Pequenas histórias de família - terceira Sequência



Meu avô Aguinel Ferreira, que nem mesmo conheci, nasceu ainda no fim do século 19,  lá por 1884, e não se soube bem a data. Morou até a juventude em Santa Maria no Rio Grande do Sul com a família. Diziam que era trabalhador, senhor muito simpatico, mas tinha o defeito de gostar de jogatica, infelizmente.
E numa dessas noites de jogos de aposta e bebidas quentes, em uma casa de família e entre amigos, tudo ia tranquilo quando ânimos se exaltaram por um jogo perdido. Um dos amigos, filho do dono da família onde acontecia o jogo, não aceitou ter perdido e nem mesmo tinha como pagar a aposta. Por conta disso, começou um a discutir e, vindo as vias de fato, uma confusão que sucedeu a uma briga. Ninguém andava desarmado naquela época, ainda mais no Rio Grande do Sul.
E aconteceu o que geralmente acontece em um lugar como esse, entre homens exaltados, alcoolizados e armados: ele acabou acertando o amigo com a arma que tinha, assim do nada. Levantou e deu um tiro no colega na frente de toda a família. Tiro fatal naquele tempo, bem no meio da barriga.
Teve que fugir do local para não ser morto também, e como conta minha mãe, nunca se perdoou do acontecido, não esqueceu e sempre se arrependeu de ter acertado seu companheiro que acabou morrendo por conta do tiro e da enorme burrice que levou um jogo amigável em uma tragédia para duas famílias. Mas, no momento da raiva acabou ficando cego e a bebida deturpando a razão, apenas reagiu, e com arma em punho não há de sair outra coisa. Jurou nunca mais jogar... Mas, como nem todos cumprem o que prometem, ele continuou a jogar a valer, deixando minha avó sozinha cuidando dos filhos, mas aí é outra história.
Por conta do ocorrido, ele andou se escondendo por lá próximo a um rio, nos barrancos até, com barco da polícia na busca, porém ainda próximo à família. Com a morte da mãe, não viu sentido em ficar por lá, já que os familiares do falecido aindo o procuravam, buscando por vingança. Então decidiu deixar a cidade.
Ele saiu pela fronteira com o Uruguai só com uma bolsa com roupas, a arma e poucos mantimentos. Continuou a viagem sem ter destino certo, perdido por várias vezes, sem saber onde estava ou pra que lado ir. Deve ter entrado novamente na fronteira com o Brasil mais de uma vez, mas acredito que nem sabia disso. E pela Argentina afora continuou a viagem. Dormia em cima das árvores pra onça não ataca-lo, contou até que no meio de uma noite ao escutar barulho embaixo da árvore, deu um tiro a esmo e ficou alerta o resto da noite, de manhã só viu o rastro de sangue, o rastro foi para um lado e ele saiu pelo outro. Diz ter visto tribo de índio que nem ouvira falar, disse que era de canibais, pra falar a verdade não tinha certeza, mas dizia que era pra incrementar as histórias que contava para os netos. Vez ou outra encontrava um povoado ou uma fazenda que não falava a sua língua, mas pedia pra pernoitar, às vezes trabalhava pra pagar a estadia e se alimentar, e assim foi até chegar ao Paraguai e atravessar a fronteira de volta ao Brasil na cidade de Amambai, agora MS, lá na fronteira onde o Brasil foi Paraguai, isso já em 1912. 
É uma incrível viagem a dele, como todos os causos que contava, mas minha mãe diz que o Seu Guinezinho Ferreira era muito loroteiro. Vai saber o que era verdade. 
Mas a verdade é que realmente ele era gaúcho e realmente chegou aqui em 1912, mesma época que minha avó chegou aqui de Corrientes, Argentina. Outra luta.


Autor: Márcia Ferreira Marques


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