A Morte Através Dos Tempos



FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO     ROGERIO TORRES MEDEIROS
MAT 200350038

Rio de Janeiro

2007

A MORTE

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que me deu vida para realizar este trabalho, a minha Esposa e Filha que diretamente suportaram minha ausência nas horas em que mais precisavam da minha presença, e mesmo assim me receberam sorrindo e apostando no meu sucesso, ao meu Pai e sua Esposa, por terem me ajudado muito neste momento difícil aonde eu não teria forças para prosseguir, sempre me incentivando e me lembrando da vitória garantida,a minha Mãe por ter me colocado no mundo,e aos meus Amigos de faculdade, que de uma forma ou de outra me empurraram para frente no caminho de chegada desta jornada maravilhosa. E a todos que de uma forma ou de outra colaborarão com meu trabalho.

SUMÁRIO

Introdução ........................................................................ ...................... .............05

Capitulo 1 A Morte através dos tempos........................................................07

Capitulo 2 As atitudes diante damorte....................10

Capitulo 3 A hora da morte 18

Capitulo 4 Lugares dos mortos23

Bibliografias10

Introdução

De inicio o tema pode causar espanto, e com toda certeza causa, A Morte, um assunto não muito tradicional a primeira vista, mas ao se aprofundar neste tema a riqueza de detalhes vai conquistando o pesquisador e ate mesmo o curioso, que se interessa pelo assunto, e foi o que me fez escrever este trabalho de conclusão de curso. Olhares negativos não me faltaram ao comentar a minha escolha, mas após alguns segundos de explicação a aceitação passava ser automática e ate despertava algum interesse nos que me ouviam.

Por se tratar de uma linha de pesquisa bastante estreita tive de recorrer a publicações especificas do Arquivo Nacional e do Arquivo Geral da Cidade,e só assim então com a ajuda de outras publicações tradicionais pude dar inicio ao trabalho. Durante toda pesquisa encontrei dificuldades que logo foram sanadas pela ajuda dos professores da instituição na qual pertenço, todos prontamente dispostos a ajudar, da melhor forma pois o tema não e a especialização da maioria.

Desta forma tentei explicar nas linhas que se seguem, a trajetória da morte através dos tempos ate meados do século XIX, aonde uma forte epidemia de febre amarela, ceifa milhares de vida mudando o cursos de costumes e praticas antes realizadas pelas populações da cidade do Rio de Janeiro. Para chegar ao oitocentos, tracei de forma reduzida uma trajetória por todo o período de desenvolvimento do cristianismo, aonde encontrei justificativas para os costumes fúnebres realizados ate o século XIX. Falar da morte e falar da influencia que a Igreja Católica exerceu durante séculos no imaginário da população, vários temas foram impostos e mudanças foram realizadas no seio da sociedade tendo como plano de fundo os interesses desta instituição, a morte foi uma ferramenta bastante explorada pela Igreja.

Podemos observar nesta pesquisa, como medo se fez presente na população seja em epidemias seja no dia-a-dia no leito de morte, a própria ou a de algum parente ou amigo, esta morte tão evitada, mas também na mesma proporção quando inevitável, ficava sendo esperada da melhor forma possível, com os preparativos do bem morrer.

O ponto alto deste trabalho e o retorno das sepulturas para fora da cidade, a epidemia de febre amarela, faz com que a sociedade medica tome providencias definitivas quanto o afastamento do morto no meio dos vivos. Não se suportava mais a convivência dentro das igrejas e das casas com corpos exalando vapores da decomposição, o que causava doenças e so fazia proliferar epidemias. Sendo assima morte e tratada de uma forma simples e direta neste trabalho desde o inicio aonde a Igreja leva seus mortos para dentro de seus templos ate quando ela e obrigada a devolve-los ao terreno mundano.

Capitulo 1

A morte através dos tempos

Ao ver seu semelhante caído no chão, sem se mover, sem esboçar nenhum tipo de reação, mortalmente ferido, resultado de uma luta com sua caça, o homem primitivo segue seu destino sem se preocupar com o cadáver. Assim nossos mais distantes antepassados tratavam a morte, abandonando seus corpos.

As primeiras sepulturas encontradas datam de 35 mil anos antes de cristo, o homo sapiens nesse período enterravam seus mortos sentados com os braços em volta dos joelhos. Segundo Julio Chiavenato1 em A morte uma abordagem sociocultural, esses são os primeiros relatos de cuidados com os mortos.

Desde que começamos a cuidar de nossos mortos, estão registrados basicamente quatro processos funerários: o da pedra tumular, o do enterro, o do dessecamento e o da cremação; Esses processos foram assumindo outras formas através dos tempos.

O ser humano mostrou através dos tempos que a atenção que os cadáveres recebiam revelava os conceitos e a cultura de cada povo, esses cuidados deixavam claros os medos, as preocupações sanitárias e as incertezas diante de uma novidade o "homem morto".

Quando surgiu a idéia de que o homem era composto de corpo e alma, as covas começaram a ficar mais fundas para que estas almas não saíssem da sepultura. A expressão "sete palmos" surgiu segundo Julio Chiavenato neste contexto, aonde se diria que o defunto estava seguro debaixo de sete palmos, devemos ter a consciência de que os homens desse período queriam se sentir seguros com a quantidade de terra aprisionando o morto, desta forma o morto não voltaria a vida, tal pensamento se dava pela falta de conhecimento sobre a morte.

1Chiavenato, Julio Jose, 1939- A Morte: uma abordagem sócio cultural / Julio Jose Chiavenato. São Paulo : Moderna, 1998.

O homem primitivo queria distância do defunto, já com o aparecimento de várias religiões, a morte ganhou outro sentido, e em determinadas crenças preparava-se o caminho do morto de volta a vida ou para lugares especiais de acordo com as idéias de cada religião.

È importante notar que o homem primitivo desconhecia as causas da morte natural e só conhecia a morte por acidente, a morte era sempre provocada por alguém ou alguma coisa.

Surgiu também a imortalidade, essa idéia foi assimilada por várias religiões, por exemplo, os egípcios em seus relatos mais antigos negavam a existência da morte, ninguém morria, acreditava-se que o espírito migrava, reencarnava ou descansava aguardando uma outra vida.

Tanto no passado quanto no presente, um fator esta ligado direto as religiões, o medo, esse fator reflete no relacionamento da vida com a morte, da mesma forma que o homem primitivo ou o selvagemtemem os castigos dos deuses, por exemplo: fome, seca, enchentes, tempestades, temem a punição maior, a morte.

O homem da cidade não é diferente do primitivo mesmo quando não é religioso, ele adota costumes, formas de lidar com situações cotidianas parecidas com a de seus antepassados, o que muda é a situação atual de espaço e tempo, portanto da mesma maneira que o homem primitivo tinhas suas superstiçõese explicava tudo pelas suas impressões, se chove é por que o "céu chora", se há enchentes é por que os deuses estão zangados. O homem moderno também o faz dentro da sua realidade.

A modernidade também teme a morte, e acredita nela como fim de uma dádiva de Deus, a vida, ou o inicio de uma outra. Varias são nossas religiões e varias são as interpretações sobre a morte, nosso destino no além-túmulo varia em cada crença, mas uma idéia é bastante defendida de acordo com Jose Chiavenato, sem religião, sem medo. De acordo com o autor de A Morte, uma abordagem sócio cultural, quanto menos voltado para a religião menor é o medo do homem pela morte.

Aparentemente, os gregos antigos não temiam a morte. Os cadáveres não mereciam tratos especiais tendo em vista uma outra vida, quase sempre eram cremados como medida de higiene. A maioria dos gregos acreditava que os mortos iam para o " Hades,,uma região sem luz, debaixo da terra em nada parecida com a idéia de céu e de inferno das religiões modernas".1De acordo com Jose Chiavenato, alguns pesquisadores chegaram a conclusão ao analisarem certos povos primitivos, que aonde não há nenhum tipo de religião não existe o medo da morte, esse temor é natural em sociedades totalmente ligadas a religião, aonde o conceito de imortalidade e difundido, portanto é o desejo de ser imortal que cria o medo da morte, e não o inverso.

Apesar da familiaridade com a morte, os antigos a temiam ea principal função dos ritos funerários era manter os seus mortos longe dos vivos impedindo que eles voltassem, já na Roma antiga existiam leis que proibiam enterros dentro das cidades, primeiro pelo temor da proximidade dos defuntos, e depois pela sanidade urbana.

Alem do mistério da morte as pessoas se viam diante de um corpo em putrefação era preciso se livrar deste problema, a primeira impressão era de que este corpo não estava morto devido ao processo de decomposição, viam-se gases saindo, bichos se mexendo, unhas e cabelos caindo, sem explicações para tais fenômenos era necessário se livrar desta ameaça. Assim sugiram superstiçõesque ocuparam o imaginário de nossos antepassados e fizeram parte das religiões, portanto o que se fazia com o corpo nada tinha a ver com o morto e sim com as crenças que historicamente foram se formando sobre a morte.

Dentrodeste contexto do trato com o corpo, no próximo capitulo será abordada as atitudes diante da morte, aonde a religião abraça a responsabilidade pelo cadáver, e a igreja passa a receber e administrar os enterros e seus preparativos.

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1Chiavenato, Julio Jose, 1939- A Morte: uma abordagem sócio cultural / Julio Jose Chiavenato. São Paulo : Moderna, 1998. pág 16.

Capitulo 2

As atitudes diante da morte

"Cada família tinha o seu túmulo, em que todos os membros deveriam ser enterrados. Ali eram celebradas as cerimônias e festejavam-se os aniversários, os antepassados eram vistos como sagrados e cultuados em cerimônias domesticas no seio da família, que somente os parentes podiam realizar e nas quais só eles eram admitidos."

O trecho acima retirado do livro de Claudia Rodrigues, Nas fronteias do além1, relataa forma como eram tratados os enterros antes da intervenção da Igreja Católica,podemos perceber neste relato que o enterro ficava no seio da família, não havia a presença marcante de um membro da igreja. Na cultura greco-romana da Antiguidade, o culto dos mortosera familiar e domestico, as sepulturas e os sepultamentos eram assunto de parentes. As tumbas de acordo com o direito romano eram lugares privados.

Os ritos funerários faziam parte do contexto acima citado, o próprio calendário romano dedicava duas festas aos mortos,Asparentalia destinava-se a apaziguar os mortos por meios de banquetes e oferendas , As lemuria destinava-se exortar as almas a deixarem os vivos em paz, pretendia-se ao mesmo tempo apaziguar e conjurar a alma na intenção de que ela partisse para o seu repouso,acreditava-se que se os ritos não fossem cumpridos as almas não seriam aceitas em seu destino e voltariam a terra em forma de espíritos perigosos.

Percebemos que os cultos e ritos tinham a função de impedir que as almas perturbassem os vivos, e não tinham que cumprir nenhum preceito de uma religião, mesmo por queeram as famílias que geriam os ritos fúnebres.

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1Rodrigues, Claudia. Na fronteiras do alem: a secularização da morte no Rio de Janeiro(séculos XVIII eXIX )/ Claudia Rodrigues. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. pág 41.

Com o processo de oficialização do cristianismo, tornando-o religião licita. Adquirindo força e poder a igreja procuraria estender sua tutela sobre a sociedade, desta forma a igreja passou a controlar as atitudes diante da morte e do morrer, interferindo sobre os costumesfúnebres.

De acordo com Claudia Rodrigues, dois fatores foram fundamentais no controle que a igreja passou a exercer sobre as atitudes dos fieis diante da morte, o primeiro foi a substituição do gerenciamento familiar e domestico do culto dos mortos, pelo gerenciamento publico e administrado pelo clero, o segundo ponto foi a interlocução privilegiada entre os vivos e os mortos através da realização de missas em intenções dos mortos.

A igreja começou suas intervenções as praticas fúnebres em relação aos banquetes realizados junto aos túmulos dos mártires e santos, essas intervenções pareciam para a igreja como forma de paganismo, pois nesses ritos havia o ato de se comer e beber e de se dançar e cantar junto as sepulturas, para a igreja esta pratica era pagã pois as sepulturas eram lugares sagrados, aos poucos a igreja foi substituindo essas praticas por atos litúrgicos aonde havia a presença e o controle do clero, a igreja implantou no culto familiar e privado dos mortos a partir do séculos IV e V, "um longo trabalho de clericalização"1,sua intenção com este empreendimento era dar um caráter publico e cristão aos ritos fúnebres, diferente do que se praticava.

Esta nova pratica substituía os costumes familiares, voltados para o lado carnal, dando um sentido espiritual , a igreja tinha argumentação de que se ocupava da parte da alma e não do corpo, também da salvação e não só da sepultura. Desta forma foi se responsabilizando pelas comemorações aos mortos, oferecendo a eucaristia as almas e esmolas aos pobres.

1.Rodrigues, Claudia. Na fronteiras do alem: a secularização da morte no Rio de Janeiro(séculos XVIII eXIX )/ Claudia Rodrigues. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. pág 42

Neste contexto apresentado no parágrafo anterior, os bispos da igreja, levaram os corpos dos mártires e santos para dentro das basílicas, como forma de ter controle mais serrado sobre os cultos dos mortos, as tumbas passaram a ser propriedade publica, desta forma a igreja passa a ter o total controle dos sepultamentos, num processo gradativo de retirada deste costumes domésticos das mãos das famílias, passando a ter sob seu domínio direto e simbólico estes rituais. Desta forma a igreja conseguiu diferentemente dos costumes greco-romanos trazer os mortos para dentro das cidades, primeiro foram utilizadas as basílicas depois as catedrais e por ultimo as igrejas.

Com a pratica dos sepultamentos dos mártires e santos dentro das basílicas, a igreja tinha como argumentação sua justificativa de que desta forma, dentro dos templos os corpos estariam protegidos de profanadores de sepultura, também inseriu a idéia de que os santos ali enterrados trariam a salvação e perdão dos pecados aos mortos comuns também ali enterrados, apesar das criticas de alguns membros da igreja, fazendo resistência aos sepultamentos dentro dos templos, justificando que haveria uma mistura entre o culto aos mortos e o culto ao divino, a igreja prossegue com o controle dos sepultamentos alegando que "a sepultura eclesiástica seria uma das condições básicas para se obter a salvação da alma e como um pilar do dogma da ressurreição".1 com isso a igreja critica os costumes romanos de incineração dos cadáveres e cremação.

A igreja se coloca como ponte entre os vivos e os mortos, desenvolvendo a liturgia dos mortos, esta liturgia consistia em uma estrutura de trocas entre a igreja e o morto, ela recebia parte de seus bens em troca de orar por sua alma, e distribuir uma parte destes bens com os pobres.

1.Rodrigues, Claudia. Na fronteiras do alem: a secularização da morte no Rio de Janeiro(séculos XVIII eXIX )/ Claudia Rodrigues. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. pág 43

A clericalização do culto aos mortos teve uma forte acentuação nos séculos XI e XII, nos mosteiros e abadias, aonde a comemoração dos mortos se dava por meio de orações, emsua memória , o clero desta forma assegurava a celebração dos ritos fúnebres, e da memória dos mortos, com a pratica de nomear os mortos durante as orações nos monastérios e abadias, as comunidades monásticas se especializaram ainda mais nas comemorações aos mortos, segundo Claudia Rodrigues, sobre a influencia da Abadia de Cluny, no dia 2 de fevereiro, no século XII, foi institucionalizado o dia de culto aos mortos, da forma que nos conhecemos atualmente como "Dia de Finados'.

No século XIII a oração pelos mortos se torna uma das principais funções de todo o clero, devido ao crescimento de realização de ofícios e missas pelos mortos, este crescimento promoveu a afirmação da função funerária dos sacerdotes, a igreja insistia na imposição como mediadora entre os vivos e os mortos, desta maneira "o cuidados com os mortos"1seria atividade de todos os padres e não mais somente das comunidades monásticas, também se estendeu aos leigos como nas confrarias e nos penitentes, desenvolvendo de acordo com os estudos de André Vauchez2 "uma emergência da espiritualidade leiga".

Após ter conseguido o controle dos sepultamentos e dos cultos aos mortos a igreja passa a se sentir ameaçada pelos leigos, pois a difusão das praticas funerárias levou as confrarias e o penitentes a rezar eles mesmos pelos mortos, a igreja reage a esta perda de controle, e procura distinguir o profano do sagrado, o leigo do eclesiástico, realizando assim uma separação e uma reorganização, neste contexto é elaborado a doutrina do purgatório.

1Claudia Rodrigues, cita esta expressão em seu livro Nas Fronteiras do alem, op. cit., pág. E destaca como sendo expressão utilizada por Michel Lauwers.

2Citado por Claudia Rodrigues, em seu livro Nas Fronteiras do alem, op. cit., pág.

André Vauchez, em A espiritualidade na Idade Media, fala a respeito do desenvolvimento

do movimento leigo e confraternal, no séc.XIII.

Claudia Rodrigues destaca em sua obra, a importância da investida da igreja sobre uma parte essencial no ritual aos mortos, o velório, que ainda era realizado nas casas, no seio da família, passava-se a partir daí considerar que os templos eram os espaços lícitos para tal rito os demais seriam profanos, era necessário colocar o morto sobre o abrigo da igreja e longe dos ataques dos demônios, também todas as confrarias e penitentes que fossem cuidar dos mortos deveriam estar vinculados diretamente a esfera eclesiástica. Apesar dos esforços da igreja este controle era difícil, devido a cultura já estabelecida da pratica do velório nas casas tantos nas áreas rurais como urbanas, havia a persistência de se permanecer praticando esses ritos entre a família do morto.

Dentro deste contexto a doutrina do purgatório se consolidou, aonde as praticas diante da morte se conformaram com esta doutrina e o purgatório passa ser o local entre o céu e o inferno aonde a alma poderia pagar seus pecados, contando com a ajuda do sufrágiosdos vivos, esses pecados que poderiam ser redimidos no purgatório eram considerados pecados leves, perdoáveis denominados segundo Claudia Rodrigues como pecado venial, esta purificação dos pecados estava ligado direto a confissãoauricular , a pessoa poderia se confessar e ainda em vida ser perdoada de alguns pecados após pagar penitencia, OIV Concilio de Latrão, em 1215, tornou a confissão auricular obrigatória, pelo menos uma vez por ano entre os adultos cristãos.

Mas o fiel que não seguisse as determinações de penitencia estipuladas após a confissão e permanecesse no pecado, seria punido e esta punição viria após a morte, com esta ameaça baseada na vida após a morte o fiel se preocupava com sua alma após o falecimento, desta forma a igreja formulava o que Claudia Rodrigueschama de pedagogia do medo,esta situação facilitava o domínio da igreja diretamente no comportamento dos cristão, tendo em vista a preocupação com o julgamento individual diferente do juízo final, aonde todos seria julgados, agora o cristão esta preocupado com sua própria salvação.

O purgatório passa a ser uma opção para as pessoas que tiveram pecados em vida, tendo em vista que o purgatório seria de sofrimento provisório, já o inferno tem seu peso definitivo e eterno, com este medo dos últimos dias ficou intensiva a pratica dos sufrágios pelas almas presas no purgatório, surgiu ai uma relação estreita entre os vivos e os mortos, uma relação de solidariedade, durante a vida a pessoa oferecia os sufrágios em intenção das almas deparentes e amigos mortos na esperança de diminuir o tempo no purgatório, esta alma já salva e descansando no paraíso ajudaria a alma do familiar quando ela chegar ao purgatório. Com esta solidariedade surgiram as irmandades e confrarias que tinham como principal função a realização deste sufrágios em intenção das almas de seus confrades.

Juntamente com a intensificação dos sufrágios, surgiu a pratica testamentária, através do testamento redigido em vida, haveria a possibilidade de reparação de erros desde que o texto fosse composto de legados piedosos, nos testamentos a presença da tentativa de garantir a salvação da alma era explicita. Como podemos perceber no texto abaixo:

"temendo-me da morte: e por não saber quando será servido leva-me para si, faço este meu testamento na forma seguinte: primeiramente encomendo a minha alma a Santíssima Trindade que a criou e rogo ao Padre Eterno pela morte e paixão de seuUnigênito Filho e queira receberassim como recebeu a sua estando para morrer na arvore da Vera Cruz e a meu senhor Jesus Cristo peço pelas suas divinas chagas que já nessas vida me fez mercê do seu precioso sangue... "1

O religiosos aproveitavam o momento da confissão para induzir o moribundo a realizar seu testamento, sobre a assistência dos padres e párocos, esta influencia na hora do testamento, diante de uma situação de morte, facilitava a possibilidade de ser conseguir benefícios para a igreja vindos do moribundo. Ficava cada vez mais claro o poder da igreja tanto para influenciar nas atitudes diante da morte, quanto para controlar todo seu aparato.

1.Rodrigues, Claudia. Na fronteiras do alem: a secularização da morte no Rio deJaneiro(séculos XVIII eXIX )/ Claudia Rodrigues. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. pág .32

O trecho em destaque abaixo retirado do livro de Claudia Rodrigues, A Secularização da morte, nos facilita compreender como a pedagogia do medo utilizada pela igreja, influenciou o imaginário dos fieis e fez com que fosse modificada a idéia de julgamento coletivo, induzindo a crença na salvação individual, portanto como foi colocado no parágrafo anterior um testamento bem elaborado no qual fique clara as intenções do moribundo em relação sua colocação religiosa, sua humildade em suplicar perdão pelos seus pecados e interseção por sua alma junto a Deus, lembrando sempre de deixar missas em seu nome, de seus confrades e parentes no purgatório, garantiria só assim sua salvação e livramento dos castigos divinos.

 

"Um importante aspecto de todo esse empreendimento sobre a morte foi, assim o direcionamento da pastoral para o sentido do medo, onde o julgamento e as penas do purgatório e do inferno adquiriram lugar essencial. Não foi por acaso que os séculos XIV E XV surgiram segundo Michel Volvelle, como o período de ouro das representações em torno da imagem do inferno justamente no momento em que os temas medievais, dominados pela imagem da punição coletiva -em torno do juízo final -, cederam lugar ao julgamento particular, que se fez acompanhar, com força, do medo da punição e do castigo."1

No decorrer do capitulo ate agora apresentado, tentei mostrar de forma resumida, baseado no trabalho da professora Claudia Rodrigues, as atitudes diante da morte, levando em consideração a intervenção da igreja sobre os costumes fúnebres, trazendo as sepulturas para dentro de seus templos, o que era afastado da sociedade agora esta unido com a igreja, os mortos fazem parte da rotina diária dos religiosos, são responsabilidade da igreja. Como bem destaca Philippe Arièsem seu trabalho Historia da Morte no Ocidente2 "a partir de então não houve mais diferença entre a igreja e o cemitério."

A clericalizaçãodo trato com os mortos se fez necessária, para um maior controle da igreja sobre estes rituais, Com este controle em questão a igreja colocou em pratica a teoria do purgatório e utilizando da pedagogia do medo envolveu seus fieis na crença da salvação particular.

No próximo capitulo apresentarei,o que João Jose Reis chama em seu livro A Cemiterada, 3 a hora da morte, com o capitulo de mesmo nome, tentarei explicar baseado também no livro acima citado, os preparativos para o bem morrer, este processo diferente do que foi citado em relação aos costumes fúnebres ocorre no quarto do moribundo, nos dias em que antecede a morte, o moribundo já esta com seu testamento pronto e só aguarda a chegada da hora de partir, o quarto deste doente terminal se torna local publico, as pessoas acompanham a agonia e a despedida do confrade, parente ou ate mesmo estranho. Phillipe Áries, denomina este episodio de "a morte de si mesmo"4

Apesar de ser bastante breve o próximo capitulo, se faz necessário, pois através dele poderei chegar no ponto mais importante deste trabalho, que é a secularização da morte, aonde colocarei em questão a necessidade devido as epidemias no século XIX , de se afastar novamente os mortos das cidades para que o convívio com os mortos não venha a proliferar doenças devido a contaminação do ar, tendo em vista a permanência de corpos em putrefação próximos a vida social e religiosa.

1 Rodrigues, Claudia. Na fronteiras do alem: a secularização da morte no Rio deJaneiro(séculos XVIII eXIX )/ Claudia Rodrigues. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. pág .32

2Aries Philippe. Historia da Morte no Ocidente: da Idade Media aos nossos dias: tradução de Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro, F. Alves. 1977.

3 Reis, João Jose, A Morte e uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 1991.

4 Aries Philippe. Historia da Morte no Ocidente: da Idade Media aos nossos dias: tradução de Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro, F. Alves. 1977. Capitulo 2, pág 29.

Capitulo 3

A Hora da Morte

"Em 1826, a jovem imperatriz Leopoldina também morria cercada de gente. A agonizante reuniu a certa altura seus criados para perguntar se os havia ofendido, ao que eles responderam, negativamente, "derramando lagrimas sinceras". Cenas como essas constituíam paradigmas. Essa maneira solene de morrer não era apenas um costume dos poderosos. A morte de reis e santos, descrita em panegíricos, contada pela tradição oral ou desenhada em estampas, inspirava a morte dos homens e mulheres comuns."1

O parágrafo acima da obra de João Jose Reis, A cemiterada, relata a preocupação da imperatriz com a hora de sua morte, neste capitulo iremos tratar diretamente deste momento, a hora em que a pessoa sabe que vai morrer e se prepara de todas as formas e costumes para a passagem, neste estilo de morte, a pessoa administra seu fim fazendo valer sua palavras, as tradições consideravam esta morte uma morte bonita, mas para que isso fosse possível era necessário um esforço coletivo, pois as pessoas em vida deveriam ajudar o falecido a cumprir suas promessas e desejos.

O quarto do moribundo, se torna neste momento um local publico aonde toda a vizinhança vem para visitá-lo e orar pela sua boa ida, Philippe Áries, também diz que o quarto do moribundo se tornade acordo com as crenças desta época o local de julgamento da alma do agonizante.

Visando esta passagem as pessoas se preparavam muito bem para a morte, tendo uma boa preparação, significava que o fim não chegaria de surpresa para o individuo, sem que ele prestasse contas aos que ficaram e também os instruísse sobre como dispor de seu cadáver, de sua alma e de seus bens terrenos

Neste momento no quarto como falei no capitulo anterior muitas pessoas redigiam seus testamentos, segundo João Jose Reis, essas providencias podem ser entendidas como ritos iniciais de separação.

Enquanto não chegava o momento final os preparativos eram fundamentais, uma boa morte deveria ser acompanhada por especialistas em bem morrer e solidários espectadores, a morte não podia ser vivida na solidão, os estudos de João Jose Reis, relatam que na Bahia, mera assim no século XIX, quando a noticia de que alguém iria morrer era anunciada logo os vizinhos corriam para a casa do moribundo, ali iniciava-se varias atividades, as mulheres ferviam e passavam as roupas, outras costuravam a mortalha do futuro defunto, os homens ficavam na sala conversando sobre doença e morte, a solidariedade entre os vizinho e parente e bem sensível neste período não só na Bahia, nas também no Rio de :Janeiro segundo os estudos de Claudia Rodrigues,

Alem da visita e auxilio dos vizinhos e parentes, era preciso a presença do padre, a igreja deveria esta presente na hora da passagem para outra vida, Claudia Rodrigues relata a existência de "manuais do bem morrer" eram livros que ensinavam todos os preparativos para uma morte dentro das normas da igreja,"enquanto a morte não se efetivava, o texto ensinava ao moribundo os caminhos para a boa morte."Era preciso fazer o testamento, procurar os sacramentos, dar sinal de estar contrito, confiar no poder intercessor da corte celestial e fazer orações.Estes procedimentos foram seguidos no Brasil tanto no Rio de Janeiro, quanto na Bahia, conforme fontes pesquisadas.

De acordo com as regras, aos enfermos deveria se ministrar a comunhão se sua condição física permitisse e a extrema-unção, esta ultima era uma espécie de empurram final para fora da vidaafirmaJoão Jose Reis, a Igreja explicava sua função como auxilio na hora da morte, pois as tentações do comum inimigo costumavam ser mais fortes. Este sacramento perdoava os pecados pendentes do individuo. Só um pároco poderia administrar a extrema-unção. Junto com o pároco iam os ajudantes, entre os quais poderiam ir ate outro padres, preparados deixavam a igreja rumo a casa do doente, este ritual chamava-se a procissão do viatico, denominado assim por levar a comunhão eucarística, "como provisão espiritual e mística da viagem para a eternidade".

Quando esteve no Brasil na década de 1820, Debret retratou um elaboração de procissão do viatico, pomposa mesmo: o pároco seguia sob um palio (espécie de toldo) carregado por seis irmão do Santíssimo Sacramento; outros irmão na frente carregavam uma cruz ladeada por tocheiros; ainda mais a frente, um homem de capa agitava uma companhia; na retaguarda vinham soldados, uns com armas voltadas para o chão em sinal de luto, outros a tocarem tambores; alem desses um surpreendente banda de músicos negros tocava instrumentos de sopro e percussão. Debret explicou que na corte havia pelo menos três tipos de cortejo do viatico. Este que acabamos de descrever era o mais completo."1

Neste relato de João Jose Reis, e explicada a observação feita pelo pintor francês Debret,em relação a procissão do viatico, o autor também destaca não ter encontrado relatos de que Debret, tenha visitado o quarto de um moribundo, deixando escritos somente sobre o cortejo, o que e uma pena pois poderia ser uma singular fonte de pesquisa.

Ficou claro no decorrer de minha pesquisa que as pessoas inseridas no contexto acima mencionado tinham uma preocupação bastante grande com a hora da morte, a cultura daquela época e a forte influencia da Igreja Católica,ditavam as regras, após ler vários trabalhos acredito ser impossível morrer no século XIX sem se preocupar com a hora da morte e o que poderá acontecer com a alma, após a passagem para outra vida. As pessoas deste período estavam impregnadascom crenças que levavam a acreditar no céu, no inferno e no purgatório, a Igreja contribuía muito para isso, com suas pregações, o medo conforme destaquei no inicio deste trabalho,era fundamental para que estas idéias fossem disseminadas no imaginário coletivo da população, o trecho em destaque no próximo parágrafo reflete bema situação e de que forma as pessoas acreditavam no que iria acontecer com suas almas após a morte.

" O moribundo esta deitado, cercado por seus parentes e amigos, Esta prestes a executar os ritos que bens conhecemos. Mas sucede algo que perturba a simplicidade da cerimônia e que os assistentes não vêem, um espetáculo reservado unicamente ao moribundo, que alias, o contempla com um pouco de inquietude e muita indiferença. Seres sobrenaturais invadiram o quarto e se comprimem na cabeceira do jacente. De um lado a Trindade, Virgem e toda a corte celeste e de outro, Satã e o exercito de demônios monstruosos. A grande reunião que nos séculos XII e XIII tinha lugar no final dos tempos se faz então, a partir do século XV, no quarto do enfermo"2.

Philippe Áries, relata na cena acima, retirada de Historia da Morte no Ocidente,como o momento em que o jacente iria observar as boas e mas ações que realizou durante a sua vida e terá sua ultima avaliação, nela o individuo terá que repudiar todas as tentações só assim seus pecados serão perdoados, neste caso a ultima prova substitui o juízo final.

1.Reis, João Jose, A Morte e uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 1991 pag. 104

2Aries Philippe. Historia da Morte no Ocidente: da Idade Media aos nossos dias: tradução de Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro, F. Alves. 1977. pág 31

No próximo capitulo que considero bastante importante tentarei, baseado no livro de Claudia Rodrigues, Lugares dos Mortos na cidade dos Vivos1, que recebeu o Premio Carioca de Monografia,explicar como os enterros que eram realizados com já vimos anteriormente dentro das igrejas, passam a fazer parte do cenário externo dos grandes centros, deixam de ocupar os templos e passam a ocupar lugares mais rurais e distantes dos grandes centro, estas medidas causaram diversas conseqüências, na Bahia Segundo João Jose Reis, as irmandades que administravam seus enterros dentro de suas igrejas incitaram a população a revoltas como a que foi tema de seu trabalho A Cemiterada, aonde a destruição de um cemitério de administração privada não chegou nem a ser inaugurado.

Este próximo capitulo no entanto, tratara da morte precisamente na cidade do Rio de janeiro, local que foi fortemente atingido pela febre amarela no século XIX, precisamente no final da década de 1840. Antes de iniciar o próximo capitulo vale a pena destacar que o Rio de janeiro neste período contava com a presença marcante de irmandades que cuidavam dos preparativos da morte de seus irmãos, inserido no contexto abordado neste capitulo que se encerra, a maioria da população já estava agregada a uma irmandade, aonde pagava uma contribuição para que a chegada de sua hora de morrer fosse assistida da maneira digna de um bom cristão.

1.Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997.

Capitulo 4

Lugares dos mortos

Ate o momento tentei explicar como a igreja cuidou da morte de seus fieis e como ela recebeu seus corpos dentro de seus templos, era comum ir se a missa no passado e sentar em cima de um tumulo, tendo em vista que muitas igrejas ainda não tinham bancos e as sepulturas se espalhavam pelo piso dos templos, umas nas paredes outras ate mesmo no altar,

E conhecida a expressão destacada por João Jose Reis, que durante as cerimônias religiosas " os vivos passeiam sobre os mortos", segundo ele, estas sepulturas eram retangulares com oito a seis palmos de fundo, cobertas por pedra de mármore ou madeira, as covas eram enumeradas, para evitar que fossem abertas aquelas recentemente usadas.

Generalizando pessoas de qualquer condição social podiam ser enterradas nas igrejas, mas havia uma hierarquia no local aonde deveriam ser enterradas as pessoas, logicamente as pessoas de melhor condição social, poderiam ser enterradas bem próximo do altar ou ate mesmo nele, já os escravos e os pobres ocupavam as laterais dos templos e ate mesmo do lado de fora da igreja. Como expliquei anteriormente essa aproximação facilitava a salvação da alma.

As igrejas eram a Casa de Deus, cujo o teto abrigava as imagens de santos e anjos, por este motivo deveria também abrigar os corpos de seus fieis, a igreja sem duvida era uma das portas de entrada do paraíso,

Todo este cenário, sofreu fortes modificações com a epidemia deFebre Amarela que assolou a população do Rio de Janeiro, no meado do século XIX. Claudia Rodrigues destaca que que quando se fala de epidemia de febre amarela no rio de janeiro, a referencia a que a que ocorreu em em 1850 foi a mais terrível que assolou a cidade no século XIX.

Para analisarmos o desenvolvimento da epidemia na corte, e preciso entender a situação em que se encontrava a cidade do Rio de Janeiro neste período, apertada entre os morros do Castelo, de São Bento, de Santo Antonio e da Conceição, sua população tinha na sua maioria escravos, poucos eram os trabalhadores livres e uma pequena elite administrativa, militar e mercantil, sofríamos por falta de transportes coletivos o que fazia com que as residências fossem próximas uma das outras,a elite se distinguia da população pela forma e aparência de suas residências, só com a vinda da família real , a partir de 1808 que a cidade viu mudanças físicas e sociais.

Os bairros da Lapa, Catete, Gloria, Botafogo e São Cristóvão foram sendo ocupados por parte da população que possuía mais renda, abandonando o centro urbano, trabalhos de medicina apontam o Rio de Janeiro neste período como local de péssimas condições de higiene, que com certeza eram opiniões dos médicos da época, relatos destes trabalhos descritos por Cláudia Rodrigues, descrevem que quase todos os anos quarteirões do centro eram atacados por epidemias mortíferas que vitimavam um grande numero de pessoas

Apesar da febre amarela, ter matado por volta de 1849, as autoridades demoraram a reconhecê-la, um diagnostico precipitado poderia assustar a população, os médicos procuravam então enganar a si mesmos, de forma que tranqüilizando as populações, tranqüilizavam-se por sua vez, segundoClaudia Rodrigues. Mas mesmo sem admiti-la os médicos orientavam as autoridades a separarem os doentes em locais de quarentena longe das pessoas que não foram atingidas no intuito de isolar a epidemia.Com o cenário propicio os médicos tentaram demonstrar a eficácia das normas pelas quais lutava a medicina social.

.1Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997. pág 38

Quando não mais restava duvidas foi admitida a epidemia de febre amarela, e muito foi feito pelos médicos e pelas autoridades da corte para tentar controlar o avanço da doença, a gravidade era tão intensa e quantidade de casos deixava a população acuada e com muito medo, abaixo segue relator retirado do trabalho de Claudia Rodrigues para melhor ilustrar a epidemia:

"A principio caminhava muito devagar, porem caminhava com passo certo, quase de uma casa para outra, de uma travessa para outra, e nas casas e nas tavernas atacando uma pessoa após outra. De repente a sua marcha torna-se mais rápida. Sem cerimônia ataca tudo, prosta tudo sobre o leito dos sofrimentos; há casos em que nenhum individuo fica inato; nenhuma idade, nenhum estado, nenhum sexo, da privilegio, uma isenção(...) Como um raio sobre o céu azul, caia em geral a febre amarela sobre o povo. Quando os marinheiros estavam carregando seus navios, quando os negociantes iam a praça do Comercio, quando os oficiais seguiam seus trabalhos e os pretos puxavam suas carroças e levavam café, pelas ruas, neste instante mesmo, de repente, aprecia uma horripilação, mais ou mesmos forte, um frio e a febre se manifestava, exercendo assim o socialismo mais genuíno, sua companheira formidável, a morte, e muito eclética, muito mais caprichosa"1

 

Desta forma a epidemia seguiu de fevereiro a maio a febre ceifou diversas vitimas, só se acalmando em abril, depois deste mês a população viu o declínio, quase sendo extinta, segundo Claudia Rodrigues, foram 4.106 mortos, quando em setembro de 1850 a febre foi extinta, e por conseqüência uma comissão de engenheiros foi criada para fazer melhorias urbana para promover saneamento e higiene publica.

A igreja culpou a população por ter desafiado a ira de Deus, tanto os pecadores quanto os inocentes, de acordo com a igreja todos pagariam por terem cometido "crimes tão enormes que impediram a Santíssima virgem de sustar o braço de deus que ia ferir."2

Depois de colocar em questão a problemática da epidemia de febre amarela, conforme verificamos nos parágrafos anteriores, também percebemos de acordo com os estudos de Claudia Rodrigues, que a igreja tinha suas justificativas para a desgraça que assolou a população da corte no ano de 1849, com isso percebemos que a igreja ainda tinha sua forte influencia no imaginário coletivo e que ainda utilizava suas pregações para controlar as idéias e costumes dos seus fieis. Mesmo diante de uma epidemia, comprovadamente ocorrida por fatoresfísicos, a igreja insistia em justificar suas causas devido a fatores espirituais.

Mesmo diante destes fatos a população assustada com as mortes em grande escala se viu diante de um paradoxo, os mortos que antes faziamparte do dia-a-dia da sociedade, que estavam debaixo de seus pés na hora das orações nas igrejas, agora seriam uma ameaça de contaminação devido a epidemia.

"O impacto que a epidemia de febre amarela teve sobre os indivíduos foi grande. Pode ser constatado na passagem citada do romance machadiano, na alusão feita pelo medico Pereira Rego sobre a cidade ter-se transformado em um cenário de dor e sofrimento e nas cerimônias religiosas realizadas pela população em prol da extinção do flagelo. Este impacto,que provocou o medo entre os vivos, projetou-se no temor destes em relação aos seus mortos, na medida em que difundiu a concepção de que as sepulturas e seus cadáveres eram focos de contaminação. Ora, há séculos, os sepultamentos eram realizados nas igrejas ou ao seu redor, sem que a maioria dos indivíduos se incomodasse com esta pratica, que era adotada por grande parte da população da Corte, no século XIX.

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.2Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997. pág42

A epidemia trouxe modificações neste quadro. O medo do contagio e da morte faria com que a familiaridade entre vivos e mortos fosse questionada, abalada, pelas concepções medicas que então se impunham. Segundo Jean Delumeau1, o pânico coletivo que uma epidemia causava na população levava-a repudiar os cadáveres, considerados contaminadores."3

Este medo segundo a professora Claudia Rodrigues, foi apenas o instrumento catalisador pois os médicos da corte baseados em estudos realizados na Europa, já tinhamem mente, a separação entre mortos evivos, era projeto destes médicos, esta separação e a oportunidade mais favorável aconteceu com a epidemia,.

Alguns fatores foram cruciais nesta separação, a professora Claudia Rodrigues citaem seu trabalho os três fatores fundamentais que foram responsáveis pela separação entre os vivos e os mortos, tomei a liberdade de transpor este fatores e colocá-los no meu trabalho no intuito de enriquecer a pesquisa e deixar claro que alem de uma igreja forte e notavelmente influenciadora,havia também uma medicina em desenvolvimento, preocupada com a situação em que vivia a população daquele século.

a) o desenvolvimento, a partir da década de 1830, de um saber medico que, empenhado na prevenção de doenças, recomendava a implantação de medidas higiênicas rigorosas para os mais variados espaços da cidade, apontando, dentre elas, a necessidade de transferir as sepulturas para longe dos limites da cidade;

b) a presença de uma imprensa, inexistente ate 1808, mas cada vez mais atuante na disseminação de informações, antes inacessíveis ao grande publico, viabilizando a formação de opiniões mais homogêneas, como as referentes as discussões medicas sobre os efeitos dos enterramentos intra-muros;

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.3Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997. pág 53

c) a emergência do poder publico, empenhado na adoção de medidas de salubridade, com fins de empreender seu projeto de urbanização. Tais fatores caminharam paralelamente e estiveram interligados. As epidemias sempre existiram na cidade, fazendo suas vitimas; entretanto, a febre amarela – ate então desconhecida – nas proporções que atingiu a Corte, com seu alto índice de mortalidade, foi, ao mesmo tempo, causa e estimulo para a implementação das concepções medicas que, ate então, no que se referia a separação entre vivos e mortos, não haviam sido efetivamente postas em pratica." 4

A medicina social existente neste cenário, de insalubridade, viu nos cadáveres e nos sepultamentos, uma necessidade de mudança urgente, e propôs alterações na forma dos cemitérios, os novos cemitérios deveriam ser ordenados e moralizantes, visando a neutralização dos efeitos causados pelos cadáveres, os médicos acreditavam que os cadáveres mau sepultados poderiam produzir gases na sua decomposição, que causariam doenças e ate epidemias, esses gases eram chamados de "miasmas", médicos do período já alertavam mesmo antes da febre amarela, do perigo dos enterros dentro das igrejas.

Tolerar que os enterros se façam nos corpos das igrejas, e quanto antes se estabelecerão lugares para as sepulturas necessárias a quantidade de corpos que recebem. Os cadáveres serão encomendados em casa, cobertos de uma camada de cal, e encerrados em caixões inteiros de madeira perfeitamente unidos e fechados. Só assim se evitara respirar-se miasmas que sempre prejudicam e que aumentem a repugnância que se tem aos mortos.5

 

 

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.4Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997. pág 54

A necessidade então na época era que fosse feito em caráter de urgência cemitérios extra-muros, fora da cidade, para que os cadáveres não mais contaminasse a população, leis foram criadas proibindo estes enterros dentro das igrejas, a situação era insuportável, mas o que mais me chamou a atenção, foi que antes do alerta dos médicos em relação ao miasmas, os gases que saiam do corpos em putrefação, a população convivia em harmonia com esses corpos dentro de suas casa e dentro das igrejas, e impressionante que a sensibilidade em relação ao mau cheiro da putrefação não havia sido ainda difundida entre a população, este mau cheiro so começou a ser percebido depois que os médicos higienialistas, começaram a difundir a vigilância olfativa. Para alguns padres as pessoas percebiam os maus cheiros mas os suportavam em sinal de fé.

Desde o século XVIII, já se pensava em transferir para fora da cidade os cemitérios, e

Mesmo com leis que já proibiam esses enterros só após a epidemia, algo começou a ser feito, a irmandade de São Francisco De Paula, já tinha um terreno em que se destinava a construção de um cemitério no arredores da corte no bairro do Catumbi, quando do surto de febre amarela, a câmara municipal solicitou a irmandade que fosse aceitos no cemitério aproximadamente 3.000 enterros. A irmandade resistiu mas sofreu intervenção do ministro dos negócios do império e teve de aceitar sem mais cerimônias estes sepultamentos.

No Rio de Janeiro, esta mudança de sepultamento foi natural, e não encontrei relatos de revoltas ou resistências significativas por parte da população, mas a coisa não foi semelhante na Bahia, conforme relata João Jose Reis, as irmandades não aceitaram pacificamente a construção e administração de cemitérios por parte da iniciativa privada, o que gerou "A Cemiterada"6,

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.5Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997. pág 60

Aonde um campo santo conforme pretendia se chamar o terreno aonde seria construído o cemitério, foi totalmente destruído pela população, proposta parecida foi feita também aqui no Rio de Janeiro, mas não teve a mesma repercussão revoltosa.

Os enterramentos foram então aos poucos sendo realizados nos cemitérios que foram construídos ao redor da cidade, todos ainda administrados pelas igrejas ou irmandades, e muitas eram as dificuldades para se enterrar pessoas que não eram da religião ou não pertenciam a irmandade, com o passar dos tempos para o final do século XIX, a secularização dos cemitérios foi inevitável, a igreja tentou de todas as formas controlar os enterros também dentro dos cemitérios negando sepultamento a que não teve uma vida dignamente no caminho do cristianismo, mesmo assim esta resistência foi aos poucos vencida, outros cemitérios de religiões diferentes foram construídos na cidade para abrigar quem era rejeitado pela igreja. E o que era eclesiástico passou a se tornar mundano.

6.Reis, João Jose, A Morte e uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 1991.

Conclusão

Preocupado com um tema tão complexo efascinante, o pouco tempo que me restou dediquei a elaboração deste trabalho, as dificuldades foram muitas, devido a poucos pesquisadoresabordarem este assunto, mas o material que utilizei por sua riqueza me propôs reflexões encantadoras, este tema conforme falei na introdução deste trabalho me surgiu ao visitar o cemitério do Catumbi, no centro da cidade, confesso que fiquei impressionado, com as datas que encontrei nos túmulos, sepulturas que datavam de 1868, tais datas me chamaram a atenção e fui de encontro devido a minha curiosidade, a buscar maiores informações, na administração deste cemitério me informaram que sua data de criação era de 1849, e que pertencia a Ordem Terceira de São Francisco de Paula, situada no Largo do São Francisco, também centro do Rio.

Após adquiri conhecimento sobre o cemitério, tive a idéia de estudar o tema em questão, fui orientado a procurar o livro, Lugares dos Mortos na Terra dos Vivos, da professora Claudia Rodrigues, tal livro abriu meus caminhos e muitos outros foram aparecendo, que se completaram nesta pesquisa. O importante para mim foi saber que por mais que encontrava respostas para uma questão mais outras surgiam, só comprovando a complexidade e a riqueza deste tema.

Desta forma resolvi utilizar o tema em meu trabalho de conclusão de curso e apósa aceitação do professor orientador, em relação ao tema escolhido parti para a efetivação do trabalho.Durante todo o processoo que mais me chamou a atenção foi o fato de a Igreja Católica ter assumido a responsabilidade dos cultos aos mortos, o que era uma pratica das famílias, e dele concretizar e intensificar sua doutrina, a Igreja teve papel principal durante todo o processo Histórico em relação a morte, todos os fatores e mudanças foram acompanhados e motivados pela intervenção da igreja.

Interessante também e perceber a imaginação das pessoas em seus tempo, os costumes fúnebres, as superstições, e o medo da morte ficam claros ao se trabalhar este tema, o medo sempre presente e utilizado como ferramenta por parte da igreja neste processo de domínio e imposição de doutrinas. A população tem sua parcela significativa neste processo de continuidade no trato com a morte pois e ela que passa de geração a geração os rituais e costumes, não deixando assim desaparecer esta cultura adquirida

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

.Aries Philippe. Historia da Morte no Ocidente: da Idade Media aos nossos dias: tradução de Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro, F. Alves. 1977. pág 31

 

.Chiavenato, Julio Jose, 1939- A Morte: uma abordagem sócio cultural / Julio Jose Chiavenato. São Paulo : Moderna, 1998.

.Reis, João Jose, A Morte e uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 1991.

.Rodrigues, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos Vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. / Claudia Rodrigues, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de cultura, Departamento geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997. pág 60


Autor: rogerio torres


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