A Maldição da Lenda - (Enquanto Chega o Dr. Carlos...)





CAPÍTULO TRINTA E DOIS
(Enquanto Chega o Dr. Carlos...)

Alberto estava afogado num oceano de problemas. Ouvia um depoimento após outro, comparava as respostas de um para elaborar as perguntas que faria aos outros, sem perceber que a tarde se escoava com a rapidez do relâmpago, quando Américo perguntou:
_ Vamos ouvir todos, hoje, ou vai ficar algum depoimento para amanhã?...
Alberto consultou o relógio e percebeu que avançara no tempo de tal forma que a noite chegara e ele não notara. Apesar da pressa que tinha de encerrar o processo, concluiu que de nada adiantaria forçar a marcha dos acontecimentos. O que lhe interessava era pegar o chefão da quadrilha. Estava mais do que ciente de saber quem era, mas não tinha a menor prova. Se apenas suspeitas fossem suficientes, já o teria atrás das grades e a passos largos para o tribunal. Certo, que poderia solicitar instruções do juiz e do promotor, mas lhes conhecia a lisura no desempenho das funções e tinha certeza de que exigiriam as provas que ele tanto procurava. Era o boato do veneno na laranja, o segredo do cacique Jutorib, o personagem misterioso da prefeitura, na madrugada da noite anterior... Meu Deus, Menos de quarenta e oito horas, e sua vida tomara um rumo tão diferente que ele quase não se reconhecia como o Alberto livre e despreocupado que sempre fora!... Onde estaria Maristela naquele momento?... Era claro que só poderia estar na casa dos pais!... Tudo bem, que estava lá, mas o que estaria fazendo?... Claro que estaria se preparando para o jantar, logo que o pai chegasse, como fazia rotineiramente, para esperar por ele com a guitarra e irem para a praça, encontrar a turma, até a hora de dormir. Tudo bem, que ele rastreava o mais infantil dos pensamentos, mas o que ele queria saber não era nada daquilo. Ele queria saber era o que ela pensava naquele momento, saber o que lhe passava no mais recôndito da alma, afinal, só a ouvira desabafar uma vez, mas fora um desabafo mais ditado pelo medo egoísta de perdê-lo do que pelo espírito de solidariedade que ele próprio não houvera descoberto. Se não fosse pela imposição transitiva do governador, talvez ainda demorasse um bom tempo para despertar... Na linha do raciocínio, percebeu que buscava na garota uma mulher diferente da que sempre tivera ao lado, não imposta, mas acomodada pela rotina familiar. Sentia por ela uma infinita ternura, mas não sabia até que ponto a consideraria sua futura esposa. Tinha de conversar muito francamente a respeito... no seu devaneio, surpreendeu-se a si mesmo, tentando descarregar sobre uma criança, ao menos no conhecimento da vida, quando não na idade, as duras experiências por ele vividas nas últimas semanas. Disciplinou o raciocínio a caminhar por diretrizes menos exigentes e mais tolerantes para com ela e voltou o pensamento para o sogro. Não entendia por que se obstinava em manter guardado, ainda que involuntariamente, um segredo sob uma forma de amnésia psicológica de protecionismo. Chamou os cabos para acertarem o rodízio noturno. No dia seguinte, teria a proteção salvadora do sargento e não estaria tão sufocado. Encerrou os trabalhos e foi conversar com Agnelo a respeito da CPI.
O prefeito, após ouvir as explanações, ponderou que estava atuando na sua gestão com a maior lisura, mas não escurecia que fora o candidato apoiado pelo antecessor e muitas arrumações tinham sido feitas no desvio de verbas para financiar a candidatura. Uma CPI naquela altura, só traria complicações para o Dr. Silvano, que fora o anterior. Irredutível, Alberto sabia que o vultoso financiamento da mineração só poderia ter saído dos cofres municipais e insistiu, criando um impasse com o executivo, e deixou Agnelo em situação delicada. Sem querer ferir a antiga amizade, o rapaz tentou uma alternativa:
_ Então, Sr. Afonso, ao invés de uma CPI, não seria possível ser instaurada uma auditoria que levantasse os gastos desde o início das obras da represa?
_ Alberto, por favor, seja razoável!... Você não está vendo que se fizermos o que você está pedindo, os vereadores da oposição vão cair em cima da gente?... Ou será que agora, só porque você é delegado, está querendo ficar contra nós?...
_ Não, seu Afonso, eu não estou contra o senhor. Se fosse assim, eu teria falado com eles, sem consultar. Se o senhor, o Dr. Charles e papai designarem uma comissão auditora, vão saber a verdade, tomam as devidas providências e se resguardam. Quando vier a bronca, estarão safos, pois tenho certeza de que vai estourar muito cedo nas mãos do governador. Hoje prendemos um caminhão da ENGETEC carregado de urânio. O Dr. Carlos Morales denunciou pra a polícia do Rio e o contrabando pra a Federal. Como podem ver, além de estar agindo de parceria com o sargento Argolo...
_ Sargento Argolo?!...
_ Ontem à tarde, eu o designei para ir ao Rio investigar a placa de um caminhão que encontramos na agenda do Euclides. Ele fez o maior rebu por lá e está vindo com o Dr. Carlos. Estarão chegando por volta da meia-noite!...
As inesperadas declarações fizeram o mandatário sentir o peso da responsabilidade sobre os ombros e grossas gotas de suor brotaram-lhe da testa. Ao perceber que qualquer argumento seria inútil, pensou um pouco e disse:
_ Faça o que for preciso. Tem o meu apoio!...
Alberto agradeceu e perguntou ao pai e ao Dr. Charles que com eles estava:
_ Posso deixar com os senhores?...
_ Pode, sim!... ? Disse o Dr. Charles. ? Mas podemos convidar os Secretários de Administração e de Fazenda, para ajudar?...
_ Por mim, tudo bem. Mas eles estão bem ligados ao Claudino!...
_ Tá bom. Vamos conversar, pra ver!... Pode ir tranqüilo!...
_ Obrigado!... É um pouco tarde, mas sugiro que iniciem imediatamente. Papai vem trabalhando nisso e podem seguir de onde ele está. Não vou interferir no serviço dos senhores. Só uma advertência, se forem trabalhar à noite, não deixem de pedir segurança. O salafrário tem uma chave e acho que ele gosta de entrar aqui pelos fundos!...
_ Mas nos fundos só tem quintais?!...
_ E tem proteção melhor?...
_ E os cachorros do...
_ São os melhores guardiães. Tem proteção melhor?...
A capacidade dedutiva do rapaz era incontestável e não quiseram discutir. Decidiram começar o levantamento e para se orientar, o prefeito perguntou:
_ Qual deve ser o objetivo das buscas?...
_ O mais claro de todos. Saber como desviaram tanto dinheiro e o Tribunal de Contas não tomou conhecimento, apesar da fiscalização dos vereadores?!...
_ Então, o mais certo é falar com o Claudino. Ele é o contador!...
_ É a pessoa menos indicada. Se houve fraude, o Claudino é a pessoa certa pra ter cometido. Vamos procurar o erro e depois cobrar as responsabilidades. Mas não é mais um problema meu. Se eu for me envolver com ele, o oceano de papéis de depoimentos ficará tão revolto que não haverá bom capitão pra me salvar!... ? Levantou-se e perguntou:
_ Papai, o senhor vai pra casa ou vai começar o serviço?...
_ Com o canto de parede que você deu, não tenho outra alternativa. Armei um bom roteiro e logo que a comissão ficar definida, passarei os dados!...
_ Tá!... Vou tomar um banho, jantar e dar uma descansada. Por volta das onze, vou esperar o Dr. Carlos Morales com a família e o sargento. Os senhores também irão?...
_ Vou ajudar no levantamento. Se tiver uma folga, vou dar um jeito. Se eu não for, por favor, dê os meus cumprimentos e diga que amanhã terei prazer em recebê-los para o almoço em minha casa. Os senhores e o sargento estão convidados. Quero aproveitar essa reunião para tomarmos algumas posições. Como o Sr. Bonifácio deverá estar de manhã com o Dr. Carlos , chame-o também!...
Na deixa, o farmacêutico e o engenheiro disseram:
_ Obrigado pelo convite, e dê-lhes meus cumprimentos!...
_ Amanhã, teremos muito prazer em falar-lhes!...
Após o jantar, Alberto lembrou-se de que ainda era um jovem enamorado, e sorriu. Apanhou a guitarra e foi encontrar uma namorada meio desiludida, na certeza de que seria mais uma noite de espera em que ele não ia aparecer. Ao vê-lo, seu rosto triste abriu-se num sorriso e, de um salto, cobriu a curta distância que os separava, e o abraçou.
_ Oh, Beto! Pensei que hoje seria mais uma das noites horríveis que tenho passado, sem esperança de ver você. Mas vendo a guitarra, acho que vamos ter uma maravilhosa noite. Vamos ver o pessoal, na praça?...
_ Vamos, sim!... Só que a partir das onze horas, vou esperar o dono da ENGETEC, que está vindo aí, com a família e o sargento Argolo!...
_ Mas, o que é que você tem a ver com eles?...
_ Hoje, prendemos um caminhão deles, carregado de contrabando, e ele está vindo apurar. Amanhã, você vai conhecê-los. O seu pai convidou pra almoçar, aqui. O meu pai, o Dr. Charles, o Dr. Carlos, a esposa, a filha, o Sr. Bonifácio e o sargento!...
_ E você, não vem?...
_ Não sei... O que você acha?... Vai me convidar?...
_ Acho que meu pai não ia deixar você de fora, não é?...
_ Sei lá?!... O que você acha?... Vai me convidar?...
Encerraram a brincadeira com um beijo e saíram de mãos dadas, para a praça, onde se encontrava a turma de todas as noites, como se os grandes problemas de Serra Dourada e do mundo houvessem desaparecido.




Autor: Raul Santos


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