A Maldição da Lenda - Reunião de Cúpula e Uma Cervejinha, Que Ninguém é de Ferro







Fez uma pausa e o juiz que acompanhara atentamente, perguntou:
_ Se com tantas evidências, não é o Afonso, quem pode ser, então?... O Dr. Charles está mais ligado ao pessoal da ENGETEC que qualquer outra pessoa. O delegado que vem acompanhando com a dignidade de um veterano apesar da pouca idade, no seu equilíbrio para não ser injusto, tem algum indício que possa nos levar ao culpado?
_ Gostaria de pedir à V. MMª que nos concedesse o tempo de interrogarmos os prisioneiros, esta noite, sob a vossa orientação, caso queira, dada a nossa inexperiência, para que tenhamos uma opinião mais concreta. Pediria aos senhores, no entanto, que fizessem bastante sigilo, como temos feito até agora. Temos poucos soldados, mas os que desejarem segurança policial, se derem condição de alimentação e alojamento, faremos um esforço pra atender... Dizem eles que filar uma bóia de vez em quando, até que faz bem à saúde!... ? Gracejou, para quebrar a tensão do momento, e continuou: Quanto ao chefão, é apenas uma questão de tempo... Repito que os senhores, além dos policiais são os únicos que conhecem o que narrei... Há outras providências de cunho técnico que desejo revelar apenas ao Dr. Gil e ao Dr. Sinval, pra não interferir nas investigações, às vezes com opiniões que venham de encontro com as medidas já tomadas. O motivo desta reunião é levar ao vosso conhecimento como maiores autoridades, considerando que meu pai é o tesoureiro, mas tem sido meu confidente e conselheiro... O Dr. Gil e o Dr. Sinval podem nos dar a honra da sua companhia, no interrogatório?
_ Claro!... Além da curiosidade normal de saber quem é esse membro da nossa comunidade, quero também, como juiz, dar a sentença justa!...
O promotor, que se mantivera em silêncio, acrescentou:
_ Eu também quero dar a minha parcela de colaboração nesse caso!...
_ Muito obrigado aos senhores. Sem a presença do sargento Argolo, não me sinto preparado para conduzir este inquérito!...
Enquanto Alberto dialogava com os forenses, as fisionomias se alteravam de acordo com o que era dito, permanecendo a da surpresa e da admiração de como aquele jovem rotulado de filhinho do papai, irresponsável e cabeça-de-vento conseguira dirigir as investigações e liderar a reunião com tamanha maestria. O padre que se mantivera calado, dirigiu-se a Alberto e Agnelo, com entusiasmo:
_ Quero parabenizar aos dois pela integração familiar que têm vivido e lamentar a perda irreparável que sofreram. Vocês têm sido mais irmãos do que pai e filho. Não sei o que fazer num caso como este pois como todos sabem, sou totalmente avesso à violência e por isso só posso oferecer as minhas preces que são a melhor coisa a dar de mim, rogando a Deus que esses fatos desagradáveis tenham um desfecho pacífico e que essa pessoa desvirtuada, essa ovelha desgarrada se conscientize dos deveres cívicos e cristãos e se integre na nossa maneira de viver, para continuarmos a tradição dos nossos avós, num clima pacífico de amor e fraternidade... Quero lembrar aqui que o lugar deste rapaz não é numa delegacia... Ele é um artista nato e seu lugar é num palco, alegrando não só a juventude, mas a quantos o ouvirem... Lembro-me que na gestão do Dr. Silvano, tivemos um período de paz e tranqüilidade... O Sr. Afonso não foi tão feliz pois na sua campanha ocorreu o primeiro fato desagradável com a morte do Euclides... Sua atenção era voltada para o pomar, a horta, o lago para os peixes e o criatório de cabras, que não iam deixar uma só criança ser chamada de MENOR ABANDO-NADO e passar fome... Suas mães teriam uma fruta-pão para o café da manhã e uma caneca de leite para acompanhar, uma abóbora, um chuchu, uma mandioca, um peixe e o que mais fosse... O problema de alimentação estaria definitivamente resolvido... Problema este que lamentavelmente ainda não o foi porque ainda estamos no final do primeiro ano da gestão do Sr. Afonso... Mas, voltando ao Euclides, quero advogar em favor do Sr. Afonso... Seria monstruoso demais um candidato a prefeito eliminar o seu mais valioso colaborador, apesar de, na verdade, todas as circunstâncias convergirem para a sua pessoa... Sr. Afonso, de coração, aceite a minha solidariedade como guia espiritual desta cidade, com a promessa de que tudo farei nas minhas orações para caracterizar a sua inocência!...
Emocionado, o prefeito curvou a fronte humildemente e disse:
_ Obrigado, padre!...
O reverendo ergueu novamente a voz e prosseguiu:
_ Mas, por outro lado, se o Sr. Afonso é inocente, alguém obrigatoriamente terá de ser culpado... E é para este alguém que devemos convergir as nossas atenções e as nossas forças... Fazendo eco às palavras do nosso jovem delegado, acredito também que seja dos nossos círculos sociais... Mas, quem?... Qual será o motivo que poderá levar alguém a cometer tão hediondos crimes?... A sêde do ouro?... Temos ouro no nosso subsolo?... Se fosse verdade, acredito que ao menos uma insignificante pepita já teria surgido... Mas não surgiu... Se não surgiu, é porque não temos ouro no nosso subsolo... E se não temos ouro, o que teremos?... Qual a teoria do nosso jovem delegado? Qual a teoria do nosso Secretário de Obras, Dr. Charles Burnier, que ainda não se pronunciou? Podemos ouvir-lhes os pronunciamentos?... Delegado, por favor, deseja fazer uso da palavra?...
_ Obrigado, padre, mas como falei, não desejo adiantar nada enquanto não tomar os depoimentos, pra não ficarmos no campo das conjecturas, que poderão descambar para as acusações infundadas... Quem for culpado, assim como esses dois que estão aí dentro, irá para a cadeia, mas quem for inocente, não permitirei que seja acusado injustamente. Só posso adiantar que tomei algumas providências, as quais, como disse antes, apenas com ele trocarei opiniões e colherei instruções... No impasse a que chegamos, e dado o adiantado da hora, sugiro que encerremos a reunião, mas advirto seriamente que três bons amigos se foram, eu sofri três atentados a bala, um soldado está no hospital, um membro da quadrilha foi covardemente assassinado depois de embriagado, com uma pedrada na cabeça por ter falhado na missão de jogar um fósforo aceso na gasolina que outro jogou debaixo da porta da farmácia do meu pai... Por coincidência ou não, o que jogou é o mesmo que está aí dentro preso, por ter levado o rifle para o outro atirar nas almofadas... ? Disse, não resistindo à tentação de fazer piada em meio a tanta seriedade, e continuou: cabo, por favor, mande trazer o rapaz para que eles vejam o ferimento... O que me atacou na segunda vez, no rio, está no hospital, em coma... Eles são realmente perigosos... Concluindo o raciocínio, quero que observem aqui nesta pequena reunião que temos como suspeitos o atual prefeito, o anterior, o Secretário de Obras e mais outra pessoa que me reservo ao direito de não citar o nome por estar de viagem para o Rio de Janeiro e Brasília, cuidando de assuntos correlatos ao nosso debate...
_ O Dr. Lourinaldo... ? Disseram em uníssono seu pai, o prefeito e o Dr. Charles, que tinham conhecimento da ação movida a respeita da árvore.
_ Ele!... ? Confirmou, sem tentar ocultar o que pensava. ? Mas como eu dizia, temos estas pessoas como suspeitas, quando até o início da reunião eram pessoas da mais fina lisura e agora surgem como suspeitos dos mais cruéis assassinatos... Será que algum deles ou todos são inocentes e estamos enlameando os seus nomes injustamente?... Só uma coisa posso dizer com convicção: temos de manter o mais absoluto sigilo e vigilância absolutos quanto a tentarmos descobrir quem é o culpado... Ele, está provado, que existe... Conclamo os senhores a se tornarem cada um, um delegado, pra limparmos a nossa cidade desse cancro e lavarmos a honra dos que estão sendo emporcalhados por nós mesmos. Peço encarecidamente não se enveredarem pelas acusações mútuas, mas também não confiarem em ninguém, absolutamente, até que peguemos esse assassino covarde, mas que tem provado ser muito inteligente... Os que desejarem garantia policial, faremos o possível pra atender... Apesar de ermos quatro fora de circulação, não sabemos do seu potencial, e qualquer passo em falso será da inteira responsabilidade de quem o der. Estamos nos passos iniciais, mas não pretendemos demorar muito para o desfecho final... Ah! Aqui está o que jogou a gasolina por baixo da porta, atirou num soldado e levou o rifle para o outro. Nessa aparente timidez, tem-se revelado elemento de alta periculosidade e conhecimento profundo dos assuntos da quadrilha. ? E ordenou ao marginal: Tira as calças!...
Alberto mostrou o curativo e disse:
_ Aí está, senhores!... Devemos ter prova maior?...
Nas fisionomias, só viu gestos de negação, como a dizerem que não necessitavam de maiores provas. Aproveitou e mandou o escrivão preparar para tomar o depoimento.
_ Algum dos senhores deseja acompanhar o interrogatório, ou desejam se retirar?... Não sabemos até que hora poderemos ir!...
Numa rápida consulta, com exceção do juiz e do promotor, os homens decidiram se retirar. Quaisquer que fossem os detalhes, não seriam eles a decidir. Concluíram que o jovem de apenas vinte e dois anos era, ao menos durante aquela transição, a pessoa mais importante de Serra Dourada. Ao pensar nisso, Agnelo sentiu uma terrível euforia que logo arrefeceu ao pensar também que a qualquer momento, em algum lugar, seu filho amado poderia tropeçar com um projétil que lhe ceifaria a vida. O pensamento causou agudíssima dor no peito e somente a custa de muito esforço conseguiu dominar. Alberto que a tudo estava atento, percebeu o transe e perguntou:
_ Papai, está sentindo alguma coisa?...
_ Não, filho!... Só um pequeno mal estar, mas já passou. Acho que é o acúmulo de serviço e coisas da idade!... ? Olhou o prefeito e perguntou:
_ Quer ir agora?...
_ Claro!... Amanhã será um dia bastante cheio, pelo que temos aqui!...
_ Seu Afonso, - pediu Alberto ? por favor, o senhor pode dar uma passada no hospital e pedir ao Dr. Odorico pra ver o que meu pai tem?
_ Claro, Alberto, fique tranqüilo, que farei!...
_ Mas não vai ser preciso!... ? Protestou Agnelo.
_ Acho que nessa campanha, você não vai ganhar nem um voto, quer ver? ? Perguntou aos amigos: Levo ao hospital ou não levo?
_ Leva, sim!... ? Responderam os outros.
Sorridentes com a brincadeira, levantaram-se e o vigário pediu carona, bem como o Dr. Charles. O Dr. Silvano levantou, deu boa noite e saiu. Obedecendo ao esquema, os policiais se movimentaram na escolta dos visitantes e ocuparam as três viaturas.
A sós com o prisioneiro, o juiz, o promotor e uns policiais, Alberto disse:
_ Agora chegou a nossa vez!... vamos trabalhar?...
O vagabundo olhou para todos os lados, como se estivesse coagido, aparentando querer chorar. Alberto percebeu e disse:
_Agora é um pouco tarde pra lamentos. Muita gente morreu por sua causa e você próprio quase matou um dos nossos, além de quase tocar fogo na farmácia do meu pai. Aliás, acho até que foi você quem me atacou na beira do rio!...
_ Não!... Não fui eu, não!... Foi o que está no hospital!... É ele quem faz esse tipo de serviço, porque não erra o tiro e tem mais facilidade pra se esconder!...
_ Assim está bem melhor!... Quanto mais você colaborar, mais cedo ficará livre de nós. Aliás, parece que de nada valeu a esperteza dele... Não parece estar muito bem de saúde!... ? Concluiu, esquecendo-se da angústia de momentos antes, sentindo inclusive uma pontinha de orgulho e mórbido sabor de vingança, dos quais se libertou tão logo percebeu o caminho por onde enveredava. Recuperou-se e voltou ao ataque:
_ Mas foi você que atirou em mim lá no quintal lá de casa, não foi?!...
_ Não!... Dessa vez foi o que está lá dentro!...
_ E como foi que ele fez para atirar por cima da casa?...
_Ele estava dentro da concha da pá carregadeira!... Podia se esconder enquanto andava pela rua e ficar mais alto do que o telhado!...
O rapaz sentiu um calafrio e agradeceu a Deus por estar vivo. Se não fossem os seus reflexos ou outro dom acima do seu entendimento, estaria naquele momento, debaixo da terra, sendo roído pelos vermes. O pensamento lhe fez subir terrível emoção e ele pediu licença para respirar e, por que não, chorar um pouco e desafogar a opressão do peito.
Retornou e apressou-se em explicar a causa da sua angústia. O magistrado que se mantivera silencioso, olhou o prisioneiro e perguntou ao delegado:
_ Não quer escrever estas informações?...
_ Sem perda de tempo, convidou o escrivão a qualificar o preso e pediu:
_ Dr. Gil, o senhor não quer conduzir o interrogatório?...
_ Vou ficar de parte. Se houver necessidade, interfiro. Eu não sei o que está ocorrendo e só quem descobriu é que pode elaborar, com os dados que dispõe!...
Oculto na aparente covardia, o meliante demonstrou ter bastante conhecimento das atividades da quadrilha. Alguns funcionários da ENGETEC estavam envolvidos e as escavações eram feitas através do poço deixado pelos ET?s. O urânio era contrabandeado nos caminhões que apanhavam madeira em serrarias da cidade, descarregavam uma parte dentro de um túnel escavado no morro, cuja abertura ficava por cima da carroceria. Outro caminhão trazia dois contêineres que eram distribuídos para os dois e a madeira colocada ao redor. O segundo pegava outro carregamento de madeira, para justificar as cargas nos postos fiscais. A que sobrava era utilizada como escoras nas escavações.
Perguntado pelos nomes dos funcionários, disse que recebia as ordens do que estava preso e nem todos garimpavam. A característica básica da quadrilha era o sigilo e o membro que fosse pilhado tecendo algum comentário, seria inapelavelmente eliminado. Ele tinha se envolvido, quando foi apanhado tentando vender um alternador de caminhão, do almoxarifado, e fazia chantagem.
O juiz e o promotor providenciaram um Mandado de Busca nas instalações da ENGETEC e arredores, incluindo a caixa do rio e adjacências e foram dormir.
Alberto perguntou como tinham tomado conhecimento do poço, mas ele respondeu que era um segredo dos chefes e não sabia informar. O rapaz ficou apreensivo com algo que não soubera definir e prometeu a si mesmo voltar a pensar no assunto, quando estivesse com a guitarra. Riu ao pensar nisso...




Autor: Raul Santos


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