Minhas Mais Terríveis Desilusões







Minhas Mais Terríveis Desilusões
Raul Santos

Onze de janeiro de mil novecentos e noventa e três. Fazia um calor de lascar!... Terminei de almoçar e deitei-me sem camisa no piso de cimento da casa que minha mãe construíra ao saber que eu tinha ido de Porto Seguro para São João do Paraíso, quando o prefeito Ubaldino Pinto suspendeu o meu pagamento em fevereiro de oitenta e nove. Ah, esqueci de dizer que contrato emergencial de professor na época era chamado de "Lei Quemata", grotesca bizarria da "Lei Camata".
Dito e feito, quatro anos depois, em Mascote, Fernando Nunes suspendeu também o meu pagamento com o mesmo argumento.
Assim, deitado, meditava como seria minha vida nos quatro anos que se seguiriam, e, como anjo salvador, Artemisa Azevedo, no programa Show da Tarde com Carlos Moreira, na Nacional da Amazônia, leu a nota: "Castanheiras, Rondônia, necessita de dez professores de nível superior. Telefone (69) 271-2755." Como se aguardasse a notícia, saltei de pé, agarrei o caderno e o lápis, mas o afã de não esquecer o número foi tão grande que não prestei atenção se o Estado era Mato Grosso ou Rondônia. Horas depois, como anjo salvador, à noite, o Sabino Romariz repetiu a mesma nota com seu vozeirão, corrigindo a dúvida. No dia seguinte, liguei, falei com a Secretária Municipal de Educação, a Tia Ilma, que prometeu transporte, alimentação, pousada, contrato no Estado e um salário mínimo como incentivo para ficar em cidade do interior. O que ela não sabia era que minha preferência maior sempre tinha sido aquela.
Detalhes acertados, enviaram três mil cruzeiros reais, no limiar da URV, e viajei, assumindo no meio do governo Osvaldo Piana. Seis anos depois, no início do governo José Bianco, em noventa e nove, quando era forte o boato de que o mundo iria se acabar no ano seguinte, fui mais uma vez atingido pelo mesmo tipo de demissão (contrato emergencial de professores). Só não entendo por que contratam, se é ilegal?!... E a aprendizagem das crianças, onde fica?!...
De Castanheiras, fui para Ariquemes, a duzentos e cinqüenta quilômetros, e fiquei na casa da minha prima Ivone, que tinha vindo também de São João do Paraíso. De lá, vim para Porto Velho dar baixa na Carteira de Trabalho e o Borges arrumou outro contrato (também emergencial) para lecionar em Abunã, que, diga-se de passagem, nunca tinha ouvido falar, mas fui assim mesmo (a necessidade é que faz o sapo pular). Vi depois no mapa que o município de Porto Velho tem o formato perfeito de um dinossauro com aquele pescoço e aquela cauda enormes.
Nos anos seguintes, fui contratado pela Prefeitura de Porto Velho para lecionar em Mutum Paraná e sempre ia, como vou, a Porto Velho ao menos uma vez no mês para receber pagamento ou coisas semelhantes.
Nessas viagens, cinco quilômetros antes de chegar em Porto Velho, percebi que se formava uma vila constituída pelos "catadores de lixo", a que deram o nome de Vila Princesa, bem próxima da Universidade Federal de Rondônia.
Eu observava aquele paradoxo entre os catadores de lixo e os universitários e na minha mente ia se formando uma idéia cada vez mais firme: "Se a Prefeitura, naquele início de formação da comunidade, construísse uma olaria para a confecção de tijolos e telhas de barro, com maquinário e funcionários da Prefeitura, e os moradores criassem uma associação para com a verba adquirida comprar cimento e outros materiais e a mão de obra no sistema de mutirão, não haveria favelas nem barracos de madeira."
Acariciei durante anos esta idéia, sempre comentando com um e com outro para ver se alguém vestia a camisa, inclusive com um professor da comunidade, até que um dia, lamentavelmente, a Marlene brutalmente jogou uma balde de água gelada na fervura da minha imaginação:
? Isto já foi feito na criação do Bairro Marcos Freire, mas foi descoberto que estavam vendendo o material!...
Daí, lembrei que em oitenta e nove, o presidente da Colônia de Pescadores de Porto Seguro me disse que os pescadores pagavam cinco por cento da renda para a Colônia e o arrecadador recebia quinze por cento da arrecadação. Um triste dia, descobriu que por serem analfabetos, eles não viam que pagavam o valor correto mas os talões eram registrados pela metade. Assim sendo, ele recebia os quinze por cento da arrecadação registrada e metade da arrecadação que roubava.
Estas, portanto, foram minhas mais terríveis desilusões porque não foram frutos de Mensalões e/ou outros escândalos de políticos, mas de pessoas simples de comunidades humildes que lutam bravamente no dia a dia em busca de um simples pedaço de pão.
Mutum Paraná/Porto Velho, Rondônia, 14 de agosto de2010.
21 horas e 26 minutos.

Autor: Raul Santos


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