A Maldição da Lenda - Obrigado, Guitarra Querida!...







CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Obrigado, Guitarra Querida!...

Retomou o vôo interrompido e percebeu que a mente ainda estava embotada pela problemática que se lhe abatera nos últimos dias. Lembrou da conversa com o governador, quando dissera que observar as fisionomias e atitudes das pessoas era como desvendar os incomensuráveis segredos do Universo nas figurinhas dos álbuns colantes. Como tinha sido infantil!... Que bela peça o destino lhe pregara, para que deixasse de ser prepotente. Naquele momento ele não mais repetiria a mesma coisa. Os acontecimentos daquele dia, principalmente depois que se sentiu sozinho sem a proteção do sargento, serviram-lhe de lição para o resto da vida. Finalmente, depois de vinte e dois anos, ele tinha conseguido descobrir uma face da vida que desconhecia, a do trabalho responsável, sem proteção. Uma responsabilidade intransferível que só por ele teria de ser assumida. Havia muitas vidas em jogo e as próprias autoridades da cidade nem de leve tinham conhecimento. Elas próprias eram alvos em potencial... Mais importante, dessas pessoas, seu pai, seu futuro sogro, a namorada, além da sua, que perdia o significado no torvelinho das emoções, para dedicar-se à proteção das outras. As descobertas, nem de leve poderia confidenciar a quem quer que fosse, sob a pena de ser tachado de louco. No caso de acreditarem, fariam da cidade um antro de curiosos. Para quem desejava preservar o equilíbrio ecológico, um fluxo turístico sem estrutura seria a coisa menos indicada, além da natural exploração do minério. Passeou o olhar nos militares que o assistiam entre extasiados pela canção e admirados pelo controle que ele mantinha nos nervos e conseguir tocar, depois de todas as emoções daquela tarde, até que seus olhos encontraram os de Falcão, que com ele fora vítima da primeira emboscada, à margem do rio. Encarou o sol-dado e deixou que os dedos se movessem automaticamente nas cordas do instrumento, enquanto o pensamento voava ao local do acontecimento. Em sua mente bailavam as cenas de emboscada com outra que insistentemente se obstinava em invadir-lhe o cérebro. Lutou pela conciliação quando, inesperadamente, estampou-se-lhe a fisionomia do Zé de Ticha com a cabeça sobre a pedra assassina. Saltou da cadeira num ímpeto e exclamou:
_ Meu Deus, isto é demais! ? E, pegando o telefone, ligou para o Clemente, no hospital, e perguntou pelo funcionário da ENGETEC que chegara com as cólicas. Ao tomar conhecimento de que parara de gritar, ordenou ao soldado:
_ Cola no pé desse cara. Não deixa ele perceber que você está de olho nele, e chama o Dr. Odorico. Vai ligeiro, que já vamos pra aí!...
Acostumados com a atitude já conhecida do ímpeto momentâneo, os colegas se prepararam para a ação e aguardaram as explicações, que não tardaram:
_ Pessoal, acho que o primeiro suspeito apareceu! Vejam bem, o Falcão e eu sofremos o ataque na beira do rio e o cara sumiu dentro d?água. O Clemente foi ferido quase no mesmo lugar e o cara estava indo pra lá, lembra cabo, que pedi ao senhor para continuar seguindo, enquanto eu ia esperar no lugar do desaparecimento? Agora, o que temos? Um funcionário da ENGETEC que entra no hospital com dores, e não se ouvem mais os gritos. Pode ser apenas coincidência, mas é coincidência demais para o meu gosto. Acho mesmo é que esse cara está lá é para matar o outro. Quem vai comigo?... Alo?!... Olá, Doutor, por favor, tenho um assunto muito delicado e sigiloso. Acho que o rapaz que entrou com cólica, foi assassinar o que me atacou. Por favor, o senhor pode ficar de olho nele por alguns minutos, até que a gente chegue aí?... Obrigado, doutor, logo estaremos chegando. Por favor, não deixa ele perceber nada. Ele é o único suspeito que temos, e não quero perder o fator surpresa!... Até logo mais, doutor!
O Dr. Odorico confirmou, ao menos aparentemente. Logo que os gritos cessaram, a primeira coisa que ele fez foi perguntar pelo ataque que o delegado tinha sofrido e querer saber o leito que o ferido estava. Desconfiado, o médico havia dado um número diferente e Alberto aproveitou para traçar diretrizes. Se fosse da quadrilha, era quase certo que tentaria eliminar o ferido. Só haviam dois problemas a ser resolvidos, dar corda para ele se trair, sem risco para ninguém e, o mais importante, capturá-lo com vida, quer dizer, não matá-lo nem deixar escapar. De acordo com o médico, o leito estava desocupado, e por isso fizeram mon-tagem com almofadas, soro fisiológico, lençóis e todas as características de um recém-operado, na esperança de que ele se denunciasse o mais cedo possível.
Ligou para o Dr. Charles, informando que chegaria por volta das duas ou três horas. Estava no hospital assistindo o ferido em coma e pretendia interrogá-lo, se acordasse. Distribuiu o pessoal de forma que todos se comunicassem sem serem vistos. Imperioso seria caracterizar a participação do suspeito na quadrilha e sua captura com a mão na massa. Orientou que os enfermeiros agilizassem os medicamentos, para que os corredores ficassem desertos o mais cedo possível. Detalhou o plano de forma que todos entrassem em ação ao menor gesto suspeito, sem denunciar as posições, até o momento de agir.
Um detalhe, porém, intrigava o delegado, se fossem verdadeiras as suspeitas, qual seria a arma a ser usada? De fogo, não seria possível... Não se justificaria um doente com fortes cólicas entrar no hospital armado. Poderia ser de faca, mesmo sendo um risco a correr... Em regiões agrestes, tudo é permitido. Pena, ele não poder vistoriar as coisas do doente, e o trabalho estaria perdido. O jeito seria prevenir qualquer eventualidade, a menos que... Mas, claro, só poderia ser isso, ele entrava no hospital como doente e depois era só receber a arma pela jane-la... Como não pensara nisso antes?... Mas ainda havia tempo de sobra. Os movimentos que fizeram no corredor não ultrapassavam os da rotina e não precisa-vam temer qualquer alarma, se ele estivesse acordado. Colocou dois soldados do lado de fora e instruiu-os a deixarem qualquer pessoa entregar o que trouxesse, pela janela. Quando saísse, eles seguissem até a primeira esquina e dessem voz de prisão. Assim, seriam três, apesar de o primeiro estar tão mal que não aparentava resistir por muito tempo. Estremeceu ligeiramente, mas recuperou-se e orou:
_ Meu Deus, será que vou ser um assassino?...
Mas, as necessidades do momento eram prementes e não lhe permitiam demorar muito tempo na interrogação e conduziu o pensamento de volta às providências imediatas.












Autor: Raul Santos


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