A Maldição da Lenda - Quem Não Tem Memória, Faz Papel de Bobo







CAPÍTULO DEZ
Quem Não Tem Memória, Faz Papel de Bobo

_ Agnelo, não tenho visto Alberto e eu gostaria de conversar com ele. ? pediu o prefeito. Cauteloso, o farmacêutico perguntou:
_ Alguma coisa urgente ou pode ser a qualquer hora?
_ Faz algum tempo que ele assumiu a delegacia e eu queria saber se ele tem alguma coisa sobre as mortes dos delegados. O Euclides foi o baluarte da minha campanha e além disso foram bons amigos que perdemos e não podemos deixar impunes esses assassinatos, não acha?
_ É claro! Mas você há de convir que o meu filho foi colocado lá dentro por indicação não sei de quem e posso garantir que ele não tem absolutamente nada pra relatar de concreto. Depois, tem uma coisa que quero lhe dizer, ele não quer que ninguém saiba porque vai virar alvo de gozação, mas com a história do telefonema do Epaminondas, o negócio do Pato, ele está apavorado e não quer nem tocar no assunto.
_ Pobre rapaz! ? Lamentou o mandatário. ? Eu também não gostaria de estar na pele dele, mas não posso fazer nada pra substituir sem motivo justo, a menos que ele coloque o cargo à disposição!...
_ Mas, se é cargo de confiança, você pode pedir a substituição dele!?...
_ Pra colocar quem, se ninguém quer aceitar?!...
_ É! Acho que você tem razão. Afinal depois de dois assassinatos...
_ Dois assassinatos? E você não conta o Epaminondas?
_ Ora, todo mundo sabe que ele morreu enquanto tomava a laranjada...
_ ... que estava envenenada! ? Interrompeu o prefeito.
_ Qual a prova, alguém fez exame?
_ Bem, não, mas foi dito que o assassino aplicou o veneno na laranja com uma seringa de injeção, você não ouviu falar também?
_ Não! ? Mentiu o farmacêutico. ? Esta é a primeira vez que ouço alguém falar sobre isto. Quem foi que lhe falou?
O prefeito fez um esforço de memória tentando lembrar, desistiu e disse:
_ Sinceramente, não me lembro. Certamente foi alguém que comentou, talvez por acaso, e eu ouvi, não sei!...
_ E você não acha que quem que falou tem conhecimento de causa?
_ Como assim?
_ Raciocine comigo. O Epaminondas morreu, digamos, envenenado com a laranja. O culpado, discretamente sugere ao prefeito que foi veneno aplicado com uma seringa. O prefeito espalha o boato ou pelo menos comenta com uma ou duas pessoas. Ora, no caso, quem espalhou o boato, levou a notícia surgida do prefeito e não de quem falou pra ele. Depois do boato generalizado, ninguém mais vai poder saber de onde partiu. Sugiro a você fazer o máximo de silêncio a respeito, e mais, tentar a todo custo lembrar quem falou. ? Disse o farmacêutico com uma pontinha de orgulho, desejando que o filho estivesse perto para acompanhar sua linha de raciocínio, mas logo se envergonhou, pois ele sabia antecipadamente e foi só transformar em palavras o que era apenas idéia, enquanto o filho tirava as idéias das circunstâncias, conforme elas se apresentavam.
Pateticamente, o prefeito olhou para o interlocutor e disse:
_ Quer dizer que tentaram me fazer de idiota perante o povo do município e eu seria no caso o originador do boato, não foi?
_ Não quero dizer que tenha sido assim, mas você há de convir que as aparências indicam, concorda?
Envergonhado com o papel que estivera a ponto de representar inconscientemente, o homem disse, laconicamente:
_ Concordo! ? E, levantando da confortável poltrona que se houvera sentado durante a conversa, enquanto caminhavam, falou, decidido:
_ Se não caí no ridículo até agora, vai ser difícil cair de agora em diante. Prometo que vou tentar me lembrar quem falou.
Consciente do dever cumprido ao plantar a semente, retornou ao serviço, atacando com entusiasmo redobrado o levantamento das contas, passando o restante da manhã nas buscas, checando um balancete aqui, conferindo uma fatura ali, somando um total acolá, até que percebeu o movimento de saída para o almoço. Arrumou a papelada, trancou a porta e saiu, defrontando-se com o Dr. Charles Burnier, circunspeto, no seu ar de poucas palavras. Trocaram um leve aceno, dirigindo-se ambos para a saída, o que ensejou o início da conversa, cujo tema girou em torno das obras, naturalmente, que era do interesse de ambos. Se tinha sido tema de reunião, não havia motivo para sigilo.
_ Então, Dr. Charles, podemos contar com alguma esperança na liberação dos tubos por baixo do gramado?
_ Ontem fui fazer um levantamento da área e pretendo concluir o relatório ainda hoje, momento em que passarei às mãos do prefeito para que as providências cabíveis sejam tomadas. ? Concluiu, dirigindo-se a lugar diverso ao do interlocutor. Intrigado, o farmacêutico franziu o sobrolho.




Autor: Raul Santos


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