A Maldição da Lenda - Inquérito No Conselho Dos Anciões





CAPÍTULO DEZENOVE
Inquérito No Conselho Dos Anciões
(Fonte de referências: Ubirajara, de José de Alencar)

Pediu aos cabos que preparassem as escalas de serviço noturno, e explicou que o sargento ficaria ausente por um ou dois dias, em missão especial. Faltavam dez minutos e os anciões deviam estar reunidos. Pegou o chevete e partiu célere, chegando no momento em que o carbeto se reunia sob a enorme castanheira, local onde o cacique comandava as reuniões e, por ironia do destino, repousara a cabeça para o sono eterno.
Saltou a certa distância e, a passos lentos, encaminhou-se para o grupo de índios. Fez uma reverência à moda dos lutadores orientais. Permaneceu em silêncio e aguardou as instruções dos moacaras, as quais não se fizeram esperar.
_ Bem vindo é o homem branco ao campo do repouso eterno do cacique Jutorib, o que traz a alegria, que com seu instrumento de som maravilhoso alegra as festas que recordam a tragédia que dizimou nosso povo, por culpa de um fanático que pretendeu ultrajar uma das mais sagradas tradições, que é o casamento.
Alberto percebeu o tom de censura na mensagem de boas vindas mas preferiu desculpar-se, e disse:
_ Muitas foram as tarefas que me envolveram neste dia e por isto não tive tempo de chegar mais cedo para atender ao vosso convite.
_ O homem branco é leal nos compromissos. Apesar de ainda jovem guerreiro e dedicar a vida mais aos divertimentos, tem uma longa estrada que o ensinará a separar a diversão do trabalho, colocando, no entanto, a alegria no labor.
O rapaz captou as sutilezas psicológicas a que o submetiam, curvou-se, solene, e retrucou, impostando respeitosa gravidade na voz:
_ Muito tempo se passou desde os lamentáveis episódios que dizimaram o vosso povo, que só queria paz e prosperidade. Muito tempo também antecedeu aqueles dias, e perde-se na noite do tempo a época em que esta frondosa castanheira não passava de um frágil arbusto, testemunha muda de todas as glórias e desgraças que neste local ocorreram.
_ Grande é a sabedoria de Tupã que iluminou o espírito do jovem homem branco. Grande é a sabedoria de Tupã, que nos ilumina a convidar o jovem homem branco a trocar a fumaça da hospitalidade.
_ Grande é a satisfação que me envolve de participar desta generosa acolhida. Embora nunca tenha experimentado o sabor do fumo, estarei à altura da vossa honrosa hospitalidade. ? Aproximou-se do morubixaba que oferecia o cachimbo.
Como nunca houvera fumado, além do horror que sentia, preparou-se, pois não sabia o conteúdo da mistura, mas deduziu que as ervas deveriam ser das mais fortes. Da primeira vez, apesar de se sentir observado, inspirou lentamente, para em seguida experimentar o sabor do tabaco, conseguindo valentemente, superar a repulsa, ato que lhe valeu a aprovação dos abarés. Daí, foi bastante repetir a técnica, que não diferiu do ar solene que davam os moacaras.
Terminada a seção, o morubixaba olhou em volta e dirigiu-se ao delegado:
_ Homem branco mandou prender Moacir para buscar segredo de Jutorib, o que traz a alegria. O que homem branco deseja?
_ Muitos foram os crimes ocorrido na nossa cidade e muitos foram os delegados que abandonaram o cargo, sem aparente motivo justo!...
_ Homem branco deve saber que povo índio vive em paz e não deseja se envolver com problemas fora da Reserva!...
_ Sou delegado, indicado pelo governador e tenho autoridade para tomar a atitude que for necessária, desde que seja dentro da lei pra resolver este caso, mas prefiro agir de modo que todos continuem gozando de respeito e integridade nas suas dignidades!...
_ O que homem branco pensa fazer para saber segredo?
_ A verdade! Os irmãos devem ter o bom senso de ajudar nas investigações. Muitos já morreram e outros estão sendo ameaçados, inclusive o prefeito, meu pai e eu próprio!...
Um murmúrio percorreu os abarés que se consultavam, e o cacique falou:
_ Que o homem branco faça as suas perguntas para discussão!...
_ Primeira: por quê nossa cidade se chama Serra Dourada? Segunda: por quê o nome do rio é Córrego do Ouro? Terceira: qual o segredo do cacique Jutorib, o que traz a alegria? Quarta: por que o segredo vem sendo guardado por tanto tempo? Quinta: que prejuízos poderão vir da revelação? Sexta: a revelação não trará benefícios? Só um comentário: se há alguma jazida mineral no nosso subsolo e esta é a causa do segredo, na Reserva existem estudantes que pensam no vestibular e sabem que existem dezenas de satélites rastreando o planeta, e os americanos e russos sabem mais do que nós onde estão as nossas riquezas!...
Novo murmúrio, e o cacique levantou, declarando que entrariam em conferência e responderiam em uma hora. Se o delegado desejasse aguardar ou voltar depois, estaria com a liberdade de escolha. Sabendo que de nada adiantaria discutir, levantou, agradeceu a gentileza e comprometeu-se a voltar às dezesseis e trinta, mas com escolta de dois policiais, os quais ficariam à distância que eles determinassem. A noite se aproximava e ele estava ameaçado de morte. Condescendentes, os indígenas assentiram e Alberto despediu-se com nova mesura.





Autor: Raul Santos


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