A Maldição da Lenda - Capítulo I





CAPÍTULO UM
A Lenda da Maldição
É pena, Excelência. Não sabemos mais o que fazer com a onda de crimes que invadiu Serra Dourada. Foram cinco delegados que se amedrontaram pela chantagem psicológica e se afastaram, um foi violentamente assassinado e um sofreu misterioso acidente e deixou a população aterrorizada.
_ Muito bem, Sr. Prefeito, mas o senhor não tem a menor idéia de onde partem tais desmandos? Uma pista, um comentário, uma referência? Nada?
_ Sinto, Excelência, mas nada há que nos dê qualquer pista para levar aos assassinos. Com certeza o único a descobrir qualquer coisa foi o delegado Euclides, que ficou surpreso e me telefonou informando ter descoberto uma pista para algo monstruoso. Eu era candidato, e depois dele, tivemos mais seis que ou abandonaram o cargo ou foram mortos por assassinato ou por acidente. O problema é que estamos sendo pressionados pela comunidade, o juiz, o padre e eu, sob pena de vermos as casas em total abandono. Numa palavra, Serra Dourada encontra-se em vias de ser tornada uma cidade fantasma como as dos filmes americanos.
_ Como anda, Sr. Prefeito, o processo de nomeação do novo delegado?
_ Sr. Governador, o motivo pelo qual encontro-me diante de V.ex.ª, é que nenhum dos cidadãos de Serra Dourada quer assumir, temendo sofrer o mesmo, ou seja, morrer prematuramente ou abandonar o cargo sob a pressão chantagista.
_ Como sabe o senhor que são chantageados?
_ Primeiro foi só uma suspeita que tomou corpo após a morte do Epaminondas. Ele havia deixado o cargo sem explicações, mas cometeu o erro de confidenciar ao Fulgêncio o telefonema que recebera de ficar calado, recebendo os proventos, fechar os olhos e tapar os ouvidos. Homem de fibra mas com filhos para criar, preferiu deixar para quem tivesse mais coragem. Indignado, o Fulgêncio alardeou que não iria deixar a coisa como estava, e assumiu a delegacia. Daí, morreu Epaminondas envenenado. Nós sabíamos da sua mania de colher a primeira laranja que estivesse ao alcance da mão e fazer um suco, de manhã cedo. Sabedor disso, foi o bastante aplicar o veneno com uma seringa de injeção na laranja que estava mais próxima da porta da cozinha e aguardar que ela fosse colhida cedo ou tarde. Infelizmente, foi muito cedo. O Fulgêncio, temperamental e destemido, recebeu um telefonema e foi encontrado com o corpo crivado de balas em frente à sua casa, quando saía para ir ao encontro do misterioso comunicador.
_ Uma dúvida, Sr. Prefeito, se todos na cidade se conhecem, ou pelo menos parecem se conhecer, por que a voz não é identificada e por que não se ouviram os tiros que mataram o delegado?
_ Comenta-se que o Epaminondas não identificou a voz porque parecia a de um pato, muito fanhosa, e a arma era munida de silenciador. Por estes motivos é que venho rogar a V. exª. que mande um delegado experimentado, se não uma força policial que vá lutar contra um fantasma, pode-se dizer inexistente.
_ Sr. Prefeito, qual seria o motivo, qual seria a causa desses crimes?
_ Aí está, Excelência, o problema. Nada temos que justifique essas mortes. Somos pessoas pacatas que vivemos modestamente do cultivo do feijão, milho, arroz, mandioca, criando porcos e galinhas. Os mais abastados possuem umas vacas, mas em perfeita harmonia, a não ser pela MALDIÇÃO DA LENDA...
_ MALDIÇÃO DA LENDA?!... Que lenda?
_ Na época da colonização, os bandeirantes encontraram uma tribo indígena muito próspera no local onde hoje os nossos jovens se reúnem em piquenique, ao pé de uma enorme castanheira, que era o local preferido do cacique se sentar, em conselho, com o seu povo. Os bandeirantes sentiram a hospitalidade e acamparam no local, pretendendo renovar as provisões e continuar desbravando. No meio deles havia, como em todos os lugares, pessoas de temperamento violento, que estavam constantemente em choque entre si e com os nativos, tanto por questões de direito como por causa das mulheres silvícolas que, dizem, eram muito bonitas, porque não dizer verdadeiramente belas...
O governador emitiu um Oh! de admiração e o convidou a continuar.
_ Na época da colheita, estavam muito felizes mas um dos exploradores havia se apaixonado pela filha do cacique, prometida ao filho do pajé e resolveu tomá-la a força num momento que a encontrou na beira do rio, mas foi descoberto pelo rival, desconfiado, que lhe seguia os passos. Lutaram e apesar da força e agilidade do índio, o bandeirante versado em artes marciais dos países por onde andara como marinheiro e pirata, terminou por deixar ali o jovem mancebo com os sonhos de moço. A moça contou ao cacique que saiu em busca do agressor. As facções lutaram muito e a destruição foi inevitável. Conta-se que ao dar o último suspiro, o cacique declarou que naquele local, sempre que houvesse alguma maldade no coração de qualquer homem, os moradores seriam amaldiçoados. Os sobreviventes fundaram um povoado que recebeu moradores nascidos ou chegantes. A lenda passou de pai para filho e há três ou quatro gerações, os costumes fixaram a tradição de homenagear aquele povo pacífico com piqueniques anuais no local da tragédia. Só não sabemos como nem onde encaixar estes fatos à lenda, que nem sabemos ao certo se é verdadeira, apesar dos registros.
Pensativo, o governador quedou-se, meditabundo, deixando o interlocutor intrigado com o turbilhão de pensamentos que cruzavam aquela mente notadamente brilhante.




Autor: Raul Santos


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