A Maldição da Lenda - Segredo Mas Nem Tanto, e a Morte de um Ser Humano




CAPÍTULO DEZOITO
Segredo Mas Nem Tanto,
e a Morte de um Ser Humano

_ ... e quando eu estava desistindo, achei este papel na última página escrita, que só pode ser do caminhão que leva o contrabando. É placa do Rio, e pra atravessar a fronteira, a quadrilha deve estar muito bem organizada, com notas ficais e tudo. O sargento vai à capital pegar um avião pra investigar a propriedade do caminhão e o gênero de atividades a que se dedicam. Pra arrumar verba, deve-mos contar a ele como foi minha indicação. Por favor, quer contar a ele, papai?
Apanhado de surpresa, Agnelo vacilou, mas Alberto começou a falar do piquenique e deixou a palavra com o pai, que narrou o que ouvira do filho, desde o encontro com o governador, a tocata, o jantar, etc., até aquele momento. Não suportava mais ser apenas o confidente vendo o filho prestes a ser assassinado e não poder fazer nada, e desempenhou a tarefa com o maior prazer. Incrédulo, o sargento olhava o narrador, como se ouvisse as passagens de um filme. Não conseguia entender como tantas coisas puderam acontecer sob as suas vistas e ele não ter percebido. Começou então a entender que se um fato acontecido em público se lhe escapara à observação, muito lógico seria, também o tráfico de qualquer coisa, os assassinatos e outras coisas mais, às escondidas. Na verdade, eles não estavam preparados para semelhante situação.
Farto de informações, não quis perder tempo. Fosse delegado ou comandante do destacamento, era sua a obrigação zelar pela tranqüilidade pública. Ser passado para trás por um fedelho mal saído dos cueiros lhe doía no amor próprio. O pior era que direta ou indiretamente, sua aparente ou comprovada omissão tinha chegado ao conhecimento do governador. Alberto rastreou o turbilhão de pensamentos que lhe cruzavam a mente, mas não teceu comentário, deixando-o tirar as próprias conclusões.
_ Vou dar ao senhor o telefone de contato, no qual deverá citar apenas meu nome, do contrário será desligado. É um telefone de assuntos altamente confidenciais, que só poderá ser usado em casos de extrema necessidade. Depois que der o código de contato, o senhor deverá dar a sua identificação e o motivo da ligação, que será pedir verba para representação militar. Ela será depositada num banco e mesmo que o expediente esteja encerrado, o senhor poderá sacar.
O sargento olhou de soslaio, como se não acreditasse em uma só palavra. Depois de tantos anos, era a primeira vez que ouvia falar daquele tipo de serviço, e um garoto do interior estava lhe ensinando como pedir dinheiro ao governador, como se fosse para uma colônia de férias. Alberto percebeu a dúvida, e falou:
_ Sargento, não podemos nos dar ao luxo de duvidar uns dos outros num momento como este. É dar trégua ao inimigo que procura uma pequena falha!...
Envergonhado, o militar baixou as vistas e recuperou-se em seguida.
_ Desculpe!...
Sem dar importância, Alberto perguntou:
_ Preparado pra viajar?...
_ Sim!... Preparado!... Vamos à luta!...
_ Ótimo!... Qual o carro que vai levar?...
_ O gol! É mais rápido!...
_ Vai levar alguém?
_ Não! A distância não é longa e você vai precisar de todos aqui!...
_ Mas vou precisar também do carro!...
_ Então levo o Nivaldo, e telefono!...
_ Tá bom! Liga pro meu pai, e diz que é um fornecedor de laboratório. A volta pode ser de ônibus, apesar de que sua ausência fará falta nos nossos trabalhos, mas neste caso não podemos mandar mais ninguém. Se há quem possa fazer a investigação, mas não podemos dar o número do telefone, que precisa ser guardado em segredo. Só aqui, em Serra Dourada, já somos três a compartilhar.
* * * * *
Sem maiores explicações, o sargento escalou o soldado para acompanhá-lo numa diligência, e passou o comando do pelotão ao cabo Magalhães, por ser o mais antigo. Entraram no chevete e partiram. Na pensão, pegaram algumas coisas necessárias a uma curta viagem, depois de haverem trocado de carro com a dupla que procurava pelo Zé de Ticha, havia mais de seis horas, como se ele tivesse entrado pelo chão a dentro.
Quando o carro dobrou a esquina, Alberto sentiu uma espécie de vazio, como se naquelas poucas horas houvesse encontrado no sargento um sustentáculo, tanto pelo rumo que as coisas estavam tomando quanto pela responsabilidade assumida, além do segredo que guardava de haver descoberto o chefe da quadrilha e não poder compartilhar com ninguém, sem ter provas. Instintivamente, elevou o pensamento ao alto, em prece ao santo guerreiro, atitude que lhe inspirou a segurança de que, se um se fora, mas ficaram ainda mais de vinte em quem poderia confiar cegamente.
Como se a partida do sargento fosse o sinal para a grande prova de fogo, aquela tarde foi de uma trabalheira tão atarefada que praticamente não lhe deixava tempo nem para pensar no que deveria fazer no minuto seguinte.
Consulto o relógio e viu que ainda faltava mais de uma hora para o encontro com os índios e procurou recordar a conversa com o sargento, para traçar um roteiro de trabalho, quando ouviu a freada brusca, seguida do bater das portas. Pelo visto, os ocupantes tinham muita pressa. Desligou-se dos pensamentos e voltou a atenção para o que ocorria, na certeza de que enorme tempestade estava prestes a desabar em poucos segundos. A seguir, viu os soldados escalados para prenderem o sabotador, acompanhados dos que tinham ido dar caça ao Zé de Ticha entrarem no gabinete, e o da frente falou atabalhoadamente:
_ Delegado, o cara que a gente procurava, a gente não achou, e quando a gente voltou pra começar de novo, o Zé de Ticha tava lá onde a gente começou procurar o cara que atirou no Jerônimo, e aí a gente encontrou os colegas que passavam com o carro e a gente falou pra eles que tinha achado o Zé de Ticha morto na casa velha, e...
_ Morto?!... O Zé de Ticha tá morto? ? Perguntou, saltando da cadeira.
_ Pois é, delegado, quando a gente começou a procurar, ele não tava lá. Depois que a gente perdeu a pista, a gente voltou lá pra começar a procurar e ele tava lá, estirado no chão, como se tivesse dormindo. Quando a gente quis fazer ele levantar, a gente viu que ele tava todo molenga e não queria sentar, quanto mais ficar em pé. Aí, a gente olhou direito e viu que ele tava morto. Quando a gente ia sair pra pedir a perícia, viu uns garotos brincando do lado de fora e a gente perguntou quem tinha entrado na casa e eles disseram que tinham visto três bêbados entrando na casa e só saíram dois. Como estavam bêbados, não ligaram pra ver quem eram, e foi quando os colegas passaram com o carro, quando a gente já vinha na esquina, e a gente pegou eles pra trazer a gente aqui, pra pedir a perícia.
Alberto entendeu o logro de que fora vítima e o outro meliante, ou tinha sido morto ou, como não tinha sido identificado, devia estar recebendo tratamento do ferimento, que não devia ser muito grave, pela quantidade de sangue quase imperceptível que perdera.
Sem questionar, tomou as chaves do carro, e disse:
_ Vamos lá, ver isso!...
Antes de dobrar a esquina, parou na da farmácia e recomendou:
_ Não facilita nem um segundo. Estão agindo na cara da gente. Venha ver.
Deixou um patrulheiro na farmácia, levou o que estava de guarda, e disse:
_ Ontem à noite, um cara jogou gasolina embaixo da porta da farmácia, o Jerônimo percebeu a tempo e foi alvejado, mas escapou por pouco. Revidou e o feriu mas o bandido entrou aqui e atirou mais uma vez, desaparecendo na escuridão. Mais tarde, veio o Zé de Ticha com um fósforo, como se fosse acender um cigarro, e por pouco não concluiu o que o outro tinha começado. Hoje, os que estiveram com você no plantão seguiram as marcas de sangue e os que pernoitaram na casa do prefeito foram em busca do Zé de Ticha. As marcas de sangue desapareceram e o Zé de Ticha também. Quando os seus companheiros voltaram aqui, em busca de novas pistas, encontraram o Zé de Ticha que, segundo alguns garotos, entraram tr%@As ?êýados e saíram dois, mas qualquer idiota pode entender que na verdade, entrou um dopado e dois assassinos que fingiam. Aqui, como podem ver, foi o bastante dar uma pedrada e depois deitar com a cabeça sobre a ponta que o atingira, simulando muito bem a queda. Agora, nosso grande problema é saber quem eram os outros dois supostos bêbados, ou seja, voltamos à estaca zero. Temos ainda um trunfo nas mãos, mas é o mais difícil que se possa imaginar. Vão buscar o escrivão pra fazer o levantamento cadavérico, e também o Dr. Odorico, pra expedir o atestado de óbito. Este infeliz não nos poderá mais ser útil!...
_ E, ainda fala que este assassino é infeliz, delegado?...
_ Era um ser humano, não? ? Perguntou, colocando um ponto final na discussão. Retornou à farmácia até a chegada dos outros, que demorou pouco.
O laudo pericial constatou que havia ingerido tão alta dose de bebida que morrera da pedrada, coÿo pUderªa týr morrido de coma. Alberto deduziu que ele tinha contado que fracassara e lhe deram falsa guarida, empurrando um litro de uísque nas mãos até que secasse, e o quanto mais foi preciso para que perdesse a consciência. O resto foi mais fácil do que tirar o pirulito de um bebê.
Findas as tramitações, ordenou que fosse providenciado o sepultamento e deu o caso Zé de Ticha por encerrado, ao menos por enquanto. Se os garotos não os puderam identificar, não seria ele a perder tempo em procurar inutilmente. Havia muita coisa mais importante em jogo, e ele tinha urgência em resolver.




Autor: Raul Santos


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