A Maldição da Lenda - ... Mas, Depois, o Mundo Pega Fogo








CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
... Mas, Depois, o Mundo Pega Fogo

Doze dias se passaram desde o encontro de Alberto com o governador. A seguir, tinham sido a viagem para a capital e as outras providências, que duraram sete dias até a conversa com Marquinhos. Nos seguintes, não mais tinha voltado ao convívio da turma, na praça. Quando ele surgiu de mãos dadas com Maristela, foi aquela algazarra. Com a música fluindo, iniciou com uma balada, depois, cantou ou acompanhou, até o carro parar sargento chamar. Passavam das onze e o envolvimento fizera com que esquecesse totalmente o compromisso.
Entregou a guitarra a um colega e foi para o carro. Ao ver a beleza estonteante das beldades, não pôde deixar de soltar uma exclamação e após as apresentações, desculpou-se pela inobservância. Compreensivo, o engenheiro disse:
_ Ora, delegado, nenhum policial pode estar de serviço vinte e quatro horas por dia, ainda mais se tem vinte e dois anos e uma turma alegre como esta. A guitarra é sua?
_ Sim!... Está às ordens. Não sei se tem alguma serventia para o senhor!...
_ Posso ver?...
_ Claro!... Venham comigo, que vou apresentar o pessoal!...
Feitas as apresentações, entregou o instrumento ao engenheiro que o repassou para a filha e pegou o violão. Tocaram, um dueto em acompanhamento à bela voz da esposa do empresário, e, terminada a surpresa o Dr. Carlos perguntou:
_ Que tal um banho? A estrada não é longa, mas hoje o sargento nos alugou o dia e não tive tempo pra mais nada. Se não fosse o advogado que o Boni arranjou, nós não estaríamos aqui e acho que minha empresa estaria desarticulada. Quero dizer de coração que devo muito a vocês e tudo farei pra conservar a amizade de tão grandes homens!...
O pessoal que os cercava, desconcertado com o sentido da conversa, começou a se dispersar com a desculpa de que era tarde e os viajantes precisavam re-pousar. Alberto ficou a sós com Maristela e pediu ao sargento que os conduzisse ao hotel, enquanto ele apanhava uma viatura, do outro lado da praça. Durante a travessia, procurou levar a moça por locais menos iluminados. Recordou que naquele exato local o Euclides tombara. Olhou fixamente para uma das janelas da prefeitura e apesar de estarem todas escuras, teve a certeza de que havia um vulto imóvel e soube, instintivamente, que se tratava de mais uma emboscada. Jogou-se ao chão, por trás de um canteiro e arrastou a moça na queda. Sacou do revólver e fez fogo naquela direção. Mudou para outro canteiro e gritou para Maristela não se levantar. Correu de modo suicida para a delegacia, pegou o telefone, discou um número e aguardou. Não se passaram muitos segundos e ouviu uma voz feminina, que reconheceu, e perguntou:
_ Alo, Denise?!... Aqui é Alberto. O chefe está?...
_ Foi cuidar dos cachorros. Alguma coisa que eu possa resolver?...
_ Só quero a opinião dele. Espero ele voltar. Pode chamar, por favor?...
_ Ele está chegando. Querido, Alberto, quer falar com você!...
_ Alo!...
_ Olá, patife!... Você está devendo mais os vidros da janela, tá? Eu quebro e você paga, se não morrer antes. Onde escondeu o rifle pra Denise não ver? Cachorro, né?... Cachorro é você, se não estou maltratando os bichinhos... Por que não se entrega logo? Sabe quem chegou naquele carro? Dr. Carlos Morales. Você conhece, né?... Pois é, veio, digamos, a meu convite, pra ver as suas falcatruas. Ele está no hotel. Aproveita e manda um dos seus capangas acabar com ele. Vai!... Faz isso, e eu boto a mão em você, de uma vez por todas. Ah, eu estive meio enrolado, de ontem pra cá, porque o sargento Argolo estava no Rio, levantando a placa do caminhão que Euclides descobriu, mas veio também. Agora, compadre, é carga dupla. Se segura, que o patinho vai sair todo depenado. Já comeu pato assado? É muito gostoso! Eu já comi e vou repetir. É servido? Não? Que pena! Quando quiser, me diga, que eu mando preparar! A Denise está aí perto? Arranja uma boa desculpa pra justificar esse silêncio irritante. Acho que ela está ficando nervosa, com você só ouvindo, sem falar nada. Olha, aguarda um pouco que vai receber um convite pra uma festinha no nosso ambiente, que estou considerando muito agradável. Você vai gostar! Você reparou que nossas comunicações estavam um tanto mecanizadas? Agora, estamos bem mais íntimos... Você não imagina como eu gosto do relacionamento humano... É tão aconchegante! Você tem momento pra vir, ou pode ser a qualquer hora?... Não gosto de aborrecer os amigos, sabe? Principalmente, uma pessoa tão simpática como você!... Já imaginou o que vão pensar das peraltices que você tem praticado? Não fique tão malcriado, que Papai do Céu briga, viu?... Vai ficar de castiguinho!...
_ Vai pro inferno!...
Ouviu o clique do telefone e deu um sorriso. Discou outro número, e pediu:
_ Por favor, o Dr. Odorico?!... Alo, doutor?!... É Alberto! Escuta, doutor, se receber um chamado urgente pra um caso de princípio de enfarte, não se preocupa, pois foi uma brincadeira que fiz com um certo patife. Ele deve estar a esta hora, mais vermelho do que um camarão, saindo fumaça por todos os buraco!...
_ O que você já andou aprontando de novo, Alberto? Quem é esse cara?...
_ Bem, o senhor é o médico. Se for chamado, vai saber logo. Se não, vai demorar um pouco. De qualquer forma, vou adiantar que é pra o senhor ficar sabendo quem é o poderoso chefão em carne, osso e falta de vergonha. É uma questão de tempo. Desculpe, se não adianto nada, mas é que não tenho provas e posso me complicar, tá OK?...
_ Tá bom, Alberto, não vou insistir. De qualquer forma, obrigado pelo aviso. Assim, vou saber como falar com ele. Mais alguma coisa?...
_ Não, doutor, por enquanto é só. Vou na praça buscar Maristela, que ficou escondida atrás de um canteiro. Coitada, deve estar morrendo de medo!...
_ Na praça, atrás de um canteiro? O que significa isso, rapaz?...
_ É uma história, que vem dos tempos do Euclides. Até mais, doutor!...
_ Até, Alberto!... Faço votos que você desvende logo esse mistério, pois em apenas algumas horas, vi mais coisas do que em toda a minha vida de médico. Onde já se viu vestir uma cama de almofadas tomando soro, pra prender um assassino?!... Parece coisa de cinema!... Só que eu vi no meu hospital. Tá, meu filho, vai cuidar da sua namorada, que se ela não tiver um enfarte, pelo menos resfriado vai pegar. A noite está esfriando!
_ O mundo é um teatro, e nós somos os atores!... ? Concluiu, filosófico.
Desligou e ouviu uma voz familiar:
_ Denise, hein?...
Pálido, olhou a um canto, e viu Falcão, sentado, com um sorriso maroto.
_ O que quer dizer, Falcão?...
_ Você entra como um furacão, não me pede pra sair, diz o que quer e não quer que eu ouça?... Quem sou eu pra interromper?... Fui obrigado a ouvir!...
_Falcão, você vê como tenho cuidado deste caso. Já me acusou de negligência, e agora, sabe mais que todos. Se não falei nem pro médico, foi porque não tenho provas contra aquele safado. Você é testemunha das falcatruas dele e inclusive foi vítima de uma emboscada. Posso confiar no seu sigilo?...
O soldado manteve o sorriso maroto, e disse:
_ Acho que você vai ficar com essa dúvida, mesmo que eu lhe prometa guardar segredo. Portanto, vou por outro caminho. Pense que eu sou um militar e gosto de zelar pela minha profissão. Melhor assim?...
_ Acho que é melhor assim! Veja que apesar do cuidado que venho tendo, com uma palavra entornei o caldo. Ainda bem que foi pra você. Já imaginou se é algum língua destravada? O caldo estava todo derramado. Mas vamos aos fatos. Nós estávamos na praça, tocando, quando o sargento Argolo chegou com os donos da ENGETEC... Cada mulherão, compadre, que você precisa ver... Ainda tocaram e a esposa dele cantou com uma voz que só ouvindo para acreditar... Profissional... Pedi ao sargento pra levá-los ao hotel e vinha pegar um carro pra levar Maristela, quando vi, no escuro, um vulto em uma das janelas da Prefeitura. Me joguei no chão com Maristela e atirei, mas o safado percebeu e se escondeu. Eu sabia quem era e corri pra ligar. Coitadinha da Maristela, deve estar morrendo de medo e de frio, atrás daquele canteiro. Vou lá, antes que dê um troço!...
_ Ele tá frito... Isso explica a luz acesa. Mas, como provar? Quem diria, né?
_ Agora, vá alguém dizer alguma coisa, e vai direto pro xadrez!... Viu?...
_ Que tal uma passada, lá, pra ver?... Deve estar jogando a casa no chão!...
_ Se quiser, chame um colega pra uma ronda. Qualquer argumento serve, mas, pelo amor de Deus, não faça como eu. Tem gente demais sabendo!...
_ Com medo da minha língua, é?...
_ Não é isso, é que eu quero mexer com os nervos dele, até não agüentar mais e estourar, entendeu? É uma briga de gato e rato que vai vencer quem for mais esperto. Eu estou usando a mesma técnica que ele usou comigo, quando eu ainda não sabia quem era o Pato. Agora, ele é quem está sendo um patinho, e muito feio, por sinal!...
_ Rapaz, você não vai ver a menina? Ela deve estar acocorada atrás de um canteiro de jardim!... Se alguém passar, vai ser bem difícil de explicar!...
_ É mesmo!... Vou lá!...
Encontrou Maristela de cócoras, numa crise de choro, rodeada por um grupo de pessoas curiosas ou desejosas de ajudar. Pegou-a pela mão e disse:
_ OK, foi só um sustozinho. A gente vai tomar um sorvete e ela fica bem!...
_ Não foi um sustozinho. Eu nunca vi você daquele jeito. Nunca imaginei que você fosse se transformar assim... Me jogar no chão e sair atirando feito um louco, sem ver em quem. Por que você fez aquilo, hein?... O que deu em você?...
_ Calma, querida?!... Vamos pegar o carro e ir pra casa, que eu explico!...
_ Você não tem explicação, Alberto. Eu vi você atirando feito um maluco, pelo meio da praça, e não tinha ninguém pra você atirar. Estava querendo me assustar, não foi? Se foi isso, você conseguiu muito mais!... Você me deixou apavorada... Eu não quero nem pensar no que vi... Eu nunca pensei que o Alberto que tanto amei fosse um maluco... Um maníaco que só porque tem um empreguinho de delegado, pode me largar à toa, e sair pelo meio da rua, dando tiros como um louco varrido!... Eu vou contar pra o meu pai e pra o seu o que foi que você fez... Alberto, eu estou apavorada, não está vendo? Faça alguma coisa. Não fique aí, parado. Veja, meu joelho está ferido da queda que você me deu!...
Ele notou que a situação começava a ficar delicada, deu até logo e saiu quase arrastando a moça pela mão, sem parar de ouvir os lamentos. Entraram no carro e levou-a para casa, onde prefeito estava terminando de jantar. Tinham ficado na Prefeitura até as dez horas, trabalhando no levantamento das contas. Alberto chamou-o à parte, e disse:
_ Seu Afonso, tenha cuidado com Maristela. Acabo de ver outra vez um vulto na prefeitura, só que, de luzes apagadas. Não esperei o resultado. Me joguei no chão e atirei, quebrando algumas vidraças, mas o salafrário escapou!...
_ Como é que você sabe que ele escapou?...
_ Eu liguei pra ele e disse alguns desaforos. Ele está num beco tão apertado que não vai demorar, fica totalmente sem saída, e aí, a gente bota as mãos nele!...
_ Mas, quem é ele, Alberto?... Você fala com tanta segurança!...
_ E, estou seguro. Eu tenho certeza de quem é o chefão. Só faltam as provas que estamos procurando. Depois, é só trancar a cela, com ele dentro!...
_ Mas, não pode me falar quem é?...
_ Basta o senhor eliminar os que não são culpados, que ele vai sobrar como um elefante na panela de um formigueiro. Não vai ser muito difícil!...
_ Acho que não vou conseguir. Não tenho tino policial!...
_ Não lembra nem quem falou sobre o veneno na laranja, não é?...
_ Alberto, você está me ofendendo!...
_ Não, seu Afonso, só estou abrindo os olhos. Tenha muito cuidado, pra não ficar emaranhado nessa rede que o senhor está dentro. Meu pai, eu tiro, mas o senhor, se não tiver cuidado, vai ficar enredado pra não sair mais!...
_ Como é que você vai tirar o seu pai e a mim, não?...
_ Cada coisa, no seu tempo! Basta que o senhor se cuide, o resto faço eu!...
_ E o que tenho de fazer, para me cuidar?...
_ Apenas o que pedi pra o senhor fazer!...
_ Mas há implicações, você não entende?...
_ Entendo tão bem, que sei até qual o desfecho final!...
_ Que quer dizer com desfecho final?...
_ Os culpados na cadeia e os inocentes como testemunhas... O Dr. Carlos chegou com a esposa, a filha e o sargento. O almoço está de pé?
_ Obrigado por lembrar. Estava me esquecendo. Vou mandar preparar!...
_ Posso pedir um favor, seu Afonso?...
_ Claro que pode, Alberto, qual é?...
_ Convidar as pessoas daquela reunião. Temos muito o que falar. Conforme o rumo das coisas, quem sabe, poderei até dar uma pista do chefão?!...
_ Se é assim que você quer, assim será feito!... Almoçamos na cobertura do quintal. Assim, ficaremos mais à vontade. Fica bem assim?...
_ Muito bem, obrigado. Convide Maristela e dona Suzana, também!...
_ Certo. Mais alguma coisa?...
_ Não, senhor. Só isto. Vou ao hotel, ver o Dr. Carlos. Quer ir também?...
_ Não. Nossos assuntos são contrários, e juntos, só vamos atrapalhar!...
_ Então, até amanhã. Ah, Maristela está precisando de um calmante.
_ Pode deixar, que cuido disso!...
_ Então, até amanhã!...
_Até amanhã, filho. Boa noite, e se cuide!...
_ Obrigado, seu Afonso!...



Autor: Raul Santos


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