A Maldição da Lenda - Falcão Entra na Caçada Com o Cérebro a Mil







CAPÍTULO ONZE
Falcão Entra na Caçada Com o Cérebro a Mil

_ Delegado, amanhã vou precisar de uma dispensa pra ir receber o pagamento. Antes do meio-dia vou estar de volta. Já falei com o sargento.
_ OK, Falcão. À tarde vou dar uma chegada na represa pra fazer uma pesquisa escolar. Você não quer ir comigo, pra conhecer?
_ É uma boa. Nunca mais aconteceu nada de novo por aqui. Pena a gente não descobrir quem matou os delegados. Eles eram meus amigos e se eu pudesse fazia alguma coisa. ? Disse, denotando uma leve ponta de acusação.
_ É verdade, Falcão! Você tem idéia de quem pode ter feito isso e por quê?
_ Se eu tivesse a menor suspeita, eu já tinha descoberto esses criminosos, mas os caras parece que cometem os crimes e se metem debaixo da terra.
_ É, Falcão, eu penso do mesmo jeito. Não tenho a mínima idéia do que pode ter acontecido. O que você acha que a gente devia fazer pra descobrir?
_ Sei lá, rapaz, parece até coisa de filme ou de fantasma. Fantasma não atira e filme, é muito real pra ser coisa de cinema. Tô mais perdido do que cego em tiroteio. Meu negócio é pegar o vagabundo na marra e meter atrás das grades, mas essa coisa de ficar correndo atrás do que não sei o que é, não é comigo, não.
_ É verdade! Vamos almoçar e à tarde, a gente vai na barragem, tá?
_ Tá falado! Então, vamos embora?
_ Almoça conosco? Uma companhia como a sua vai quebrar a monotonia.
_ Se faz questão, não custa filar a bóia do chefe de vez em quando. Dona Marieta, na pensão, vai pensar que saí pra alguma diligência. Já é costume...
_ Por falar em diligência, acho bom você tomar cuidado andando comigo, pois não se sabe a que horas as balas podem começar a circular ao nosso redor...
_ Sou um policial com quinze anos de serviço e já vi algumas coisinhas!...
_ Sei disso, mas é só um aviso pra ter cuidado.
_ Tá falado!...
* * * * *
_ Papai, veja quem veio almoçar com a gente!...
_ Oh! Olá, Falcão, como tem andado?
_ Muito bem de saúde, graças a Deus! Só um tanto aborrecido com as mortes dos delegados, pois eles eram meus amigos.
_ Certo, meu rapaz, mas não se culpe, pois ninguém tem a menor idéia de quem pode ter feito isso.
_ Mas eu sou um policial e minha obrigação é proteger a sociedade. Pra isso, ganho do governo o imposto que o senhor paga!...
_ Não seja severo consigo mesmo. Só se pode agir quando há culpa formada, mas até agora não se tem nem suspeita. Como prender quem não existe?
_ É, mas não me perdôo mesmo assim. A coisa que mais desejo neste mundo é descobrir uma pista e ir por ela até o fim, desembaraçando essa tramóia...
_ Falcão, foi por falar assim que o Fulgêncio foi assassinado. Ele só decidiu ser delegado depois que o Epaminondas falou do telefonema do Pato...
_ Eu não esqueço, mas isso não é motivo pra cruzar os braços, vendo os meus amigos serem mortos como porcos e eu sem fazer nada!...
Alberto, viu o rumo que a conversa tomava, entrou no quarto e começou a tocar, dizendo que aquele não era momento para falar de serviço, muito menos de assassinatos, o que deixou o soldado visivelmente aborrecido, acreditando que o rapaz não estivesse nem um pouco interessado no caso. Agnelo percebeu o impasse e temendo que o filho perdesse um valioso aliado, convidou-o a olhar a horta que cultivava, o galinheiro e a criação de coelhos. Alberto continuou tocando e os seguiu instantes depois. Procurou discretamente conduzir o soldado até o abacateiro e disse com certa firmeza:
_Falcão, eu vi que você não gostou do modo como eu desviei o ritmo da conversa, mas eu tenho meus motivos. Acredite que não estamos negligenciando este trabalho, mas antes que a gente possa lhe dar qualquer pista, temos necessidade de saber se podemos contar com sua absoluta discrição, quer dizer, precisa-mos saber se você sabe guardar um segredo sem revelar nem ao seu pai, nem à sua mãe, nem à namorada, nem ao melhor amigo, enquanto tomam uma cerveja.
Nesse ponto, Agnelo achou que todo o caldo estava entornado e que o sol-dado nem iria almoçar, pois de tanta raiva ficara vermelho, encarando o rapaz como se quisesse esganá-lo. Preparado, porém, para o temperamento forte do militar, Alberto assumiu a atitude firme do superior hierárquico e disse:
_ Falcão, não se esqueça que o delegado de Serra Dourada sou eu e no momento sou seu superior. Não estou tentando humilhar, mas pelo contrário, pedindo colaboração e cobertura policial, inclusive com o risco da própria vida, mas pra que eu possa contar o que está acontecendo, preciso antes ter a certeza de que você seja mais discreto que um túmulo. Então, posso confiar em você ou existe alguma dúvida quanto a isso? Por enquanto, só posso adiantar que se você abrir o bico, as vidas de nós três a partir de agora não vão valer mais nem um centavo furado. Aliás, acho que falei até demais.
Perto do abacateiro, colocou o dedo numa das marcas de balas e olhou o militar de maneira significativa. Notou a confusão em que se encontrava a mente franca mas não brilhante do interlocutor, mostrou o outro pedaço, conseguindo arrancar do pai que ainda não tinha visto o resultado do atentado uma exclamação de surpresa e o viu empalidecer. Sentou-se no local em que estivera tocando, iniciou alguns acordes soltos e passou a observar as expressões dos dois homens, tentando adivinhar o vulcão que lhes explodiam nos peitos e o turbilhão de pensamentos que lhes atormentavam as mentes. Aumentou os acordes da guitarra, passando a tocar como se nada estivesse acontecendo. Precisava deixá-los tomar as próprias decisões, porque as suas estavam tomadas Percebeu que se quedavam estáticos como aguardando ordens. Parou de tocar e perguntou:
_ Você entendeu alguma coisa, Falcão?
_ Claro! Isto é marca de bala de calibre grosso. Quem atirou aí?
_ Ainda não recebi sua palavra de que posso confiar no seu silêncio. Desculpe, mas não é pela minha vida que me preocupo, mas pela do meu pai. Você não ignora o que vem acontecendo pra saber que uma palavra só de qualquer um é motivo suficiente pra que nenhum de nós possa contar aos netos o que está acontecendo agora em Serra Dourada. ? Arrematou, dramaticamente, tentando quebrar a tensão do momento. ? Entendeu?
Um pouco confuso com o que acabava de ouvir, o soldado engoliu em seco, acenou de leve com a cabeça e disse, num fio de voz:
_ Sim, entendi!...
_ OK! Tenha certeza de que não vou lhe esconder nada do que eu pensar nem do que vou fazer, mas só vou contar aos poucos pra não lhe confundir a cabeça. Quer tomar um banho pra refrescar a cuca?
_ Não, não é preciso...
_ Ora, Falcão, você é meu convidado pra almoçar. Acha que vou ter apetite, vendo essa cara de velório na minha frente?
Falcão sorriu,percebendo o espírito da coisa e encaminhou-se para a casa.
Um pouco apreensivo com a euforia do soldado, Alberto chamou e disse:
_ Só uma coisa, Falcão: o lugar menos indicado pra falarmos desse assunto é dentro dessa casa. Por favor, não se esqueça disso em momento algum. Esta é a primeira e mais importante lição deste curso. OK?
Falcão sentiu a mente dar um estalo e percebeu que a partir dali todos os conceitos que tivera de policiamento teriam de ser reconsiderados sob a orientação de um garoto leigo que quase poderia ser se não seu filho, mas pelo menos um irmão bem mais novo. Para demonstrar o alcance a que chegara, respondeu:
_ Pode dar as ordens que estou disposto a cumprir, como bom militar!
_ Então, se prepare para uma grande surpresa. Não se esqueça de manter absoluto silêncio, pois esta será a maior de todas as revelações. Preparado?
Falcão acenou com a cabeça, dando a entender que recebera bem a lição. Entraram, pé ante pé, viram a dona Zefa preparando o almoço e foram para a sala. Silenciosamente, Alberto pegou o quadro, virou, colocou os dedos sobre os lábios pedindo silêncio mais uma vez e mostrou o minúsculo microfone oculto em forma de aranha e viu o soldado empalidecer. Cuidadosamente, recolocou o quadro e com um gesto convidou o soldado a voltar para o quintal, onde perguntou:
_ Entendeu agora o que está acontecendo?
¬_ Sim, Alberto! Desculpe se dei aquelas piadas. O que eu queria dizer era que você e os outros eram covardes. Agora descobri que eu é que sou um burro...
_ Não, Falcão, você não é burro e vai ter toda a oportunidade de provar. O que você tem é muita responsabilidade profissional e não aceita injustiça. Se você fosse burro, acha que eu estaria escolhendo logo você pra confiar estes segredos? O que acontecia era que ninguém contava nada e você não sabe adivinhar.
_ Mas, como foi que você descobriu aquilo?
_ Só fiz pensar que ele poderia estar ali e não duvidei da possibilidade. Procurei, e, pronto, lá estava ele. Se não estivesse, teria se confirmado a sua inexistência. Ademais, não fui eu sozinho, teve mais gente na jogada. ? Disse, olhando significativamente para Agnelo, que, discreto, desviou a vista. ? Muito bem, agora chega de emoções por hoje, e vai tomar um banho pra gente ir almoçar.
_ To precisando. Não esperava por este aperitivo. Desculpe, tá, Alberto!...
_ Falcão, por favor, não me faça pensar que confiei cedo demais. Se continuar com a mente voltada pra essas minúcias, vai desviar a atenção do mais importante, abrir a guarda e ser apanhado. E, lembre-se que ainda tenho muita coisa pra lhe contar. Só a título de informação, meu pai perdeu a primeira noite antes que eu lhe contasse, e agora nem parece que está aqui. Mas se eu bem o conheço, sei que aí dentro está morando um vulcão prestes a explodir a qualquer momento. Tenho até pena desse pobre coitado que anda fazendo essas estrepolias por aí, pois na hora que a gente botar as mãos nele, nem sei o que este velhão vai ser capaz de fazer pra mantê-lo atrás das grades pelo resto da vida.
_ E não é só ele. O pior castigo seria pedir esmola em Serra Dourada, pois iria morrer de fome e sede na primeira semana, se não acontecesse coisa pior.
_Tá bom, agora se você não for tomar banho, vai ficar com fome. Dona Zefa, por favor, arranja uma toalha pra o Falcão. Outra coisa, lá dentro, só vamos falar de galinhas, horta, coelhos, guitarra, prefeitura, etc. Se tocarmos no assunto, vai ser só pra fazer papel de besta. O cara que estiver ouvindo, vai ficar muito feliz, lá do outro lado.
_ Ah! Então foi por isto que vocês não tiraram o negócio de lá!?... Eu estava me perguntando o motivo. Mas não é muito arriscado deixar aquilo lá?
_ Não vale o risco, dizer ao inimigo que estamos no caminho que ele quer?
_ Claro! Claro que vale!... Só estou cada vez mais surpreso com sua inteligência e sangue de barata. Pô!... É preciso ter muita tranqüilidade para manter toda essa calma!...
_ Tranqüilidade, uma zorra!... É medo, mesmo!...
Enquanto almoçavam, Alberto falou da pesquisa, da necessidade de apresentar a tarefa quando retornasse ao colégio e mais uma vez convidou o soldado a irem até a barragem. No final, prepararam-se para sair quando Falcão parou em frente ao quadro que estava com o microfone e perguntou:
_ Quem é devoto de São Jorge, aqui, você ou seu pai?
_ Nem ele, nem eu. É recordação de mamãe que comprou há muitos anos atrás, quando eu ainda era garoto. ? Respondeu Alberto, tentando adivinhar o que se passava na mente do soldado. ? Por quê?!...
_ É que eu sempre quis ter um quadro de São Jorge no meu quarto para me proteger e se vocês quiserem vender este, estou disposto a comprar.
Alberto entendeu a mensagem e comunicou ao pai, dando a entender por gestos a intenção do militar. Agnelo também entendeu, pensou um pouco e disse:
_ Falcão, este quadro era da mãe de Alberto e pra nós é como se fizesse parte da família. Acho que nós não saberíamos viver sem ele aí nesse lugar. Vamos conversar e depois decidimos. Está bem assim?
_ OK! Eu verdadeiramente tenho devoção por São Jorge e ao ver este quadro senti uma enorme vontade de ter no meu quarto, como se ele fosse me livrar de muitas desgraças. ? Concluiu, surpreendendo os anfitriões com sua argúcia.
_ OK! Vamos conversar e depois lhe diremos o que decidimos. Tá?
_ OK! Vou aguardar!...
Na rua, Alberto lembrou para ter cuidado ao tecer algum comentário na delegacia, pois, além de poder haver outro microfone, os outros militares que ainda não sabiam do segredo poderiam ouvir e por isso deveriam ter locais especiais para se comunicarem.



Autor: Raul Santos


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