A Maldição da Lenda - Parabéns, Sargento!...Obrigado, Pra Você, Também!...





CAPÍTULO VINTE E NOVE
Parabéns, Sargento!...Obrigado, Pra Você, Também!...

O enorme troféu parou na porta da delegacia e iam tomar os depoimentos, quando o telefone tocou. Era o sargento Argolo com as primeiras notícias.
_ Alberto, é Argolo! Olha, o caminhão VK ? 5802 é da ENGETEC, Engenharia e Serviço, aqui do Rio de Janeiro. Vou continuar investigando, pra ver o que descubro mais. E, por aí, como andam as coisas? Já falou com os índios? O que disseram?...
Pela natural curiosidade e sabendo que as notícias, seriam como uma bom-ba de cinqüenta megatons, calmamente, rebuscou as palavras e respondeu:
_ Sim, sargento, falei com os índios e eles me deram algumas respostas que estão resolvendo a questão. Por exemplo, nós nos enganamos ao pensar que havia ouro aqui, mas é urânio... Sim... Urânio!... Outra coisa, acabamos de prender um caminhão, também da ENGETEC, com a boca na botija, quer dizer, recebendo o carregamento. Está aqui na porta!... Acho que foi por ter visto um semelhante, que o Euclides morreu. Ontem à noite, ouvimos o Sr. Bonifácio chefe das instalações da ENGETEC, mas ele parecia não saber de nada, inclusive quando descemos para a mina debaixo da Reserva Indígena!
Enquanto falava, ele percebia que o militar se tornava tão eufórico que por pouco não atravessava o fio, para ver de perto, e continuou:
_ Antes que me esqueça, por favor, anote a placa do caminhão. Ele foi apanhado em flagrante e o senhor pode acionar por aí o que for de direito. Não tenha receio de tomar as providências que forem necessárias. Temos a cobertura do governador, do juiz e do promotor, que estão acompanhando de perto as investigações. Ontem, quando fui falar com os índios, sofremos outro ataque e conseguimos pegar o cara, mas ele está em coma no hospital. Mais tarde outros dois foram tentar acabar com ele, queima de arquivo, não sabe? e nós os pegamos... Um deles me entregou o caminhão!... Ah, a placa é XV-0763, e o senhor pode virar o Rio de Janeiro de pernas pro ar. Dinheiro, já sabe que não é problema, é só telefonar. Mas não esqueça de dizer que está no Rio. Vamos enfiar todos eles na cadeia, começando pelos chefões!...
_ Por falar em chefões, como anda seu personagem misterioso?...
_ Fuzilando-me com o olhar, cada vez que nos encontramos. Acho que não demora muito, vai dar um gromogô da zorra. Se agüentar, vai ser melhor, pois quero ter o prazer, eu mesmo, de trancar a cela que ele entrar. Se pra ele eu sou um moleque irresponsável, pra mim ele não passa de um patife assassino. A guerra de nervos a que ele me submeteu, agora, vai ter de suportar em doses muito mais elevadas. Eu vou pegá-lo, o senhor vai ver!... ? Concluiu com tamanha veemência, que chegou a surpreender a si próprio.
_ Rapaz, parece que você estava esperando eu sair daí pra bater a poeira e limpar a sujeira da cidade?!... E o pior, é que parece que você quer que eu faça o mesmo aqui no Rio, não é? Mas, quem sou eu pra dar essa virada? Vou fazer o que for possível, tá?...
Rindo, se despediram como bons amigos. Sabiam que com aquele telefonema, os destinos futuros da quadrilha estavam selados. Eles que se cuidassem!...
Alberto desligou e deu uma rebuscada na problemática. Havia tanto serviço que se não dedicasse o tempo integral, ficaria tudo pela metade. Ele não tinha intenção de ficar muito tempo no cargo de delegado, nem tampouco, por uma questão de amor próprio, deixar que outro solucionasse no seu lugar. Chamou o escrivão e traçaram um roteiro para os depoimentos. Por mais que acelerassem, sabia que não terminariam naquele dia e nem nos próximos. Arregaçaram as mangas e puseram mãos à obra.
* * * * *
O sargento desligou e pegou o carro alugado, não por mordomia, mas para evitar corridas de táxis que certamente ultrapassariam o valor do aluguel e roubaria tempo na espera. Rumou para o escritório da ENGETEC e procurou o Dr. Carlos Morales. Aborreceu-se com a informação de que somente chegaria por volta das nove horas, mas, surpreso, olhou o relógio e percebeu que na sua euforia, acordara muito cedo, chegara ao DETRAN antes do início do expediente e parecia querer encontrar todo mundo nos seus postos, apenas para atendê-lo. Lembrou da conversa de minutos antes e sorriu interiormente, armando-se, pacientemente de calma, para aguardar. Sentou-se, mas observou que antes dele haviam chegado alguns senhores engravatados e percebeu que teria certa dificuldade em falar com o homem. Concluiu que teria de usar dos recursos disponíveis e lamentou não ter levado o uniforme militar. Na agitação carioca, seus documentos pessoais não teriam muita influência e ele não queria chamar atenção. Mesmo armado de paciência, não deixava de a todo instante consultar o relógio. O ponteiro dos segundos passeava lentamente pelo mostrador, deixando-o sobremodo nervoso e agitado, principalmente depois que os minutos começaram a exceder das nove horas, enquanto a sala se enchia cada vez mais. Quando a paciência já chegava ao ápice da tolerância, por mera casualidade, ouviu uma rápida troca de palavras entre a secretária e um dos funcionários, mais à guisa de troça:
_ Esse Dr. Carlos, enquanto não vistoria tudo lá embaixo, não sobe!...
Com o comentário, o sargento saiu discretamente e, no térreo, procurou o engenheiro no meio do maquinário, até que minutos depois alguém informou que o doutor já havia subido. Frustrado, porém aliviado com o exercício que diminuíra a tensão, fez discretos respiratórios e partiu para o elevador. Na recepção encontrou um grupo ainda maior de pessoas que ocupavam a sua vaga na fila. Pôs-se a esperar, mas percebeu que o primeiro a ser atendido estava demorando muito. Se os outros fizessem a mesma coisa ele não seria atendido naquele dia e re-solveu usar de um estratagema. Desceu o elevador e foi a uma banca de revistas comprar fichas telefônicas. Selecionou no catálogo o número da ENGETEC e ligou do orelhão mais próximo.
_ ENGETEC, Engenharia e Serviço, bom dia?!...
_ Bom dia! O Dr. Carlos Morales, por favor?!...
_ Quem deseja falar, por favor?...
_ Polícia de Serra Dourada, com urgência!...
A moça assustou-se um pouco, mas logo se recuperou e perguntou:
_ Qual o assunto, por favor?...
_ Moça, se você não completar a ligação agora, eu não garanto que vá permanecer no emprego por muito tempo. Preciso falar com o Dr. Carlos Morales, com urgência, e o assunto é sigiloso. É o bastante?...
_ Sim, senhor! Um momento, por favor!...
A secretária teclou o interfone e disse:
_ Dr. Carlos, uma ligação urgente da polícia de Serra Dourada. Completo?
_ Claro! Claro que completa!... O que aconteceu?...
_ Não sei Dr. Carlos! O homem está apressado e nervoso!...
_ Tudo bem, completa!...
_ Alo, quem fala?...
_ Dr. Carlos Morales?!...
_ Sim, é ele. Quem deseja falar?...
_ Aqui é o sargento Argolo, da polícia de Serra Dourada. Sinto informar que as coisas não estão nada bem pra a sua empresa, na minha cidade. Dizendo melhor, seus funcionários estão envolvidos com os assassinatos de três delegados e tráfico de minério...
_ O quêêêêê?!... Meu pessoal?... Que conversa é essa, meu amigo?...
_ Saí de Serra Dourada ontem pra investigar um caminhão da sua empresa. Tem muita gente na recepção e preferi ligar. Devo subir ou o senhor desce?...
_ Meu Deus, o que será que Boni fez? Será que resolveu me trair?...
_ Não sei, meu amigo... Como fazemos, eu subo ou o senhor desce?...
_ Estou aguardando, sargento. Vou dispensar os outros!...
Atravessou o curto espaço e chegou ao escritório em poucos minutos. Identificou o engenheiro, pela ansiedade e apertaram-se as mãos, surpreendendo a secretária e os que aguardavam. Enquanto entravam no escritório, o engenheiro avisou que o assunto era do mais alto sigilo e ninguém deveria interromper.
Logo que entraram, o telefone tocou e o Dr. Carlos atendeu, deixando escapar um berro que assustaria o mais valente dos samurais:
_ Boni, seu desgraçado, o que você andou aprontando aí? Não foram claras minhas recomendações pra vocês ficarem longe de complicações? E agora, estão envolvidos nos assassinatos que você, cinicamente, me deu a notícia, como se fosse a maior novidade?! Pode se arrumar pra receber o substituto. Não fico nem um minuto com um salafrário na minha empresa, entendeu bem? Você está despedido e não me apareça pela frente nunca mais, pois mando acabar com a sua raça. E não quero saber de papo! ? Desligou o telefone e olhou para o sargento, fuzilando-o com o olhar, como se também fosse culpado:
_ Vagabundo!... Safado!... Filho da puta!... O descarado me deu a notícia como se fosse a maior novidade, enterrado até o pescoço na merda que fizeram... Vou botar todo mundo na rua!... ? Lembrou-se que o sargento era um policial da cidade onde ocorriam os crimes, procurou o reequilíbrio emocional e pediu:
_ Desculpe, sargento, mas é muita coisa para uma cabeça só. Se fossem problemas de serviço, de doença ou financeiro, eu aceitaria com tranqüilidade, mas, assassinato?... Não! É demais!... Mas, sargento, o que o senhor tem pra me contar? O que foi que aqueles salafrários andaram fazendo por lá?...
_ O que tenho a dizer, por enquanto é muito pouco. As coisas se desencadearam ontem à tarde, depois que saí pra investigar a propriedade desse caminhão. O número da placa estava dentro da agenda do primeiro delegado assassinado. Há uma hora, descobri no DETRAN que é da sua empresa. Liguei pro delegado, que é um garoto de vinte e dois anos, mas pelo serviço prestado em menos de quinze dias, já provou que é digno do maior respeito, e eu não quis que ele ficasse tolhido por falta de informações. Depois que relatei, fui surpreendido por ele com esta outra placa, dizendo que o prendeu carregado de minério pra contra-bando, e que também é da sua empresa!... Agora, pra não ficarmos desinformados, acho que devíamos ligar pra ele e colher detalhes. O senhor tem condições de falarmos usando uma extensão?
_ Claro, claro!... Acho que é o melhor caminho, pois minha vontade agora é de pegar um avião e ir lá, botar todo mundo pra fora. O senhor me dá o número dele? ? Pelo interfone, ordenou à secretária providenciar a extensão.
O sargento disse a Alberto que estava usando uma extensão no escritório do engenheiro. Falou do telefonema do Boni e pediu para esclarecer o envolvimento da ENGETEC. Alberto cumprimentou o engenheiro e disse:
_ Dr. Carlos Morales, até o momento, só conseguimos apurar que gente miúda da empresa está envolvida. Tive o cuidado de ouvir o Sr. Bonifácio na presença do juiz, à uma e trinta da madrugada e ele disse que desconhece qualquer envolvimento neste caso. Disse que tem cuidado do serviço com muito zelo, não tanto pelo profissionalismo, mas pelo respeito que tem pelo senhor. Hoje, fomos vistoriar as instalações subterrâneas e ele veio novamente à delegacia. Acabou de sair! Eu aconselharia o senhor, como engenheiro, se for possível, vir até aqui, para, juntamente com o Dr. Charles Burnier...
_ Conheço o Dr. Charles!...
_ Muito bem! Os senhores poderiam nos dar muitos detalhes que seriam de grande utilidade pra colocarmos um salafrário atrás das grades, por pelo menos cem anos!... Na ida ao poço, intimamos o Sr. Bonifácio e os soldadores a irem também. Quando viram a obra monumental que esteve um ano debaixo dos pés deles, ficaram tão apalermados que só fizeram gesticular. Afirmo que o senhor ficará encantado com a obra e com a história. Se o Sr. Bonifácio é culpado, tem sido tão bom ator que nos enganou a todos. Por este motivo, tomo a ousadia de arriscar um palpite, dizendo que não acredito na culpa dele. Inobservância ou negligência, talvez, mas culpa, eu acho muito difícil. Fui claro?...
_ Muito claro, delegado!... Não acredita na culpa do Boni, mas não mete a mão no fogo, e uns bons puxões de orelha pra ser mais cuidadoso... Certo?...
_ Só uma coisinha, aqui é uma cidadezinha pequena e pacata do interior e é difícil alguém acreditar que fatos dessa natureza possam acontecer...
_ Mesmo com três delegados assassinados?...
_ Segundo o Sr. Bonifácio, o senhor, Dr. Carlos, foi bem claro que eles deveriam ficar bem longe desses assuntos, e parece que ele obedeceu. Além disso, se ele estava cuidando do serviço dele, isto é, dos interesses da sua empresa, não poderia ter tempo de meter o nariz no que não fosse da conta dele!...
_ Delegado, se todos os advogados fossem como o senhor, ou o mundo estaria cheio de criminosos pelas ruas, ou apenas os verdadeiros criminosos estariam na cadeia. Pode ficar descansado, que vou virar detetive e meter a cara com o sargento Argolo, pra ver no que vai dar esse angu de caroço. Vou ligar pra o seu protegido e ouvir a versão dele e marcar a viagem. Ele ligará, informando!...
_ Muito bem, Dr. Carlos, foi um prazer enorme, falar com o senhor. Agora, tenho enes problemas e o tempo é curto. O sargento tem algo a dizer?
_ Por enquanto, não. De coração, desejo boa sorte. Não descuida, tá?...
_ Obrigado, sargento. Meu anjo da guarda foi pro Rio e está curtindo de turista com as cariocas, enquanto me viro aqui com um monte de barbados!...
_ Turista, né?... Eu é que sei o que tive de fazer pra estar aqui, falando com vocês dois. Lembranças aí pro pessoal, e se cuida, tá?... Te cuida!... Tchau!...
_ Até breve, sargento, até breve, Dr. Carlos, vou à luta!...
Os dois homens se olharam e o Dr. Carlos disse:
_ Rapaz, esse seu delegado só tem vinte e dois anos, mas ao primeiro contato, se nota que o cara é osso duro de roer, não é? Ele é assim, todo o tempo?
_ Pode apostar, doutor. Se estou aqui, foi porque ele decidiu e porque encontrou, por faro policial, o papel na agenda. Ficou transtornado. Parece que sabia o que estava dentro, enquanto eu e a viúva olhávamos sem entender nada. Apenas, sabia que estava no caminho certo, e aqui estou!...
_ Agora, sargento, que aqueles vagabundos pisaram no meu calo ? contrabando nos meus caminhões... ? vão ver com quantos paus se faz uma jangada. Só um tempo pra ligar pro Boni. Se for culpado ou inocente, eu vou descobrir, e pelo telefone, quer ver?...
E pediu a ligação à secretária.








Autor: Raul Santos


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