A Maldição da Lenda - O Cargo e "o Pato"









CAPÍTULO CINCO
O Cargo e o PATO
Alberto levantou o fone, com estranho pressentimento que se confirmou às primeiras palavras na voz fanhosa, como se fosse realmente um pato:
_ Olá, otário! Quer dar uma viajada, ou vai fugir como coelho assustado?
_ Quem é você? Quem está falando?
_ Olha, vou lhe dar também sessenta dias, nem mais um segundo, pra enfiar o rabo no meio das pernas e sumir do mapa, ouviu?
_ Vamos conversar! Tenho uma proposta a lhe fazer...
_ Se no final de sessenta dias você não der nos calos, sua vida não vai valer nem um centavo furado!...
_ Onde posso lhe encontrar pra conversarmos?
_ E tem mais. Lembre-se de que na farmácia do seu pai tem muito álcool e aquilo pega fogo muito fácil!...
_ Se você quiser conversar, prometo que ninguém vai saber...
_ Você só vai ficar porque é o otário que é e não vai querer bancar o herói. Vai brincar com sua guitarra e não se meta a besta comigo pra garantir mais uns dias de vida. ? CLIC!... TUT! TUT! TUT!...
_ Alo?!... Alo?!... Desligou!... Bem, esse cara ou fez pouco caso ou é surdo como uma porta, pois não deu o menor sinal de ter ouvido. Parece até que era decorado!... Decorado?!... Alberto, meu filho, meus parabéns por ter aceitado este cargo!... Sem isto, você jamais teria descoberto que a mensagem foi gravada!...
Parou para refletir e apesar do impacto, rememorou as palavras que ouvira. Revisou o telefonema, certo de que o objetivo, ao menos por enquanto, era de assustá-lo. Convenceu-se de que tudo o que tinha a fazer era pegar a guitarra, ir para a rua e continuar tocando com a turma que o abraçava anteriormente.
Preparou-se para sair, mas ouviu novamente a campainha do telefone e ficou de sobreaviso. Enquanto se encaminhava para o aparelho, refletia:
_ Esses caras estão muito a fim do papai, aqui. Nunca fui tão cotado, nem mesmo quando estou com a guitarra. Delegacia de Polícia de Serra Dourada?!...
_ Está ótimo nas novas funções! Tão bom quanto com a guitarra!...
Não era preciso melhor código de identificação. Imediatamente reconheceu a voz do outro lado da linha. Ficou um pouco sem saber qual o tratamento a dispensar e resolveu se manter calado. Como em socorro ao seu embaraço, a voz continuou, porém:
_ Alguma novidade nas últimas horas?
_ Oh, sim!... ? Pensou um pouco e completou: Minha guitarra apresenta uma certa dissonância e acho que preciso ir à capital para ver o que está acontecendo com ela. Aqui não temos pessoas especializadas.
_ Quando chegar aí, quero que ela esteja em forma pra gente tocar mais. E aí, conseguiu o que, sobre a terra? Não quero coisa cara pois a grana é curta!
_ Não! Ainda não apareceu nada, mas vou continuar procurando.
_ Tudo bem! Vou desligar. Um telefonema hoje está pelos olhos da cara.
_ OK! Qualquer coisa, aviso.
* * * * *
_ Bom dia, Excelência!
_ Oh! Jovem delegado, como está nas novas atribuições? Se saindo bem?
_ Razoavelmente, pouco mais ou menos que um peixe fora d?água!...
_ Com um pouco de treino, os peixes aprendem respirar!...
_ Se não forem devorados antes ou, puf! ? Espalmou as mãos.
_ Conhece a história do caboclo que ia ensinar o cavalo viver sem comer?
_ Não, o que aconteceu?
_ É! O bicho agüentou trinta dias no mourão e morreu. Daí, o dono disse: Coitadinho, já estava acostumando!... ? Riram e mudaram de assunto.
_ Desculpe se inventei um defeito para a guitarra de último momento, mas não podia correr o risco de denunciá-lo no início das investigações.
_ Havia alguém com você?
_ Pior! O pato não se fez esperar. Logo que assumi, o telefone tocou e ele disse que eu me mantivesse afastado, ficasse de boca fechada por sessenta dias e depois pedisse as contas. Que a farmácia do meu pai tem muitos litros de álcool que inflama com facilidade e que eu só fico porque sou otário e o melhor que faço é ir tocar guitarra. Como eu não sabia se o telefone estava grampeado, preferi não correr o risco.
_ Quando foi que ele ligou?
_ Dez minutos antes do senhor.
_ Éééééé!... Temos de traçar um plano com urgência. Não sou homem de desprezar qualquer sugestão e logo que cheguei, pedi ao Centro de Observações Aeroespaciais para examinarem se consta alguma reserva mineral na região que obedece às coordenadas geográficas do seu município. Se forem confirmadas as suspeitas, vamos levar o caso à Polícia Federal porque na certa você acertou ao falar de espionagem internacional. Só resta descobrir quem é ou quem são os assassinos. Tenha certeza de que não se trata de gentinha. Comece a observar os tubarões, pois as sardinhas estão escondidas nas locas.
_ Mineração?! ? Quase gritou Alberto, estalando os dedos. ? Gentinha?! Tubarão?! Dinheiro?! Terraplanagem?! Canteiro de Obras?! é isso?!...
_ Você é um gênio, meu rapaz. Não entendi onde quer chegar, mas sei que este é o caminho certo. Agora troque em miúdos pra que eu possa entender.
_ Farei isso! ? Respondeu, com o rosto afogueado. ? Mas antes, por favor, ligue pra perícia. Preciso analisar o caso dos ângulos. Estou com uns pressentimentos e algo me diz que ao descobrirmos o ângulo de penetração das balas, teremos o assassino ou assassinos nas palmas das mãos.
_ Pessoalmente não posso fazer isso, pra não levantar suspeitas, mas ao sair daqui pode ir ao Departamento de Polícia, que estarão à sua espera. Mas explique o que significa isso de terraplanagem!?...
_ Vossa Excelência deve ter conhecimento que estão construindo uma barragem, para o abastecimento de água e as máquinas trabalham há um ano. Só não entendo como não deram com nada ainda, se é que existe algum minério por lá!...
_ OK! Vamos guardar para a primeira oportunidade. Agora vamos à balística. ? Deu instruções à secretária. Alberto levantou-se e foi recomendado:
_ Antes de viajar, faça um relatório. Quero todos os passos desta investigação. Não se esqueça da guitarra. Um pequeno erro e tudo irá por água abaixo.
_ Por água abaixo?!... Era exatamente nisso que eu estava pensando!
_ O que há, rapaz? Será que temos as respostas e continuamos com as perguntas?...
_ Não é bem isso, Excelência! É que apesar do contato diário que tenho em Serra Dourada, jamais me preocupei em saber isto ou aquilo. Por exemplo, as minhas suspeitas convergem para a pessoa do prefeito. ? O governador fez um gesto de incredulidade e ele continuou. ? Antes de ser eleito, o Euclides, apesar de ser delegado, era como um cabo eleitoral. Sabe como é, nas cidades pequenas todo mundo é um pouco de tudo. Sua participação era publicamente pessoal, quer dizer, todos sabíamos que ele queria o melhor para Serra Dourada e trabalhava incansavelmente para a vitória do Sr. Afonso. Não creio em absoluto que ele não tenha compartilhado o segredo com o então candidato. Acho que pela amizade dos dois, a confidência deve ter sido feita.
_ Infelizmente não fez! Na semana passada, quando ele esteve aqui, falou que o delegado tinha telefonado dizendo ter descoberto algo quiçá monstruoso, mas não quis dizer pelo telefone e não teve tempo de falar pessoalmente.
_ Mais um motivo para suspeitas. Não importa o quê, mas ele sabia que o Euclides descobrira algo que de tão importante, no mesmo dia veio a lhe custar a vida. De uma forma ou de outra, o segredo fora revelado e o sigilo tinha de continuar. O segundo aspecto, que é também o terceiro, o nosso atual prefeito andava muito na prefeitura porque era o candidato apoiado pelo antecessor. O Euclides foi assassinado na praça da prefeitura, depois de ter passado pela casa do Lourenço, que fica entre sua casa e a praça. Quer dizer que ele deveria estar indo para a prefeitura contar a descoberta, mas não chegou a fazer porque não interessava a quem devia ouvir, se o prefeito em exercício também devia estar lá. O quarto aspecto é que o Fulgêncio também morava na rua que entra na praça, logo nas últimas casas. Pode-se ter um ótimo ângulo de tiro da prefeitura para a casa dele.
_ Espera aí, no dia em que estive na sua cidade, ouvi as mais diversas opiniões a respeito da laranjada do Epaminondas, mas nenhuma delas coincidiu com a do prefeito, aqui neste gabinete, dizendo que injetaram veneno na laranja com uma seringa de injeção.
_ Meu Deus! ? Exclamou, abobalhadamente ? em lugares pequenos as notícias correm como o vento e posso afirmar categoricamente que ninguém, mas ninguém mesmo, levantou sequer a mínima hipótese a esse respeito. Todas as pessoas estão se perguntando se foi veneno na água ou no açúcar ou se foi coração, mas veneno na laranja? Meu Deus! Juro, Excelência, que ninguém tocou jamais nesse assunto. Não sou de tirar conclusões precipitadas, mas esta declaração vem apenas reforçar as suspeitas de que ele é o assassino do pobre do Euclides. Só não consigo entender por que uma pessoa mataria outra que a está carregando nas costas, como o cavalo carrega o cavaleiro. Quem deu a vitória ao Sr. Afonso foi o Euclides. Ele não comia e nem dormia direito, só pensando na vitória do seu candidato. Ou a coisa é tão monstruosa a esse ponto, ou então estamos caminhando para o maior de todos os erros judiciários que jamais atravessou este país. Tenho motivos de sobra para pensar dessa maneira. ? Concluiu, misterioso.
_ Belíssima dedução, jovem! Vamos investigar, vamos apurar todos os fatos, todas as suspeitas pra não cometermos uma injustiça. Além disso, se fizermos uma acusação frontal, não se esqueça que ele é o prefeito e se não for o assassino, sua vida e do seu pai correm muito perigo. O verdadeiro assassino não vacilará em matá-los. Basta lembrar que nos próximos dois meses suas atribuições serão exclusivamente as de tocar guitarra.
_ Taí, eu já nem lembrava mais disso! Agora, é tarde! Acho mesmo é que vou sair da linha de fogo das janelas da prefeitura e terei ao menos alguns minutos a mais de vida.
Uma ruga marcou a testa do governador, que comentou:
_ Essa juventude!... ? E sacudiu a cabeça, paternalmente, chamando a secretaria.




Autor: Raul Santos


Artigos Relacionados


A Maldição Da Lenda - (enquanto Chega O Dr. Carlos...)

A Maldição Da Lenda - Escafandro No Rio E Microfone Secreto

A Maldição Da Lenda - Coreografia Para Almoçar? Quem Fez O Quê?...

A Maldição Da Lenda - Dr. Charles Duvida, Mas Colabora, Porém Fica Intrigado

A Maldição Da Lenda - Silêncio Na Quadrilha, Mas A Placa Do Caminhão Faz O Sargento Voar

A Maldição Da Lenda - Conjecturas, Confidências E Arrumações

A Maldição Da Lenda - Qual Foi O Erro Do Script?...