A Maldição da Lenda - O SANTO GUERREIRO Numa Noite de Cão






CAPÍTULO TREZE
O SANTO GUERREIRO Numa Noite de Cão

A dona Zefa se desdobrava para atender os sete homens naquela noite. Raramente Alberto ou Agnelo trazia mais de um convidado, mas sete de uma só vez, só em época de campanha política. Iniciado o jantar, pela urgência do assunto, Alberto não se fez esperar e foi direto ao assunto, olhando fixamente para cada um dos circunstantes.
_ Senhores, o momento não é pra brincadeiras, mas não é por isto que pretendo atrapalhar o apetite dos senhores. Sabemos como começou, só não sabemos o motivo. De certo modo fui testemunha, não da morte do Euclides, mas do estado de espírito em que ele se encontrava na tarde daquele dia. Ele chegou na farmácia, procurando remédio pra dor de cabeça. Perguntei se era pra dor de cabeça ou pra nervoso e ele saiu sem responder, e foi assassinado poucas horas depois. Comentei com papai e ele disse que não era prova de nada e o melhor seria eu calar pra não me meter em problemas. Ainda bem que estou livre da bronca! ? Brincou, para quebrar a tensão do momento, fazendo os outros rirem. ? O tempo passou, seu Afonso foi eleito, os delegados assumiram e desistiram numa rapidez que não dava pra entender, até que o Epaminondas deu com a língua nos dentes pra o Fulgêncio que assumiu a delegacia e foi assassinado com três tiros numa madrugada, depois de um telefonema que o tirou da cama, certamente de alguém conhecido pra ele sair com tanta pressa. Na mesma manhã, o Epaminondas foi tomar sua costumeira laranjada e também encontrou a morte, ficando Serra Dourada mais uma vez sem delegado. No dia do piquenique, enquanto eu tocava, notei uma pessoa diferente no meio da festa, mas tão diferente que se parecia com um elefante na panela de um formigueiro. Conversa com um, conversa com outro, pega o prato e o refrigerante, chuta uma bola, afaga uma criança, pega o violão do Louro do Bode e tocamos até o final da festa. Jantamos no restaurante do hotel, e conversamos até tarde. No outro dia, como sendo um comprador de terras, mas na verdade sendo outra pessoa bem diferente, que me reservo em guardar segredo para evitar envolvimentos, indicou o meu nome, ou melhor, espalhou o boato primeiro e depois foi só confirmar a nomeação. Agora, estou aqui, às voltas com não sei quantos assassinos que querem arrancar minha pele e a do meu pai, além de querer tocar fogo na farmácia.
Continuou falando da suspeita que tinha do prefeito, dos telefonemas do Pato, mas quando ia falar da conversa do prefeito com Agnelo sobre a laranja envenenada, parou repentinamente, correu ao telefone e discou um número. Pediu para chamar o prefeito e advertiu-o a não atender ninguém até que ele próprio chegasse, porque sua vida corria perigo. Desligou o telefone e, apressadamente, armou-se, pediu licença para sair e correu para a porta. Os outros que tinham ouvido o telefonema e visto a ação inesperada, saíram no seu encalço. O sargento deixou o Maurício de guarda, mas não viram o rapaz na rua. Assim que percorreram alguns metros, ouviram três tiros esparsos e correram na direção, encontrando o Jerônimo que estivera de guarda na farmácia, e informou ter surpreendido um camarada agachado junto à porta, em atitude suspeita. Dera voz de prisão e o meliante o alvejara e dobrara a esquina, mas ele o alvejara pelas costas, depois de se haver atirado ao chão. Acreditava tê-lo baleado, pois ouvira um gemido abafado. Correra até a esquina e o vira entrar numa casa velha. Tentara seguí-lo mas novamente fora alvejado, ouvindo o sibilar da bala no ouvido. Protegera-se e retornara à farmácia, não por covardia, mas para não deixar o posto desguarnecido e para obedecer a ordem do delegado de ninguém se arriscar, pois queria todos vivos no final. Sabedor que era da reunião na casa de Alberto, estava indo para lá, quando os encontrou.
Satisfeito com o relato, o sargento parabenizou o soldado e correu até a farmácia para verificar o que fazia o assaltante e sentiu forte cheiro de gasolina. Apanhou no chão uma garrafa de água sanitária, cujo conteúdo estava ainda acima do meio. Cheirou e constatou que era gasolina. Escalou Falcão para montar guarda com a eficiente sentinela e correu com os outros para a casa do prefeito, onde encontrou Alberto repetindo a narração do jantar. Alberto perguntou pelos soldados e o sargento relatou os fatos de minutos antes e mostrou a garrafa com gasolina, o que fez o prefeito empalidecer visivelmente. Alberto pegou o vaso, sopesou e examinou, observando que a tampa continha um pequeno furo e comentou de si para consigo:
_ Que arraso iam fazer!...
As pessoas entreolharam-se, confusas e ele explicou que de acordo com a ameaça do Pato, o objetivo era incendiar a farmácia, jogando o conteúdo da garrafa por baixo da porta o mais longe possível, em forma de leque e em seguida riscar um fósforo. Quando o fogo atingisse as caixas e o álcool, seria impossível de conter, arrasando o estoque. Pediu ao cabo Magalhães para reunir o maior número possível de policiais na casa do prefeito. Acertados os trâmites, decidiu ele mesmo levar mais um soldado para sua residência, mas o telefone interrompeu as ordens e Maristela, sua namorada, que se mantivera afastada junto aos outros familiares, atendeu e entregou ao pai, dizendo:
_ É o Dr. Charles, pra você, papai!
Alberto tomou a dianteira e pediu ao prefeito que não denunciasse a presença da polícia em sua casa. Ele assentiu e tomou o telefone da mão da filha.
_ Alo, Charles?!... Tudo bem? O que há de novo?... Bem, não sei, espera um pouco, porque estou cheio de serviço. ? Voltou-se para Alberto, tampou o fone e disse que o Dr. Silvano estava reclamando sua ausência na canastra que costumavam jogar todas as noites e que ele abandonara depois da posse. Alberto acenou negativamente com o dedo e disse que naquela noite ele não poderia sair de casa por nada. Retornando ao telefone, o prefeito argumentou que estava muito atarefado com a folha dos funcionários. O Dr. Charles acusou-o de virar as costas a quem o indicara e dera a vitória na candidatura. Com tais argumentos e pela amizade que dedicava ao correligionário, o homem vacilou em querer sair, mas encontrou um quase garoto à sua frente, irredutível como uma rocha. Prático e maleável, o mandatário propôs uma rodada tão logo se visse livre das folhas, dentro de dois ou três dias. Desligou o telefone e Alberto, sacudindo a garrafa, gritou: Cigarro! ? E saiu em desabalada carreira, deixando a todos perplexos. O sargento Argolo lembrou-se do que ocorrera meia hora antes na casa do farmacêutico, deu ordem ao cabo Vanildo para escalar a guarda e saiu mais uma vez no encalço do delegado, seguido de Agnelo que não pretendia de forma alguma deixar o filho sozinho naquela confusão.
Na porta, perceberam que ele já dobrava a esquina e para não o perderem de vista, encetaram também uma louca correria pela rua, assustando a quantos os viam passar, indo alcançá-lo à porta da farmácia, de conversa com o Jerônimo e o Falcão, de guarda.
Enquanto falava, notou alguém se aproximar com um cigarro à boca, retirando o palito da caixa de fósforos. Num impulso vertiginoso, arrancou a caixa das suas mãos e gritou: Cuidado! ? O pobre diabo, assustado, dobrou a esquina em menos de um segundo e desapareceu. Alberto olhou para o alto e disse: Obrigado, meu São Jorge, foi bem na hora! ? Respirou fundo, acalmou-se e disse:
_ Desculpem, se não estou dando explicações, mas o tempo é muito importante, e não quero me responsabilizar por um crime que quero evitar a todo custo. Enquanto o prefeito falava, eu olhava a garrafa, refletindo que a ação do Jerônimo fora providencial. Se não fosse ele, a esta hora, a farmácia estaria sendo uma labareda só. Pensei que se demorasse um pouco mais era só alguém riscar um fósforo, jogar no chão, e, pronto, o fogo estaria dentro de casa num só tempo. Quando sacudi a garrafa, percebi que quase a metade da gasolina tinha sido jogada aí dentro e era o bastante alguém passar fumando e jogar o palito aceso, e a desgraça estaria feita. Graças a São Jorge, na hora que chegamos, foi só o tempo de tomar a caixa da mão do rapaz, coitado, ficou tão assustado que deve estar correndo até agora, sem saber o que aconteceu.
_ Será que ele não sabia, mesmo? ? Perguntou o sargento, surpreendendo.
_ Que quer dizer, sargento?
_ Foi só um palpite, mas com o que aconteceu aqui hoje, não creio que a passagem dele tenha sido só coincidência. Acho mesmo é que depois da tentativa frustrada, o chefe da quadrilha mandou esse cara acabar o serviço que o outro começou. Veja bem, o cara chegou dizendo que tinha despejado quase metade da gasolina embaixo da porta, quando foi descoberto pelo Jerônimo e foi obrigado a abrir fogo contra ele, que se jogou no chão e revidou, ferindo-o, não se sabe onde e perseguindo-o até a casa velha aí atrás. Irredutível no seu propósito, o chefe quer a todo custo concluir o seu objetivo, que é o de lhe assustar, não pode ficar desmoralizado e o recurso foi o de terminar o serviço mandando outro tocar fogo na gasolina. Pode ter sido coincidência, mas acho que a gente devia interrogar aquele moço, que saiu correndo como se estivesse preparado para fazer isso depois de jogar o palito aceso. Só que correu antes de jogar, porque você interferiu. ? Arrematou o sargento, recebendo um aperto de mão do delegado.
_ Obrigado pela lucidez, sargento. Sem esta dedução, eu não teria tido um mínimo de suspeita desse camarada. Sei onde ele mora e podemos mandar buscá-lo para averiguar. Com certeza é um dos membros da quadrilha que vem assombrando Serra Dourada. Até que enfim temos algo de substancial nas nossas invéstigações. O nome dele é Zé de Ticha e mora na rua do Lava-pés, perto da casa do Paraíba. Vamos mandar três soldados pra buscar, pois ele pode estar acompanhado com outros membros da quadrilha, se é que está em casa a esta hora. Ele deve estar mesmo é fazendo o relatório do fracasso ao chefe. Falcão, por favor, vou precisar muito de você esta noite pra coordenar a guarda aqui na farmácia. Vamos pegar a chave lá em casa e você pegue mais um soldado pra fazerem rodízio os três, a noite inteira. Agora cedo, não creio que vá aparecer ninguém, mas de madrugada é quase certo que tentarão. Por favor, não se arrisquem à toa. Qualquer movimento suspeito, atirem pra matar, pois eles são perigosos, mas o serviço aqui hoje é apenas de não deixar ninguém passar na calçada, pelo menos enquanto a gasolina estiver oferecendo risco. Por falar nisso, vamos jogar água, pra ver se ela some mais depressa. Espalhar mais do que está, não é possível. Agora, vamos pra a casa do seu Afonso, que o pessoal deve ter chegado e depois pegar a chave da farmácia pra o pessoal se acomodar.
_ Eu vou pegar a chave, filho. ? Disse Agnelo, querendo ajudar.
_ Mas nem por sonho vou deixar o senhor andar sozinho por aí, à noite, e dar a maior chance que esses patifes estão procurando!... Papai, se Deus nos permitir, vamos pegar todos eles sem derramar uma só gota de sangue, mas pra isso não podemos cometer nem um pequeno deslize pra eles nos pegarem. ? Rebateu o rapaz com meiga autoridade, diante do pai, dando a entender que a tentativa de ajuda teria sido o maior desastre, e acrescentou: - Falcão, quem é que você escolhe pra ficar aqui, à noite?
_ Bom seria o Maurício, mas como ele está em sua casa, vou ver com o Jerônimo quem ele vai querer.
O soldado interferiu e disse:
_ Como vamos ter de virar a noite praticamente acordados, acho bom o Agnaldo, pois o cara é duro de roer. Quando tira serviço nas festas, ele vira o outro dia acordado, como se tivesse dormido a noite inteira. Uma vez, ele virou quarenta e oito horas, como se nada tivesse acontecido. Outra vez, passou uma noite inteira dentro de um brejo com água nos peitos, cercado de índios por todos os lados. Se não fosse um litro de conhaque que tinha levado, teria morrido de frio.
_ Eu conheço essa história!... ? Confirmou o sargento, respeitosamente.
_ Então, decidido, Agnaldo, não é? ? Inquiriu Alberto.
_ Ele está muito bem!... ? Confirmou Falcão.
_ Não esqueci do seu pagamento, OK?... ? Disse Alberto, fazendo-os rir.
Da casa do prefeito, telefonou para casa e o cabo Magalhães informou que estava em paz. Deu umas instruções e desligou. Pediu três soldados ao cabo Vanildo para buscar o Zé de Ticha, recomendando o máximo de cuidado.
_ Amanhã vamos dar uma busca na casa que o atacante do Jerônimo entrou. Pelas marcas de sangue, acho que não vai ser difícil de encontrar. Pena que a gente não tenha equipamentos de hand-tolk, pois iria facilitar bastante. ? Pediu acomodação ao prefeito para dois soldados descansarem na sala enquanto o terceiro montaria guarda no rodízio noturno. Consultou o relógio e chamou o pessoal para levar seu pai em casa, apanhar as chaves da farmácia e se aquartelarem na delegacia, recomendando que não se arriscassem e a qualquer suspeita telefonassem, deixando claro que àquela altura dos acontecimentos, todos, indistintamente, eram suspeitos. Olhou para a namorada e disse:
_ Daqui a pouco telefono pra você, tá?
A moça assentiu com a cabeça e eles saíram.
Na delegacia, convidou o sargento e os dois cabos que substituíra por soldados para uma reunião, a fim de darem um balanço na situação. Iniciou, pedindo uma relação de nomes e endereços dos soldados, para as emergências, além de que eles também estavam na mira dos assassinos. O contingente compunha-se de um oficial que estava de férias, um sargento, dois cabos e vinte soldados, que se encontravam distribuídos nos postos da farmácia, delegacia, casas do prefeito, do delegado e busca do Zé de Ticha, restando ainda cinco à disposição. Dando curso ao que iniciara em casa, falou das suspeitas de um veio aurífero sob o solo de Serra Dourada, esclarecendo que gostaria de saber qual tinha sido o segredo deixado pelo cacique Jutorib, o que traz a alegria, e que vinha sendo passado de geração para geração, com inabalável sigilo. Transferiu ao sargento o encargo de verificar os descendentes do cacique e voltou a atenção para os cabos, perguntando pelos soldados que tinham ido capturar o suspeito, mas recebeu resposta negativa. Fez um gesto de impaciência e exclamou: Droga, será que vão demorar muito?. ? Ligou o telefone e disse:
_ Seu Afonso?... Tudo bem aí?... Ótimo! Alguém telefonou? Por favor, se alguém convidar o senhor pra sair, seja qual for o motivo, não aceite, pois pode ser armadilha. Não se esqueça de que foi assim que mataram o Fulgêncio, e o que é pior, deve ter sido alguém da absoluta confiança dele, do contrário ele não teria saído de casa tão confiante. Em Serra Dourada não existe ninguém estranho, ao menos que seja de destaque social. Acho que o chefe da quadrilha é alguém que cruza conosco a todos os instantes e em todos os lugares. Seria até bom que o senhor tentasse se lembrar quem falou sobre o veneno aplicado na laranja, pois isto poderá ajudar a desvendar o mistério, e ele pode querer tirar o senhor de circulação, antes que se lembre. Quem sabe, um casamento, um aniversário, um doente, são bons motivos pra afastar alguém de casa à noite?!... Bem, não sei se é, mas pode ser meu pai, pode ser o senhor ou qualquer outra pessoa. Não podemos confiar em ninguém. A coisa só estourou porque tentaram me pegar com o Falcão, hoje, na beira do rio, mas eu queria fazer esta investigação em sigilo. Posso contar com sua colaboração?... Obrigado! Isto ajudará muito, pois não vou precisar me preocupar com o senhor e dirigir a atenção pra outras coisas. Se houver alguma coisa de urgente, vamos estar aqui por toda a noite, que temos diligências a fazer. Mais uma vez, muito obrigado e não se preocupe. Se depender de nós, nada de mal vai acontecer a ninguém, até que a gente ponha a mão nesses assassinos. Posso falar com Maristela?... Obrigado e boa noite, seu Afonso. ? Aguar-dou um pouco, suavizou a fisionomia e disse:
_ Alo, filha, como está a cabecinha nesta noite de cão?... Ora, você não vai querer que eu comece a chorar, não é? Tenho mais é que levar na brincadeira. Se só em ver você, eu já estava feliz, ainda mais em poder falar ? galanteou ? mas se você está preocupada, reze pra que termine bem e o mais rápido possível, tá bom?... Mas, falando sério, todo cuidado vai ser pouco, até que possamos pegar esses bandidos. Eles já provaram que não vão recuar diante de nada. Acho que tem coisa muito grande por trás. Se começaram essa mortandade com o pobre do Euclides, imagina o que não são capazes de fazer até concluir o que pretendem. ? Ouviu um instante e continuou: Tá bem, meu amor, não se preocupe. Eu estou cercado de policiais muito capazes que provaram mais de uma vez a eficiência que têm. Olha, não abra a porta pra ninguém sem a presença dos soldados e vê se alguém telefona pra seu pai. Não posso fazer segredo, pois as vidas de vocês realmente estão correndo perigo. O que podemos fazer é agilizar as investigações, mas não se preocupe, querida, que se São Jorge nos ajudar, quando menos a gente esperar, eles estarão nas nossas mãos. Eu estava com medo de acontecer alguma coisa com meu pai, porque na hora que eu assumi a delegacia, recebi um telefonema do Pato ameaçando a vida dele, e eu não sabia o que fazer pra enfrentar a situação, nem sequer confiar nos policiais, pois ele foi claro em dizer que a farmácia iria pelos ares, como realmente provou que estava falando sério, mas agora que a guerra está declarada, eles que se cuidem, pois não vão mais poder se esconder, e além do mais, cometeram mais erros do que se podia esperar, e é através desses erros que nós pretendemos acertar... Tá bom, meu amor, agora vai tirar um soninho, porque temos muita coisa pra fazer... Tá bom! Não esquenta que não vamos andar sozinhos. Estamos trabalhando em equipes, exatamente pra evitar surpresas. Vou ligar pra a farmácia e ver se está bem por lá e depois pra papai e desejar boa noite. Tchau, amor, e até amanhã. Vai dormir, hein? E não se preocupe que está tudo sob controle, OK? Tchau! meu beijo! Te amo muito, tá? Te vejo logo de manhã, mas vai dormir!
Desligou e aguardou um pouco para ver se alguém ligava e em seguida ligou para a farmácia. Deu instruções para não deixarem ninguém se aproximar, e se fosse mais uma pessoa, acionar logo os outros dois e não se exporem nem bancarem os heróis, e brincou: Mais vale um covarde vivo do que um herói morto!...
O sargento Argolo pegou o telefone e perguntou aos soldados se tinham apitos. Ficou satisfeito em saber que ao menos um tinha levado o seu e recomendou que passasse ao que estivesse no plantão da hora.
Alberto fez a terceira ligação e foi atendido por um pai desesperado:
_ Alô, quem fala? Aqui é da casa de Agnelo!...
_ E eu não sei? ? Brincou Alberto, ao perceber a angústia do pai.
_ Filho, o assunto é sério! Não brinque, ao menos por hoje. Quantas vezes em menos de uma hora tive vontade de ir ver o que está acontecendo?!...
_ Calma, papai! Eu estava falando com seu Afonso e aproveitei pra namorar um pouco, que eu não sou de ferro, né? Liguei pra farmácia e agora, adivinha com quem estou falando? ? Perguntou com voz misteriosa. Para quebrar a tensão, Agnelo respondeu:
_ Bem, deixa ver, acho que não vou acertar. Fala logo, com quem é?!...
_ É com o meu querido pai-pai-zão! ? Falou, com voz carinhosa, como se não fosse o delegado. ? Agora, vai dormir e pelo amor de Deus, não sai daí por nada deste mundo, esta noite, pois só assim ficaremos tranqüilos para pensar. Qualquer coisa, pode ligar para cá, que não vamos sair a noite inteira.
_ Então, vem para casa, filho. Amanhã cedo, você volta pra o serviço!...
_ Não posso, paiê, porque mandamos buscar o Zé de Ticha, o cara que ia acender o cigarro, e queremos interrogar agora de noite.
_ Ah, filho, eu queria participar também!...
_ Se ele for encontrado e disser alguma coisa de interessante, telefono pro senhor e pro seu Afonso, e mando uma escolta buscar os dois. Mas veja bem, só concorde em abrir a porta depois que eu telefonar dando o código, a senha, estou sendo bastante claro?!...
_ Por que não diz logo agora?
_ Só vou dizer quando estiverem na porta. Agora, vamos traçar planos pra amanhã e tirar um cochilo, pois a noite vai ser longa. Tchau, papá, e vai nanar, pra ficar bem fortinho, tá bom? ? Falou com voz meiga, que emocionou o pai.
Desligou e olhou os policiais que o observavam em silêncio quase reprovador, por estar brincando com assunto tão sério, e disse:
_ Puxa!... Quase não consigo botar essas crianças no berço. Tava todo mundo tão nervoso que parecia não querer dormir nos próximos dez anos. Meu pai quis vir várias vezes. Maristela, tive de usar um argumento mais convincente pra ela despertar e vigiar o pai. Ele pode receber um telefonema e os soldados se sentirem constrangidos em discutir com o prefeito. Se isto acontecer, ela vai telefonar pra nós e eles vão ficar isentos da responsabilidade. Além do mais, vou medir o grau de esperteza da minha futura esposa.
Os militares riram, concordando com a esperteza do rapaz. Alberto retomou a palavra e os convidou a irem ao Lava-pés para ver o que estava havendo. Pelo tempo, já era tempo de os soldados terem retornado.
_Mas você não disse que não ia se afastar daqui?
_ Surgiu uma emergência ? piscou um olho ? e somos obrigados a sair. Duvido que alguém ligue pra cá, a menos que seja por motivo justo, pra não atrapalhar o raciocínio do Sherlock ? concluiu, lembrando-se do governador, como se houvessem passado dez anos desde o encontro de apenas algumas semanas antes. ? Então, mãos à obra? Quem vai e quem fica? Quantos somos, agora?
O sargento contou rapidamente e informou:
_ Somos nove, ao todo!
_ Então, como fazemos? Alguém tem de dormir. Quem está mais descansado, pra ir comigo? Os outros, colocam um de plantão e vão tirar um ronco.
_ Se tem alguém aqui que vai para o berço, é você, viu? Ainda não descansou um segundo, depois que cheguei na sua casa, e ainda quer ir atrás de vagabundo? Não senhor! O senhor fica e nós cuidamos disso!...
Alberto quis discutir, mas o sargento replicou:
_ Quem for mais velho dá as ordens e não se discute!...
Sorridente com a solidariedade dos colegas, fez uma continência cômica, se dirigiu a uma das celas, deitou-se no primeiro catre que encontrou e gritou:
_ Então vem trancar a porta que quero dormir!
O comentário arrancou risadas dos que estavam reunidos lá fora.



Autor: Raul Santos


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