A Maldição da Lenda - Escafandro no Rio e Microfone Secreto







CAPÍTULO OITO
Escafandro no Rio e Microfone Secreto
Alberto encontrou o pai esperando para o almoço, ao meio-dia.
_ Olá, papai, como foi a manhã? Calminha ou agitada?
_ Oi, filho, mais ou menos calma, mais ou menos agitada, pra ter perfeita dosagem no medicamento!
_ Falou, Doutor! Se não fosse farmacêutico, seria, inevitavelmente, farmacêutico ou farmacêutico. Acertei na receita?
_ Farmacêutico, hein? Quer trocar? Eu delegado e você tesoureiro, topa?
_ Quer papinho com o Pato, não é? Muito obrigado! Deixa eu com o meu patinho feio, pelo menos nos próximos sessenta dias. E, aí, alguma novidade?
_ Normal! O prefeito queria sugestões sobre a canalização do Córrego do Ouro pra irrigar a horta e o pomar e o Pernambuco sugeriu a passagem da tubulação por baixo do gramado do Parque. O prefeito ligou pro Rio de Janeiro e o dono da ENGETEC ficou de ligar pra Brasília e ver o que podia conseguir.
_ Peraí, papai! O que é isso de tubulação por baixo do gramado? Não era público e notório que devia passar um canal de irrigação? Por que isso agora?
_ Desculpe, filho, eu devia ter começado do princípio! ? Justificou, meio embaraçado. ? Esqueci que você não estava lá. Do princípio, então, quando o Afonso era candidato, um dos principais objetivos, se não o principal, era a construção da barragem pra represar o Córrego do Ouro, fornecer água pra cidade e canalizar pra irrigar a área vizinha ao Parque, projetada pra a criação de uma horta comunitária e um pomar. Acontece que o Dr. Lourinaldo, quando era Delegado de Terras, requereu o subsolo ao redor da castanheira num raio de cem metros pros lados e vinte pra baixo, como se previsse algum projeto semelhante, talvez pela intuição profissional e agora frustrou a tentativa de desviar o curso do riacho, o que deixou o prefeito preocupado com as máquinas da ENGETEC que não podem tocar o serviço nem ficar paradas e nem retornar pro Rio de Janeiro. O Dr. Charles Burnier recusou a sugestão do Pernambuco de passar a tubulação por baixo do gramado, querendo a anulação do tombamento.
_ O que foi que o tesoureiro disse?
_ Bom! Eu perguntei qual a utilidade do escafandro!...
_ Escafandro em Serra Dourada? Que negócio é esse? Isto aqui virou alto-mar ou estou sonhando acordado? ? Perguntou o rapaz, num assombro.
_ Sim, filho, escafandro! Tive o cuidado de perguntar pra que o escafandro, mas deixa eu contar. No fundo do rio foi colocada uma caixa feita com chapas de ferro, e disse o Dr. Charles que é pra o tratamento da água, cujo interior é uma verdadeira casa cheia de salões dotados de válvulas, comportas, filtros, passagens falsas de um salão pra o outro, pra limpar a água, etc. Em épocas de chuva, a água que entrar no primeiro salão vai deixar os filtros cheios de barro e será necessário o escafandro pra a limpeza. Foi a resposta dele!
_ Impressionante! ? Comentou, laconicamente, Alberto.
_ Impressionante ? repetiu, laconicamente, tentando fazer eco. ? Quem poderia imaginar que algum dia alguém fosse cometer o disparate de usar um escafandro em Serra Dourada, como se nossos cofres estivessem abarrotados!...
_ Papai, quanto tempo o Dr. Charles demorou pra responder a pergunta?
_ Foi imediato! Fez parte da conversa. Alguma dúvida a respeito, filho?...
_ Sim, papai, muitas! Quando conversei com o governador, falamos de infidelidade conjugal e de espionagem industrial ou internacional, evidenciando a possibilidade de sob o nosso solo haver uma mina de alguma coisa muito valiosa que pode ter sido localizada por satélites. Se for verdade, não será o padeiro ou o lixeiro quem deverá saber de tal coisa e sim alguém de cúpula. Sendo o Dr. Charles uma pessoa que se encontra entre nós há apenas dois anos como Secretário de Obras e com todo o conhecimento técnico que traz na bagagem, é, na verdade, a pessoa mais indicada para ser alvo das suspeitas. Papai, temos de vigiar este homem dia e noite. Precisamos fazer um levantamento sigiloso dos gastos que a Prefeitura vem tendo com equipamento técnico. Receio que por trás desse escafandro esteja havendo algo de assombrosamente vultoso debaixo dos nossos narizes e não estamos vendo. Trocando em miúdos, papai, vou entrar naquela caixa e verificar de perto o que ela tem. ? Concluiu com rosto afogueado.
_ Filho, e se ele for o assassino? Sua vida vai correr um enorme risco!...
_ Não se preocupe, papai! Não vou descer de qualquer jeito. Vou traçar um plano de ação pra empreender a aventura, pois ainda não tenho nada em mente. Não se esqueça de que minha preocupação maior é sua vida, pois até a farmácia já foi ameaçada. Até agora, temos dois suspeitos que, ou o assassino é um dos dois ou ambos ou, o que é pior, nenhum deles e a gente está correndo atrás de fantasmas. Pode ser que tudo o que está acontecendo não passe de um amontoado de coincidências e que os verdadeiros culpados sejam bem outros e o motivo também. Papai, acredito que o Dr. Charles não deve fazer sigilo quanto a guarda dos planos da rede hidráulica, não é? Sinto ter de envolvê-lo nisto, papai, sinto muito, mesmo, mas precisamos conhecer essa bendita caixa por dentro e por fora, como as palmas das nossas mãos. Se meu palpite estiver certo, uma dessas passagens falsas deve ser a via de acesso pra os subterrâneos do córrego. Pelo tempo que instalaram a caixa, creio que já deve ter qualquer coisa bem avançada. Acompanhe o meu raciocínio e discorde se puder. O Dr. Charles trabalhava no Serviço de Geoaerofotogrametria, no Centro de Observações Aeroespaciais e um belo dia dá de cara com a informação de que no paralelo tal, meridiano tal, há uma invejável mina de ouro ou coisa que o valha. As pesquisas são confirmadas e levam ao conhecimento do Governo Federal que anda às voltas com Serra Pelada e manda abafar o caso, como fazem as companhias de petróleo, pra manter as reservas e etc. O Dr. Charles aprofunda-se nas pesquisas e dá uma olhada no mapa, encontrando na latitude tal, longitude tal, Serra Dourada. Atraído pelo nome da cidade e do córrego, tira férias e vem verificar o motivo das suspeitas e encontra um prefeito que tem um candidato a sucessão com umas idéias meio malucas de barragem, horta comunitária, pomar, criatório de cabras, canalização, etc. Checa os recursos do Município e constata ser razoável a receita. Apresenta-se ao candidato e dá um leve toque, como se fosse idéia própria. O homem que andava de olhos revirados e todo suspiros pelo projeto, só falta colocar o Sassá Mutema no colo e convida imediatamente a ser assessor quando vencer a campanha eleitoral. Ele consulta as pesquisas e verifica ser o homem imbatível nas urnas e o convence a ser aceito pelo atual prefeito na Secretaria de Obras, ficando com a manteiga, o queijo, a faca e o pão prontos para o sanduíche. Cutuca daqui, cutuca dali, dá de cara com o filão ou pelo menos algumas pepitas michurucas que lhe facilitam as primeiras despesas e começa a contrabandear o minério, mas é descoberto pelo delegado que, inexperiente, telefona para o maior amigo, o candidato a prefeito, que repassa a preocupação ainda incógnita ao próprio interessado, o Dr. Charles, informando ainda que o está aguardando à noite para ouvir a história. Expert no manejo das armas, o Dr. Charles observa tranqüilamente por uma das janelas da Prefeitura, enquanto na sala ao lado o prefeito e o candidato traçam planos de campanha sem ao menos imaginarem que a apenas dez passos um assassinato está sendo friamente planejado. Preocupado com a descoberta, o delegado Euclides caminha para a prefeitura sem perceber que de uma das janelas a morte o espreita silenciosamente. Ao passar embaixo da lâmpada de mercúrio da praça, oferece um belo alvo para o homem que não hesita e atira uma, duas, três vezes com um moderníssimo rifle automático de longo alcance, prostrando-o no solo. O novo delegado abre o inquérito e o Pato é criado para assustar curiosos, até que o Epaminondas dá com a língua nos dentes para o Fulgêncio e, sem que se liguem os fatos, cada um tem uma morte diferente, no mesmo dia, sobrando agora toda essa bananosa nas nossas mãos pra descascar, se pudermos. Que acha, papai, sonho ou realidade?
_ Nos sonhos, como nos filmes, meu filho, toda realidade é permitida, mas na realidade, não se deve sonhar demais. Se isto é sonho ou realidade, já se foram três bons amigos, quatro estão apavorados, sendo inclusive tachados de covardes e o meu próprio filho enterrado até o pescoço no lodaçal e se alguém pode fazer alguma coisa, este alguém sou eu, só que não vejo nada na minha frente que possa fazer pra enfrentar...
Alberto colocou o indicador sobre os lábios, interrompendo a frase de Agnelo pela metade, recomendando silêncio e olhou ao redor, pálido como se visse um fantasma. Quando o pai quis dizer qualquer coisa, fez um gesto desesperado de silêncio, retirou a caneta do bolso, pegou um papel e escreveu:
MICROFONE
Agnelo leu o minúsculo texto e também empalideceu, pondo-se a tentar seguir o raciocínio do rapaz, que, reconhecia, ser bem mais aguçada do que a sua.
_ Puxa! Falei tanto que até me deu sede. Quer água, papai?
_ Acho que um copo d?água e um cafezinho caem bem ? respondeu, impressionado com a facilidade de reflexo do filho. Arrastaram as cadeiras e, silenciosamente, puseram-se a procurar pela casa onde julgavam ser possível a colocação do aparelho, vasculhando canto por canto ate que em dado momento ao re-mover um quadro de São Jorge da parede, como se fosse uma pequenina aranha por entre as teias encontraram o minúsculo aparelho. Voltaram-se um para o outro pálidos e silenciosos como cadáveres. Devolveram o quadro à parede e Alberto fez um gesto para saírem. No quintal, foi direto ao assunto:
_ Papai, estamos no horário do almoço e o assassino só ataca na praça e à noite. Além disso, praticamente já sabemos quem é. Se ele ouviu a nossa conversa, só tem duas coisas a fazer, ou vai tentar nos pegar como fez com o Fulgêncio ou desaparecer da cidade a passos largos. Afinal, sente que o segredo está se espalhando e o cerco apertando.
Agnelo assentiu, fingindo uma segurança que estava longe de sentir.
_ OK! Então vamos almoçar e depois registrar uma queixa contra ele!
_ Se o delegado estiver. Esses caras só querem faturar a grana do governo e não fazer nada!... ? Abraçaram-se, amorosamente e foram para dentro de casa.
Logo que terminaram de almoçar, o telefone tocou e eles se entreolharam meio assustados. Alberto atendeu e passou ao pai, dizendo:
_ É o seu Afonso, pra o Senhor!...
Agnelo pegou o aparelho, ouviu por um instante e respondeu:
_ Tudo bem, depois do almoço vou verificar. ? Desligou e informou:
_ O Dr. Charles foi medir a área e o Afonso quer o levantamento de verbas pra informar a ENGETEC. ? Enquanto falava, percebeu que a fisionomia do rapaz se iluminava num sorriso e perguntou meio encabulado:
_ Feliz, meu filho, com o provável sucesso do empreendimento?
_ Papai, tudo que se refere a benefício pra a nossa cidade me dá muito prazer. ? Apontou o quadro de São Jorge, fez um gesto para irem ao quintal e completou: Bem! Se o senhor está indo pra a prefeitura, eu também vou pra a delegacia. Não tenho nada mesmo pra fazer nesta cidade paradisíaca!...
No quintal, falou, entusiasticamente:
_ Papai, fomos salvos pelo gongo! Uma pessoa não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Se o Dr. Charles estava no campo, não estava na cidade e se não estava na cidade, não pode ter ouvido a nossa conversa, concorda?
_ Filho, você é um gênio! Tenho orgulho de ser o seu pai! ? Concluiu, emocionado.
_ Resta saber se existe mais alguém por trás ou, o que é pior, se realmente é o Dr. Charles. Afinal, o que conseguimos até agora foi um amontoado de suspeitas que nem sabemos se são verdadeiras. Se for ele, não deve estar sozinho, deve ter mais alguém sob suas ordens. Resta saber quantos são, qual a utilidade do escafandro, quem usa, se estão extraindo ouro qual o método usado de escoamento, e etc. Deve ser um processo muito bem organizado de contrabando. Outra coisa, se estão cavando sob o leito do rio, o que estão usando pra evitar desabamentos? ? E, exaltado: Papai, sabe o que está acontecendo em Serra Dourada? Estamos fazendo papel de besta, o senhor, eu, o prefeito, a comunidade em peso!... Meu Deus!... É impressionante como se apresenta tão real!... Não tenho a menor dúvida. Sabe de uma coisa, papai, vou entrar em contato com o governador e requerer uma força policial pra agirmos com segurança. O que acha?
_ Espere, filho. Deixa eu verificar as contas e à noite falamos, OK?...
_ OK, papai, tudo bem!... Então, vamos à luta, que a morte é certa. Acho que demos um grande passo hoje. O Dr. Charles Burnier ou quem quer que seja tem as horas contadas pra prestar contas com a justiça!



Autor: Raul Santos


Artigos Relacionados


A Maldição Da Lenda - Dr. Charles Duvida, Mas Colabora, Porém Fica Intrigado

A Maldição Da Lenda - Em Caráter De Urgência

A Maldição Da Lenda - Conjecturas, Confidências E Arrumações

A Maldição Da Lenda - O Cargo E "o Pato"

A Maldição Da Lenda - Pesadelos E Balas Vindas Do Nada

A Maldição Da Lenda - (enquanto Chega O Dr. Carlos...)

Larápios.