A Maldição da Lenda - No Ventre da Terra, Um Mundo À Parte, Mas, Tem o Caminhão...







CAPÍTULO VINTE E OITO
No Ventre da Terra, Um Mundo À Parte, Mas, Tem o Caminhão...

O prisioneiro estava algemado e saíram para a casa do Dr. Gil, a fim de revistarem as instalações e o convidaram a participar da diligência. O juiz, preocupado com o que ouvira na madrugada não se fez esperar. Convidaram o promotor e o marginal os levou à casinha da bomba d?água. Apontou uma tampa de ferro, aparentemente sem utilidade, meio oculta pela porta. Tiraram a tampa e o chão se abriu num buraco de proporções inimagináveis à primeira vista. Dentro, havia ganchos e correntes que demonstraram ter utilidade bastante significativa. Despertando para um lapso de memória, Alberto pediu que buscassem o Dr. Charles, enquanto ele guardava o material, e confidenciou:
_ Vamos usar a surpresa pra ver se ele está envolvido ou é só máscara?...
_ Ótimo! Se tiver alguma coisa a ver, sem dúvida, vai se denunciar. Se for inocente, vai se surpreender e depois se indignar. Vamos preparar o cenário!...
Dez minutos, e o veículo voltou com o engenheiro, que desceu esbaforido. Refreou um pouco a excitação quando viu o juiz e o promotor, e perguntou:
_ Delegado, o que houve?... O que foi que descobriu?...
_ Por enquanto, nada, mas parece que aí tem coisa que nos interessa!...
_ Aí?... Delegado, não me faça perder tempo. Posso garantir que aí só tem a bomba d?água e nada mais... O senhor deve saber que esta não é a primeira vez que entro aí, e conheço cada centímetro quadrado!...
_ Então, creio que o senhor não se oporá em nos acompanhar, não é? Além do Dr. Gil e do Dr. Sinval, temos ainda um mandado. ? E exibe o papel.
_ Vamos, que tenho muito serviço e isto não vai a lugar nenhum!...
Dentro da casa, Alberto, puxou a porta, apontou a tampa e perguntou:
_ O que é isso, Dr. Charles?...
_ Era um pequeno registro que íamos colocar, mas desativamos. Não sei nem se tiraram!... ? Suspendeu a tampa e levantou-se, estupefato. Na sua fisionomia estava a surpresa de quem não queria acreditar no que seus olhos insistiam em provar que era real.
_ Que brincadeira é essa?... Quando abri essa tampa, não tinha mais do que dois palmos de profundidade. Agora passa de um metro e meio. O que é isso?...
_ Por favor, fique calmo, que o senhor vai saber de muita coisa que desconhecia. Desconhecia, não é o termo. Desconhece, ainda. Mas vamos aos fatos!...
O prisioneiro mostrou a utilidade dos ganchos e correntes, apontando uma viga de concreto no teto e disse para atrelarem uma catraca numa corrente. Mandou engatarem outra corrente com um gancho que recebia uma amarração, vinda da bomba. Orientou o desligamento das conexões e fosse içada. Os homens se mesclavam numa simultaneidade de movimentos que só os militares se distinguiam pelos uniformes, tal o afã da descoberta. Elevaram a bomba à altura de um metro e viram embaixo um buraco com diâmetro aproximado de sessenta centímetros, que dava muito bem para alguém de físico médio descer pela escada de ferro que ficava logo abaixo.
Vendo o material, o Dr. Charles não conteve uma dolorida exclamação:
_ Meu Deus, esse material não pode ter sido desviado. Eu controlei o consumo em todos esse meses e não permiti que uma única vareta de solda fosse desviada. Deve haver outra explicação, pois eu não entendo mais nada!... ? Lembrou do que Alberto dissera, e desabafou, como se falasse consigo próprio:
_ O delegado tem razão!... Eu não poderia controlar as instalações durante o sono, e eram doze horas ou mais que eu passava fora. Eles tinham todo o tempo livre para agir à vontade!... Mas se este serviço é uma obra de caldeiraria tão perfeita, a ENGETEC deve estar envolvida!... Por que não chamam o Sr. Bonifácio, para interrogatório?
_ Fique calmo, Dr. Charles! Depois que o senhor saiu com meu pai e seu Afonso, ouvimos este prisioneiro e o Sr. Bonifácio. Tentamos ouvir o outro, mas, obstinadamente, insistiu em ficar calado. O que nos interessava era saber o que o senhor pensava, mas vou deixar os comentários pra o Dr. Gil, se desejar!...
_ É cedo para formar qualquer opinião!... Primeiro, vamos cuidar das outras coisas. ? E, tomando a dianteira, perguntou ao prisioneiro:
_ Onde se acende a luz?
_ Atrás da escada, aí, no teto do buraco!...
_ Quem paga essa conta de luz?...
_ A rede está ligada nas instalações da bomba...
_ ... e a Prefeitura paga... Vocês roubam de todo jeito, não é?...
O juiz e o promotor não esperaram resposta e iniciaram a descida, como se soubessem o que encontrariam, seguidos do Dr. Charles. Alberto coordenou a segurança e ordenou que o prisioneiro descesse, seguindo-o, após.
Na base da escada, viram a maravilha de engenharia instalada. Um salão com vinte e sete metros cúbicos, todo na chapa de ferro, com quarenta centímetros de largura, que fizeram o Dr. Charles dar um grito de euforia:
_ Só um soldador faria isto! Se Serra Dourada não tem um, vou denunciar... Delegado, quero que prenda todos os soldadores da EnGETEC!...
Alberto perguntou ao juiz:
_ Posso?!...
_ Considerando que as oficinas de lanternagem têm soldadores, eles precisam ser investigados. Vou expedir a ordem. Mande pegar os formulários, no carro. Eu trouxe por precaução!
Enquanto aguardavam, entraram no túnel, com altura aproximada de um metro e meio por oitenta centímetros de largura, no concreto. Percorreram uns duzentos metros até chegar ao poço feito pelos exploradores interplanetários. Alberto lembrou-se dos anciões e comunicou ao Dr. Gil o acordo e pediu dez minutos antes que começassem a descida. Voltou à casinha e pediu a um dos soldados que fosse convidá-los para a descida. Os macróbios não se fizeram de rogados e atenderam de imediato. Encontraram o delegado à porta da casinha a esperá-los ansiosamente, com um pequeno discurso:
_ Senhores, conforme o previsto, a via de acesso não é pelo totem sagrado, e sim por aqui. Como não desejo quebrar os nossos laços, mandei convidá-los para descermos juntos ao poço. O juiz e o promotor estão aguardando a nossa Chegada. Quando estiverem prontos, poderemos descer. Está certo?...
_ Muito certo!... ? Disse o cacique, solenemente. ? Acompanharemos!...
Quinze minutos depois, os soldados chegavam com Bonifácio e três soldadores que se mostraram extasiados com a obra monumental realizada bem debaixo dos seus pés, sem que eles ao menos suspeitassem da sua existência.
Iniciaram a descida, e foram diretos ao túnel onde os outros aguardavam. Na escada do túnel dos ET?s, os índios olharam para cima e viram a base do totem. Revoltados, discutiam na sua língua. Desceram uns oitenta metros e deram com um enorme salão parcialmente lotado com pás, picaretas, correntes, cabos-de-aço, chapas de ferro das mais diversas espessuras, catracas, caixas de eletrodos, máquinas de solda, garrafas de oxigênio e acetileno, tábuas, pacotes de pregos, barrotes de madeira, material hidráulico e elétrico, um sofisticado sistema de ventilação, dois moderníssimos grupos geradores que poderiam entrar em funcionamento alguns segundos após o black-out e um eficientíssimo sistema de exaustores. O material mais abundante era o hidráulico, composto de bombas, tubulações e mangueiras que jamais permitiriam uma inundação, por mais violenta.
Estáticos e extasiados, contemplaram as instalações e decidiram seguir para as escavações. Estava equipado por moderníssimas medidas de segurança, tanto pessoal, como botas, capacetes, cintos, máscaras contra gases e proteção contra a radioatividade, quanto contra desabamentos, que seriam fatais naquela profundidade. Irritados, fixaram os olhares no pessoal da ENGETEC, como a pedir explicações. Aquela obra não poderia ter sido realizada sem os seus conhecimentos. Gesticularam, mas nenhuma palavra de nexo lhes saía dos lábios e decidiram re-tornar, para tomar depoimentos. Alberto distribuiu o trabalho de forma que um cabo e alguns soldados conduzissem o pessoal da ENGETEC, depois de organizar vigilância, enquanto ele com o outro cabo e um soldado levariam o prisioneiro à serraria. Tinha forte suspeita de encontrar qualquer pista que os conduzisse aos contrabandistas e não quis duvidar da intuição. Ela já lhe salvara por mais de uma vez, e não seria daquela que a desprezaria. Na chegada, foram advertidos de que um daqueles caminhões era usado no contrabando. Alberto lembrou-se de não ter visto nenhum carregamento pronto e interrogou o prisioneiro.
_ Eles já tinham colocado lá em cima, pra despejar no caminhão!...
_ Lá em cima, onde, se não vimos nada?...
_ No barranco de onde tiraram a terra tem um túnel que vai dar na mina. O caminhão fica debaixo e o minério cai dentro da caixa, que nem o motorista vê o carregamento... Só ouve o barulho da terra caindo dentro do baú!...
_ Ah, essa eu quero ver de perto!... Meu filho, você está atolado até o pescoço. Mas se você nunca matou ninguém, tomar vergonha na cara e colaborar com a gente, eu prometo que vou tentar livrar a sua barra com a justiça, mas não vai com muita sede ao pote, não, porque antes tenho de confiar em você, certo?... Afinal, você andou perto de matar um soldado, levou a arma para matar um moribundo e não sei o que tem mais. Reze para Deus te ajudar que os seus crimes sejam só desse tipo. Agora, vamos ao que interessa... Quero esse motorista preso e você vai ajudar... Posso contar com você?...
O marginal esbugalhou os olhos, engoliu em seco e perguntou:
_ O que é que eu tenho de fazer?...
_ Muita coisa!... Pra começar, você tem de convencer esse cara a ir pro barranco, dizendo que está tudo bem. Topa?...
_ E se eles descobrirem que eu já estou preso e me matarem?...
_ Ora!... Você andou perto de morrer contra a lei, agora tem o consolo de morrer a favor da lei. Não é uma grande vantagem?... ? Perguntou Alberto, cinicamente. ? E deixa de fazer essa cara de bebê chorão. Quem faz o que você fez, não convence muito, tá?... Pense bem, é pegar ou largar... Se avisar o motorista, ele não vai conseguir escapar, pois estamos no calcanhar dele. Além do mais, temos a placa de um caminhão anotada pelo Euclides e que foi a causa da morte dele. Você sabe disso, não é?... Se não for este, não tem importância. O sargento Argolo deve estar a esta hora com o serviço levantado, no Rio de Janeiro. Por estes motivos é que vou confiar em você. Quero lhe dar a oportunidade de se sair bem dessa. Você já colaborou bastante e achei você simpático... Como é?... Vai topar, ou vai trair a minha confiança?...
_ Não vou trair, pode confiar! Se tiver de morrer, já valeu a experiência e vou me agarrar a esta oportunidade, pra sair do crime. Quem sabe, posso mudar de vida com esta chance que o delegado está me oferecendo?!... Só tenho mais é que agradecer!...
_ Então, combinado, e não se fala mais nisso. Vamos à luta!...
Enquanto o caminhão era carregado, Alberto levou o prisioneiro à casa do juiz e narrou o ocorrido. Quando falou do túnel, o magistrado interessou-se em acompanhá-lo e traçaram um roteiro cronometrado para voltarem à mina e não deixar o caminhão escapar. Ligaram para a delegacia e pediram dois soldados na mina, que os ajudariam a escoltar o preso. Os que estavam com ele voltariam à serraria e se postariam de modo que não fossem vistos pelo motorista, e desceram o poço. Entraram na casinha e desceram pela bomba, que ficara suspensa. Nas escavações, depararam com outra subida dotada de um sistema de cabos de aço e roldanas motorizadas, que levava o material da fonte à moega de carregamento dos caminhões. O engenho era tão eficiente que permitia encher vários no espaço de alguns minutos. Por estarem debaixo do chão, não atinaram bem com a localização exata da saída do material, mas não quiseram pôr em risco o sucesso da missão e voltaram para a serraria, enquanto o Dr. Gil ia para o fórum.
Quando o motorista se preparava para entrar no caminhão, Alberto tirou as algemas e confiando que o caminhão era de fora, e ele aprisionado à noite, o marginal aproximou-se, sorridente. O motorista não vacilou e abriu a porta. Eram conhecidos de algum tempo e não havia motivo para desconfiança.
Próximos do local, disse que iria avisar o pessoal, para não atrasar o serviço, e saltou. Correu com todas as forças, subiu para a moega e olhou para baixo. O caminhão acabava de fazer a manobra e o contêiner ficou debaixo de onde ele se encontrava. Puxou uma alavanca e uma enorme lâmina de ferro deslocou-se e jogou a carga para baixo.
Os policiais se aproximaram e quando o motorista engrenou a marcha, Alberto, que se ocultara numa dobra do barranco, saiu ao lado da porta, apontou-lhe a arma e gritou:
_ É melhor se entregar!... Os outros estão presos e de nada adianta fugir!...
O homem desengatou a marcha, abriu a porta e ergueu os braços.
_ O que vão fazer comigo?... Tenho mulher e filhos para criar!...
_ Nada que não esteja dentro da lei!... Vocês deviam pensar nas famílias, antes de se meterem nessas enrascadas, não era depois de estarem em cana!... Se é isso que lhe preocupa, fica descansado, que vai encontrar com eles mais cedo do que espera. Só quero saber uma coisinha de você, de quem é esse caminhão?...
_ Da ENGETEC, Engenharia e Serviço, do Rio de Janeiro!...
_ E, por quê não está com o logotipo na porta?...
_ Não sei. A firma tem muitos veículos... Uns têm logotipos e outros não. Só sou motorista, e não me meto com essas coisas... É lá com os chefes!...
_ É, dá pra se notar que você se mete com outras coisas bem mais importantes, contrabando de urânio, por exemplo, é uma delas!...
_ Urânio?!... Me disseram que era malacacheta... sei lá... qualquer coisa!...
_Pois é!... Agora tá em cana, e nem sabe por quê!... Ou sabe?!...





Autor: Raul Santos


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