A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA



A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Roberto Ramalho é Advogado, Jornalista e estudiosos de assuntos políticos e jurídicos

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da organização do Estado, dedica totalmente um capítulo, o sétimo, em que faz referência a Administração Pública, tendo em vista os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

E é justamente com base na Lei Maior promulgada em outubro de 1988 e nas Leis Complementares nº. 8.112/90 e nº. 8.429/92, que analisamos de forma bastante suscinta a improbidade administrativa.

Entende-se por Administração Pública em sentido global, segundo o conceituado jurista e papa do Direito Administrativo Hely Lopes Meirelles (1998), "todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas." Assim sendo obedecendo a esse princípio, espera-se que o administrador público tenha a obrigação de desempenhar a sua função dentro dos preceitos do Direito e da Moral administrativa, uma vez que o objetivo a ser atingido é o bem comum da coletividade.

Diante desse fato faz-se necessário, segundo Bandeira de Mello (1992), "inibir que a Administração se conduza perante o administrado de modo caviloso, com astúcia ou malícia preordenadas, a submergir-lhe direitos ou embaraçar-lhe o exercício e, reversamente, impor-lhe um comportamento franco, sincero, leal.".

Portanto a Administração Pública deve ser regulada e exercida dentro de parâmetros determinados pela Constituição Federal e suas leis complementares. À Administração são concedidos direitos, porém existem limites que são estabelecidos por lei que jamais deverão ser extrapolados.
A Lei nº. 8.429/92, embasada no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, confere legitimidade ao Ministério Público no sentido de agir na defesa da moralidade administrativa, na área cível, sem prejuízo das pessoas jurídicas interessadas.

De acordo com Pazzaglini Filho (1998), "a improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da Ordem Jurídica (Estado de Direito, Republicano e Democrático), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante concessão de obséquios e privilégios ilícitos.".

Observamos que os mecanismos de controle externo exercidos pelos Tribunais de Contas, junto ao Ministério Público, têm imposto uma maior seriedade no que se refere à coisa pública.

Com o advento dos concursos públicos, tornou-se possível imprimir independência nos atos praticados pelos membros dessas instituições controladoras.

Assim sendo desaparecem os antigos comprometimentos políticos dos "indicados" com os "que indicam.".

Atualmente podemos vislumbrar um futuro administrativo com mais seriedade. Como bem afirmou Von Ihering (1987), "a luta pelo direito é um dever do indivíduo para consigo mesmo (...). A defesa do direito constitui um dever para a comunidade (...). Ao defender seu direito o titular também defende a lei, e com ela a ordem essencial à vida em sociedade, ainda haverá quem negue que tal defesa representa um dever para a sociedade? (...) A justiça e o direito não florescem num país pelo simples fato de o juiz estar pronto a julgar e a polícia sair à caça dos criminosos; cada qual tem de fornecer sua contribuição para que isso aconteça (...). Todo homem é um combatente pelo direito, no interesse da sociedade.".

A entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa adquiriu uma nova dimensão a partir da Constituição Federal de 1988. Hoje o administrador público antes de contratar alguém sem concurso público pensa duas vezes antes de cometer uma irregularidade, e de descumprir os princípios constitucionais inseridos no artigo 37 da Constituição como legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Com isso o cumprimento dessas determinações legais é o mínimo que se espera do administrador público e não o contrário em que pese ainda existir muitos deles que não obedecem à lei vigente. .

A legalidade é o suporte e o limite da atuação do gestor; seus atos somente terão validade com a observância da lei. Difere da Administração Privada, onde tudo ou quase tudo é permitido. Daí existirem dois atos que são muitos usados na Administração Pública: o ato discricionário que esbarra em limites que, uma vez ultrapassados, leva ao abuso do poder embora não seja um poder arbitrário, sendo apenas uma liberdade que não ultrapassa a conveniência e a oportunidade.

Nesse sentido temos a diferenciação entre os poderes discricionário e arbitrário feitas pelo administrativista Carlos Silva (1997) "O poder discricionário é previsto na lei, é delimitado pelo direito, é resultado, por conseguinte, de um comando legal, que tem sua própria natureza na Lei Maior. É também ação livre na administração sob o Império da Lei (...). O arbitrário não tem a proteção jurídica e não existe no Estado de Direito.".
E para complementar e dar sustentação ao princípio da legalidade que o legislador criou outro princípio o da moralidade que dentro da Administração Pública complementa a legalidade. Dessa forma podemos distinguir a distinção entre o que é honesto e o que é desonesto. Os atos do bom administrador visam ao interesse público são considerados atos morais. Dessa forma o comportamento impessoal não atende aos interesses pessoais ou de terceiros.

A Lei nº. 8. 429/92, no seu artigo. 9º e incisos, tipifica doze atos de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito.

De acordo com esse artigo não existem formas culposa; todas são consideradas dolosas razão pela qual quem as pratica tem consciência e quer o resultado. Vejamos abaixo os tipos de atos de improbidade administrativa: .

Art.9º: "Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão de exercício do cargo, mandato, função ou emprego, ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
I ? receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem, móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
(...);
IV ? utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no Art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V ? receber vantagem (...) para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer atividade ilícita, ou aceitar promessas de tal vantagem;
VI ? receber vantagem direta ou indiretamente (...), para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou características de mercadorias ou bens fornecidos...
(...);
VII ? adquirir para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
(...).

De acordo com Kiyoshi Harada (2000) "segundo essa lei, improbidade administrativa comporta claramente três modalidades. Os artigos 9º, 10 e 11 definem respectivamente os atos de improbidade administrativa que importam no enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário, e que atentam contra os princípios da administração pública. Exemplos da 1ª modalidade: adquirir, para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público. Exemplo da 2ª modalidade: ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. Exemplo da 3ª modalidade: praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência".

De acordo ainda com Harada (2000) "o sujeito passivo ou vítima do mau agente público é a administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e as entidades particulares que tenham participação de dinheiro público em seu patrimônio ou receita, conforme prescreve o art. 1º e seu parágrafo único e o sujeito ativo segundo ele o agente público, assim entendido todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades que figuram como sujeito passivo do ato de improbidade administrativa. Abarca não só os servidores públicos, como também, os membros de Poderes ou agentes políticos".

E mais uma vez nos ensina Harada (2000) que conforme se depreende do § 4º do art. 37 da CF as penas consistem na suspensão dos direitos políticos, na perda da função publica, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível e o art. 12 da Lei nº. 8.429/92 instituiu várias penalidades, dentre as quais, a cominação de multa, a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais ou creditícios. "Extravasou os limites de sanções previamente definidas na Carta Magna que, nesse particular, não deu carta branca ao legislador ordinário para estipular sanções a seu talante".

Com isso observamos que temos um instrumento jurídico de combate à corrupção e aos corruptos bem como aqueles praticados por agentes públicos que teimam em desobedecer à lei e a Constituição.

O grande problema para a continuação do cometimento desses atos de improbidade administrativa é o fato de o poder econômico continuar ditando normas.

Oliveira (1996), afirma com muita sabedoria, que "nas sociedades pré-mercado a riqueza estava ao lado do poder, enquanto hoje ? sociedade de mercado - o poder está ao lado da riqueza.".
Dessa forma o abuso do poder econômico se apresenta muitas vezes como um ato legal, escondido sob o manto da "discricionariedade" em relação daqueles que têm competência para exercê-lo. O poder econômico, como sempre, sabe no momento oportuno como persuadir algumas autoridades administrativas.

Mas embora a Lei nº. 8.429/92 ? Lei de Improbidade Administrativa ? esteja completando 18 anos ela ainda está atual e vem coibindo que maus administradores públicos não cumpram com sua função de zelar pela coisa pública e respeitar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

BIBLIOGRAFIA
1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23 ed. São Paulo: Malheiros. 1998;
2. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Malheiros 1992.
3. PAZZAGLINI FILHO et al. Improbidade administrativa. Aspectos jurídicos da defesa do Patrimônio Público. 3 ed. São Paulo: Atlas. 1998.
4. IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1987.
5. SILVA, José Carlos Sousa. Abuso de poder no Direito Administrativo. Belo Horizonte: Nova Alvorada. 1997
6. HARADA Kiyoshi. Ato de Improbidade Administrativa. Jus Navegandi. 2000. Acessado via Google em agosto de 2010, às 18:30hs.
7. OLIVEIRA, Frederico Abrahão. Direito Penal Econômico Brasileiro. Porto Alegre: Abdir. 1996.


Autor: Roberto Jorge Ramalho Cavalcanti


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