angustiada. "Estou ouvindo, quero falar, sair desta cama, mas não consigo!".

- Parece que ela está chorando, doutor! Seus olhos estão cheios d?água!

O médico segurou uma das mãos de Helena.

- Não consegue falar? Aperte minha mão para dizer, sim.

"Estou tentando, mas não consigo!".

- Tenha calma. Vamos fazer o seguinte; feche os olhos uma vez para dizer sim, duas vezes para dizer não. Está sentindo o que estou fazendo em seu braço?

Helena piscou os olhos duas vezes.

- Muito bem. Fique calma. Vou mandar fazer um exame completo na senhora. Nós vamos encontrar o problema e resolver isso, não se preocupe. A senhora não teve nenhuma fratura, apenas ferimentos leves. Não corre perigo de vida. Fique calma que tudo vai dar certo.



Depois dos exames Helena foi levada de volta ao quarto. Naquele mesmo dia recebeu a visita de Laura.

- Mãe, os médicos disseram que a senhora não sofreu nenhuma lesão grave. Eles não têm certeza sobre a causa que a impede de falar e andar, más o doutor Castro acredita que com o passar dos dias possa melhorar. Ele me disse que você consegue se comunicar com os olhos, fechando uma vez quer dizer sim, duas quer dizer não. A senhora consegue?

"Sim". Laura sorriu, aliviada. Pelo menos podia se comunicar com a mãe através daquele processo e podia constatar que ela estava consciente e raciocinando perfeitamente.

- Ótimo! Exclamou Laura e ergueu-se. - Eu vou ter que sair agora. O tio Walter e a Vera também querem entrar para ver a senhora. O Álvaro não pode vir. Ele também ficou muito preocupado com o seu estado. Aliás, ele está muito triste com o falecimento da irmã dele. Não quero deixar à senhora preocupada com isso. Até logo!

Laura deu-lhe um beijo e saiu. "Então, Samanta morreu! Será que Álvaro a matou?".

Para impedir que ela falasse com Laura?"".

A filha deu-lhe um beijo e saiu do quarto. Walter entrou logo em seguida e beijou-lhe a testa. Sentou-se ao lado da cama, com uma expressão preocupada.

- Minha irmã, fiquei com receio de que você não recobrasse mais a consciência. Passamos dias horríveis!

Walter fez uma pausa, observando os olhos de Helena.

- Tenho certeza de que você vai ficar boa. Laura me disse que você consegue se comunicar piscando os olhos. É verdade?

"Sim. Walter, eu devia ter conversado com você. Cuidado com Álvaro!".

- Você me parece angustiada, querendo dizer alguma coisa! Calma! Eu vou perguntando e você responde, sim, ou, não. Combinado?

"Sim".

- É sobre a empresa?

"Não".

- Alguma coisa relacionada com a sua saúde?

"Não".

- Com a sua casa?

"Não".

- Com Laura?

"Sim".

- Laura está bem. Ela ficou muito abalada, mas agora está um pouco melhor. Nós temos esperança de que você melhore.

"Não".

- Não? Não é sobre Laura, mas algo relacionado a ela? O relacionamento com Álvaro?

"Sim".

- Não se preocupe! Álvaro é um rapaz correto, honesto.

"Não"!

-Não? Laura me disse que, você acha que a diferença de idade irá prejudicar o casamento deles. Não se preocupe com isso...

"Walter! Você não sabe o que aconteceu com Samanta? Álvaro a matou".

- Por enquanto eles estão namorando. Vamos dar um tempo para ver se o relacionamento deles vai dar certo. Mas eu acho que se Laura gostar dele mesmo, ela vai ignorar a nossa opinião, os nossos conselhos.

"Ele estava lá e podia ter socorrido a irmã e, no entanto, me perseguiu, talvez para...".

- Eu vou sair, porque a Vera também quer te ver. Amanhã eu volto. Walter deu um beijo na irmã e saiu.

Dois dias depois, Helena recebeu alta do hospital e foi levada para casa. Laura tirou alguns dias de folga para poder cuidar dela. Com o passar dos dias, Helena começou a se alimentar apenas com sopas, alimentos pastosos e líquidos. Comer tornou-se algo difícil, era necessária paciência, tanto para ela quanto para Laura. A filha passava quase o tempo todo cuidando da mãe. Mas, ela precisava cuidar da sua própria vida. Uma semana depois, disse

para Helena:

- Contratei uma pessoa para cuidar da senhora. O nome dela é Jane, tem ótima referencias, é fisioterapeuta e vai ajudar a senhora a se movimentar um pouco. Vai passar o dia todo aqui e só vai embora quando eu chegar. A Jurema também vai ajudar. Certo?

"Sim".

- Eu vou continuar dormindo aqui, não se preocupe.

Jurema surgiu na porta avisando que Álvaro havia chegado.

- Mande-o subir para ver mamãe. Pediu Laura. Quando a empregada se retirou, ela disse para a mãe:

- Álvaro chegou ontem de viagem. Ele estava em São Paulo, fazendo um curso...

"Não quero vê-lo!".

Álvaro entrou, deu um beijo em Laura e se aproximou do leito.

- Dona Helena, a gente não teve tempo de se conhecer direito, mas agora eu venho visitá-la com freqüência.

- Com certeza ela logo estará andando. Disse Laura.

- Ela ainda não está falando?

- Não. Mas, ouve e entende tudo que a gente diz.

- Os médicos não descobriram a causa desta paralisia?

- Não. O doutor Castro acha que é devido a algum trauma psicológico. Ele recomendou um tratamento com remédios durante trinta dias, e massagens. Depois fará novos exames.

Álvaro tornou a olhar para Helena e depois se voltou para Laura.

- Gostou do presente de aniversario?

- Sim, e por falar nisso, mamãe ainda não o viu. Vou ao meu quarto buscá-lo. Laura saiu e Álvaro aproximou-se de Helena. Inclinando-se, sussurrou:

- Sei que você não gosta de mim e eu também não gosto de você. Foi uma sorte aquele acidente. Fico satisfeito vendo-a assim, sem poder se mover, sem poder falar. O que você pode fazer agora?

Álvaro riu e se afastou. Em nenhum momento, Helena conseguiu encará-lo. Sentia medo e nojo daquele homem. Laura voltou, trazendo um abajur, um falcão de asas abertas, pousado sobre uma pedra. No dorso havia uma cúpula de vidro com uma lâmpada. A base era arredondada, provavelmente oca para evitar excesso de peso.

- Veja mamãe! Não é lindo? Vou deixá-lo aqui para que eu possa cuidar da senhora à noite.

Laura colocou o objeto sobre o balcão. Helena ficou olhando para ele e começou a se lembrar das palavras de Samanta. "Coloquei a fita no abajur". Samanta sabia que o irmão havia comprado o abajur para dar de presente a Laura. Não havia melhor lugar para esconder a fita.

- Preciso ir. Disse Álvaro. Ele se aproximou da cama e disse: - Até logo, dona Helena.

O casal saiu e Helena ficou com seus pensamentos e suas angustias. Como avisar Laura? Como dizer que naquele abajur, havia uma fita que revelava o verdadeiro caráter de Álvaro?



Jane era uma jovem simpática. Atenciosa, começou a cuidar de Helena com dedicação. Lia um livro para ela, ou ligava a televisão para que Helena pudesse se distrair assistindo algum programa. Diariamente mudava a enferma de posição e fazia-lhe massagens. Com o passar dos dias, Helena começou a perder as esperanças. Distraindo-se com a televisão, ou com a leitura que Jane fazia, ela não se preocupou mais com o seu estado físico. Aos poucos mergulhava num poço de esquecimento, de apatia e desinteresse. À noite, Laura dormia no quarto e freqüentemente conversava com ela, contando os acontecimentos do dia. Helena fitava o abajur onde deveria estar uma fita e não conseguia dizer nada. O que poderia haver naquela fita? Quais eram as intenções de Álvaro?

Certo dia, Walter chegou para visitá-la.

- Como ela está? Perguntou ele para Jane, que ajeitava os travesseiros para que Helena ficasse recostada.

- Um pouco melhor. O senhor me ajuda?

Os dois ergueram Helena e Jane puxou os travesseiros para as costas dela. Walter voltou a sentar-se e a enfermeira permaneceu de pé. Walter segurou a mão da irmã.

- Os negócios da empresa vão indo bem, se você quer saber. Mas, eu não vim aqui para lhe contar isso. Eu estava pensando em levar você a um especialista, na Alemanha. O que você acha? Concorda com a idéia?

"Sim".

- Ótimo! Vou providenciar tudo para a viajem. Conversei com Laura e ela também concordou. Talvez daqui a uma semana a gente parte.

Walter conversou outros assuntos, relembrando a mocidade que eles passaram na fazenda.

Helena distraiu-se ouvindo o irmão falar. Ao anoitecer, Walter foi embora. Jane fechou as janelas do quarto e acendeu as luzes. Naquele instante surgiu Álvaro. Ele entrou e fechou a porta.

- Boa noite, dona Helena! Disse ele, olhando para Helena. Depois se virou e abraçou Jane.

- Me larga! Você está louco? Disse a enfermeira num sussurro.

- Não tem perigo, Laura está no banho.

Jane repeliu-o e se afastou.

- Pode entrar alguém.

- Alguma novidade? Perguntou Álvaro, observando o olhar apavorado de Helena.

- Eles vão levá-la a um especialista, na Alemanha. Dentro de uma semana.

- Isso é mau. Mas, eu já pensei num meio de me livrar dela. Eles vão pensar que foi morte natural.

- Álvaro! Ela entende tudo que a gente fala!

- Não tem problema. Ela não consegue dizer nada.

- O que você vai fazer?

- Você não precisa saber. Quando me casar com Laura, tomarei conta de tudo que é deles. Você vai ver...

A porta do quarto abriu-se e Jurema entrou com um prato de sopa.

- É hora do jantar. Anunciou ela.

- Vou esperar Laura lá embaixo. Disse Álvaro e retirou-se. Helena estava apavorada e não conseguiu comer. Lágrimas corriam por suas faces.

Naquela noite Helena sofreu mais do que os outros dias. Laura ficou ainda algum tempo ao lado dela, como fazia todas as noites, antes de dormir. Não percebia que aqueles olhos queriam dizer alguma coisa. Laura assistiu a um filme, apenas para fazer companhia à mãe. Depois desligou o televisor, ajeitou Helena para dormir, deixou a lâmpada do abajur acesa e foi deitar-se.



Helena viu-se correndo por uma campina extensa. Corria e cantava, feliz com a vida. Os pés quase não tocavam o solo e ela transpunha os obstáculos com facilidade, como se voasse sobre eles. Deparando-se com uma montanha, continuou a correr pela encosta, até o cume. De repente surgiu um abismo na suas frente, um profundo desfiladeiro, cheio de sombras. Ela não conseguiu parar a tempo e caiu. Houve uma longa queda e depois o choque contra o solo. Sentiu o impacto nas costas, mas nenhuma dor. Ficou deitada no fundo do desfiladeiro, olhando para o sol, no céu azul, sem nuvens. Tentou se erguer, mas não conseguiu, parecia grudada ao chão. Começou a ficar com medo, pensando que nunca mais poderia sair dali. De repente surgiu uma ave lá no alto, uma grande ave com longas asas, diante do esplendor do sol. Ela desceu suavemente, pegou-a com suas garras e levou-a de volta para o campo.



Helena acordou e percebeu que ainda era noite. Sentiu algo estranho. Virou o rosto e viu Laura , deitada em seu leito, dormindo. O relógio ao lado do abajur marcava uma hora e cinqüenta minutos da manhã. Ela olhou para o abajur e então, descobriu que estava sentindo a cama sob o corpo, a suavidade do lençol na ponta dos dedos. Sentiu dores nas costas e nas pernas. Lentamente procurou erguer a mão direita, levando-a até o peito. Foi como mover uma engrenagem velha e enferrujada. Pousou a mão no peito e depois tentou erguer os joelhos. Pensou que estava sonhando, mas não, aquilo era real. Ela tinha recuperado o tato e os movimentos. Virou-se para o lado e levou as pernas para fora da cama, enquanto erguia o tronco. Sentou-se, sorrindo para si mesma. Olhou para Laura e pensou em chamá-la, mas mudou de idéia. Não devia revelar que estava se recuperando.

Precisava antes, desmascarar Álvaro e Jane. Voltou a deitar-se e sem fazer ruído, procurou movimentar os braços e as pernas.



Helena despertou quando Laura beijou-lhe o rosto.

- Vou trabalhar, mamãe. Jane não deve demorar. Vou mandar Jurema preparar a sua vitamina.

Laura saiu fechando a porta do quarto. Helena recostou-se , pegou o telefone e discou um numero.

-: Alô? Disse a voz do outro lado da linha.

- Walter? A voz saiu rouca, áspera.

-: Sim, quem é?

- Sou eu, Helena.

-: Helena? Minha irmã? Mas, que brincadeira...

- Ouça, não me interrompa. Recuperei-me esta noite. Preste atenção, nossa família corre perigo. Preciso conversar com você, mas ninguém deve saber que me recuperei, entendeu?

-: Sim, mas... vou já para aí.

- Lembre-se, estarei fingindo que não melhorei.

-: Entendi.

Helena desligou e acomodou-se no leito. Jane chegou logo depois. Como de costume, não falou nada, desligou a lâmpada do abajur, abriu as janelas e depois foi trocar a fralda de Helena. Jurema chegou com o desjejum e começou a dar o alimento para ela. Helena estava acabando de comer, quando Walter chegou. Pegou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama.

- Ela está comendo bem?

- Sim. Parece-me um pouco mais corada! Respondeu Jurema. A empregada acabou de dar a comida e retirou-se. Walter olhou para Helena, e ela volveu os olhos para a enfermeira, que estava distraída, e voltou a encarar o irmão, franzindo a testa. Walter sacudiu a cabeça.

- Jane, você pode tirar o dia de folga hoje. Eu vou ficar com Helena e você retorna amanhã.

Walter acompanhou a enfermeira até a saída e retornou ao quarto. Helena lhe sorriu, movimentando os braços.

- Você se recuperou mesmo! Consegue falar? Andar?

- Sim, aos poucos estou me recuperando. Ajude-me.

Walter ajudou-a a sair da cama. Apoiada no irmão, ela caminhou lentamente até a cômoda, pegou o abajur examinando-lhe a base.

- O que foi? Perguntou Walter, estranhando a atitude dela. Helena contou-lhe o que havia acontecido no apartamento de Samanta. Walter escutou com atenção e depois tirou a base do abajur. Dentro estava uma fita cassete, enrolada num pedaço de pano.

- Vou buscar um gravador. Disse Walter. Ele ajudou Helena deitar-se e saiu, retornando em seguida com um gravador. Colocou a fita no box e apertou o play. Uma voz de mulher soou: "Álvaro, eu vi você com aquela mulher novamente. Porque está enganando Laura?".

"Não se meta nos meus assuntos".

?Vai se casar com ela só porque ela é rica?

É claro! Não quero passar o resto da vida ganhando uma miséria de salário. Escute, se você estragar meus planos não sei do que sou capas!...

?Vai me bater? Matar-me?"".

"Isso mesmo! E vou acabar com aquela família!".

"Você está louco!".

?Não se meta! Droga!"".

A seguir, ouviu-se uma porta batendo e a gravação terminou.

- Você estava certa! Disse Walter para Helena.- Álvaro está enganando Laura, a nós todos!

- Precisamos dar esta fita para Laura ouvir, e depois dá-la para a polícia, tenho quase certeza de que Álvaro envenenou Samanta. E tem outra coisa, a mulher de quem Samanta fala é Jane.

- Jane? Tem certeza?

- Sim. Eles se beijaram aqui, na minha frente.

- Então, os documentos dela e as referencias, são falsas! Precisamos armar um plano para desmascará-los. Vou agora mesmo conversar com um promotor de justiça, amigo meu.



Helena queria dizer para Laura que já estava melhor, mas precisava ficar calada e imóvel, para que o plano de Walter desse certo. Ao entardecer do dia seguinte, Laura e Álvaro entraram no quarto. Laura aproximou-se da mãe e deu-lhe um beijo.

- Ela passou bem o dia?

- Sim, senhora. Respondeu Jane, sentada ao lado do leito com um livro nas mãos. Álvaro sentou-se numa poltrona, no outro extremo do aposento.

- Você sabe do que se trata, sobre o assunto que seu tio quer falar conosco?

- Não. Respondeu Laura, ajeitando o lençol do leito de Helena. Walter surgiu naquele momento.

- Boa tarde para todos! Disse ele, sorridente. Sentou-se na beira da cama, ao lado de Helena, passou uma mão pelos cabelos dela e virou-se, dizendo: - Bem, o que quero dizer é o seguinte; como Helena está impossibilitada de ocupar o seu cargo na empresa, e de praticar qualquer outra atividade física, Laura terá que entrar na justiça com um pedido de interdição de Helena, por ela achar-se incapaz para a prática dos atos da vida civil, reger

sua pessoa ou administrar seus bens. Portanto, Laura terá o controle das empresas, será o novo presidente. O casamento de vocês deverá ser por comunhão parcial de bens, e fica disponível, desde já, um cargo na administração de nossas empresas para Álvaro. A hora que você quiser trabalhar conosco, será bem vindo. É isso. Está terminada a reunião.

Walter calou-se e sorriu.

- É uma pena que mamãe não possa decidir isso, tio.

- Não se preocupe. Eu conversei longamente com ela e através de sinais com os olhos, ela disse sim, que concorda com essa decisão. Walter ergueu-se.

- Laura, desça comigo. Preciso que você me providencie alguns documentos. Vamos até o gabinete.

- Tem que ser hoje?

- Sim, quanto mais rápido melhor. O Álvaro pode esperar por você aqui e fazer companhia a Helena.

- É claro! Eu espero.

Laura seguiu o tio. Saíram do quarto, desceram as escadas, passaram pela sala de estar e entraram no gabinete. Laura assustou-se ao deparar-se com dois homens estranhos ali. Um deles estava sentado, olhando para um monitor de vídeo, o outro, permanecia ao lado,de pé.

Walter apresentou os dois homens.

- Laura, este é o doutor Linhares, promotor de justiça e aquele é o delegado Moraes.

- O que está acontecendo? Perguntou a moça.

- Olhe para o televisor. Pediu Walter.- Nós colocamos uma câmera oculta no quarto de Helena. Ouça.

Laura olhou para o aparelho e viu a mãe deitada na mesma posição, Álvaro de pé e ao lado dele, a enfermeira Jane.

- Só quero ver o que você vai me dar. Disse Jane. Álvaro abraçou-a e beijou-a. Ao ver aquela cena, Laura soltou uma exclamação de espanto.

- Você vai ter o que quiser. Respondeu Álvaro. Ele riu.- É claro que no início, vou ter que ser um bom marido e depois dou um jeito de ficar viúvo.

- Vai fazer o mesmo que fez com tua irmã?

- Isso! Aquele veneno não deixa nenhum vestígio no organismo. Eu já tenho um plano...

- Acho que isso já é o suficiente. Disse o promotor.- Temos tudo gravado.

- Vamos prendê-los. Anunciou o delegado.- Acho melhor vocês ficarem aqui.

Laura enxugou as lagrimas.

- Eu quero estar junto, pra ver a cara daqueles patifes!...

Walter abriu a porta do quarto e deu passagem para o delegado, que já estava com as algemas nas mãos. Álvaro estava sentado no sofá e Jane na cadeira. Arremessando-se na frente do delegado, Laura avançou para Álvaro, dando-lhe duas bofetadas.

- Canalha! Assassino! Gritou. Álvaro ergueu-se pálido, olhou para os dois oficiais de justiça.

- Vocês estão presos! Anunciou o delegado. Álvaro levou a mão direita para trás, por debaixo do casaco e sacou um revolver e com o braço esquerdo ele agarrou Laura e recuou.

- Nem tentem! Deixem-me sair ou mato ela. Larguem as armas.

O delegado e o promotor largaram as armas no chão.

- Calma. Pediu o delegado. - A casa está cercada...

Álvaro vigiava os dois homens e não percebeu Helena se movimentar, por trás dele. Sob o olhar espantado de Jane, Helena agarrou uma jarra que estava em cima do balcão. A enfermeira

tentou avisar Álvaro, mas foi tarde demais, Helena ergueu-se e espatifou a jarra na cabeça do homem. Álvaro cambaleou e Laura

jogou-se para trás, derrubando-o. O delegado e o promotor saltaram ao mesmo tempo para desarmá-lo e prendê-lo. Quando os dois cúmplices foram levados presos, Laura atirou-se nos braços da mãe e chorou, um pranto que era ao mesmo tempo de alegria e tristeza. De alegria por ver a mãe recuperada e tristeza por ter sido enganada pelo namorado. Fim

antonio stegues batista
Autor: Antonio Stegues Batista


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