A Maldição da Lenda - O Índio Delator Apareceu, Mas É Hora de Almoço e os Anjos Dizem Amém







CAPÍTULO TRINTA E OITO
O Índio Delator Apareceu,
Mas É Hora De Almoço
e os Anjos Dizem Amém

Alberto relatou ao Dr. Gil os entendimentos que teve com os índios e a viagem do sargento. O juiz assinou o Mandado e as solicitações de apoio às polícias Civil e Federal. Colocou num envelope e entregou ao rapaz.
_ É quase meio-dia. Vou terminar uns serviços e vou para o almoço!...
Alberto agradeceu e saiu. Encontrou o sargento de saída, que ficou contente com a sua chegada. Apesar da relativa intimidade com a família do engenheiro, sentia-se meio deslocado. Relatou que a pessoa mais chegada ao Roberto não era necessariamente um índio, mas o fruto do relacionamento de um descendente do cacique com uma mulher branca da cidade, e pela linhagem, tivera o privilégio de conhecer o segredo. Lamentável, foi a desventura que tivera dois dias antes. Ao embriagar-se, batera com a cabeça numa pedra e morrera, dentro de uma casa velha. E, acrescentou:
_ Rememorei os casos de morte que tivemos e só consegui atinar com uma pessoa...
_ Zé de Ticha!... ? Quase gritou Alberto, que acompanhara atentamente a narração.
_ Zé de Ticha!... Eles me deram o nome de Abunã, o que não vem ao caso!...
_ E que vem ao caso! Abunã significa vestimenta preta. Ticha era o apelido da mãe dele. Depois que ela morreu, ele passou a usar luto e a beber, entregando-se de certo modo à vida desregrada de meretrício e más companhias. Daí pra a marginalidade, foi um pulo, de até querer tocar fogo na farmácia do meu pai, depois da assistência que deu à mãe dele, quando estava à beira da morte. Não me surpreendo, e é só mais uma peça que se encaixa no quebra-cabeça. O Roberto vai ter muitas perguntas pra responder!...
O meio-dia se aproximava e ele queria fazer as honras da casa. O almoço não seria de confraternização, mas não seria também um velório. Arregaçaram as mangas e puseram mãos à obra. Era uma mesa com as cadeiras, uma caixa de som, e não perderam tempo. A campainha tocou pelo primeiro convidado, na sua longa batina, abençoando, com voz paternal e não se fez de rogado. Arrancou a batina, arregaçou as mangas e pôs também mãos à obra, tanto na arrumação das mesas e cadeiras, quanto dos pratos e talheres.
Alberto foi à sala, ligou para a delegacia, pediu Falcão na linha e disse:
_ Amigo, você deu um fora em descobrir o segredo, agora, vai ter de agüentar um pouco mais. Preciso de um grande favor seu, pra a gente colocar um ponto final, tá?...
_ Que qui manda, chefe?
_ Olha, da sua atuação vai depender o sucesso desta missão, tá?...
_ Tá! Tá! Mas fala logo, que já estou ficando impaciente. Tá duvidando de mim?...
_ Não. Ninguém melhor do que você pra saber. Só não quero furar. Quando estava comigo, eu segurei, mas agora somos dois e tem de funcionar como um computador!
_ Como no hospital? ? Perguntou, em tom sarcástico. Tinha consciência da sua atuação, que salvou a vida do próprio Alberto.
_ Desculpa, vai!... Olha, faltam dez pra as doze, e o pessoal deve estar saindo. Vai lá ver se o seu Afonso já saiu com o Dr. Carlos e meu pai. O importante é você encontrar o Claudino longe deles e dizer que o seu Afonso mandou convidar pra um almoço e que você também foi convidado. Se ele se amarrar, conversa o juízo até convencer. Se não conseguir, abre o jogo e diz que tem ordem minha e do juiz pra trazê-lo, nem que seja a força. Se engrossar, pega na marra. O importante é que seja longe dos que vierem. Depois, na calma, convida o Dominício e o Malaquias, também. O fator surpresa, lembra?
_ Claro! Como não vou lembrar do furacão de ontem?...
_ OK! Tchau, e boa sorte. Quando chegar, vamos tomar um uísque. Chegando aqui, nada de cerimônia e vai logo pro quintal, como se fosse o dono da casa. Basta perguntar se eu já cheguei, e entra me chamando, OK?...
_ Olha só quanta mordomia prum sordeco véio?!...
_ Você merece bem mais do que isso, amigão!... ? Falou Alberto, emocionado, cujo pensamento voava a trinta e seis horas antes, no hospital.
_ Tá bom. Deixa eu ir, se não vou perder a caça. Tchau!...
_ Tchau e boa sorte!...
A campainha tocou e Alberto deparou-se com a fisionomia sorridente de Boni, que em pouco mais de vinte e quatro horas passara pelas mais diversas experiências a que pode ascender ou decair emocionalmente um ser humano. Sentia-se homem mais feliz do mundo, principalmente por estar novamente nas boas graças do Dr. Carlos Morales. Para ele, não era o melhor de todos os patrões. Para ele, o Dr. Carlos era o único patrão do mundo a quem se devia estar subordinado. Conduziu-o à área onde estavam o padre e o sargento e procurou da melhor maneira possível fazer as honras. Boni aceitou a dose e na qualidade de gerente da ENGETEC, procurou integrar-se ao grupo. Apesar do que ocorria, na sua concepção, aquele almoço poderia ser considerado uma confraternização entre a prefeitura e a ENGETEC, pelos bons serviços prestados à comunidades serra-douradense.
Minutos depois, começaram a chegar as pessoas em seqüência desordenada. Fora do grupo da prefeitura, apenas o juiz, o Dr. Silvano e o Dr. Odorico, sem contar Falcão e Claudino, chegariam isoladamente. À medida que entravam, Alberto conduzia ao galpão, e servia cerveja ou uísque, não tanto por cortesia, mas para evitar que alguém se isolasse. Gentilmente, procurou formar grupos distintos e em cada um deles um membro da família do engenheiro, para evitar a falta de argumento em qualquer circunstante.
No final da discreta coreografia, ouviu uma voz conhecida chamar alegremente o seu nome. Sabia tratar-se de Falcão e virou-se com um largo sorriso. Colocou um braço sobre os ombros de ambos e os conduziu ao grupo do engenheiro.
_ Dr. Carlos, estes são membros da nossa sociedade que o senhor não conhece. São Dominício, Malaquias e Claudino, secretários de Administração e de Fazenda e Contador. Nas suas mãos passam os cálculos matemáticos da Prefeitura!...
O engenheiro voltou-se ao ouvir o nome de um dos principais suspeitos, estendeu a mão e procurou integrá-lo ao grupo. Satisfeito com o rumo da palestra, Alberto tocou de leve o braço de Falcão e saíram. Ombro a ombro, com um largo sorriso, confidenciou:
_ Rapaz, você é grande. Vamos pra o grupo do sargento e você fica de olho, tá?
_ OK, gostou da lábia no bicho?...
_ Foi difícil de convencer?...
_ Que nada, ele sabia do almoço e estava uma fera com vocês por não terem convidado. Quando falei, ele perguntou por que não convidaram antes. Eu disse que você tinha ficado encarregado, mas esqueceu, e agora, quando as pessoas começaram a chegar, você mandou que eu fosse correndo pra o Sr. Afonso não perceber. O cara ficou todo feliz da vida e acha até que tem um trunfo na mão pra lhe pegar. Chegou ao ponto de dizer que você, depois que assumiu o cargo de delegado, ficou muito do metido e que seu topete vai ser cortado e não demora. É claro que eu concordei!...
_ Ótimo! A melhor arma contra um inimigo é o próprio excesso de confiança que lhe pudermos incutir. Depois, é só puxar o tapete e ele beija a lona!...
O grupo das moças, do padre e do sargento se encontrava em animada palestra. Alberto pediu licença para incluir o soldado e argumentou:
_ O Falcão tem sido o meu anjo guardião. Acho que vou acertar na Loto e tirá-lo da polícia pra ser meu segurança. ? Piscou um olho para o sargento à guisa de safadeza, mas que para eles e Sandrinha que já estavam familiarizados, tinha um significado bem mais amplo. Não perdendo a oportunidade de evangelizar, o padre disse:
_ Nem sempre uma arma ou dois braços musculosos são a melhor defesa, mas a prece, em todos os momentos, é o melhor guardião do homem e da sociedade!...
Demonstrando um extremo estado de euforia, piscou para o padre.
_ Os anjos digam Amém, padre, vamos precisar!... ? E foi cuidar dos convidados. Não queria ver ninguém vencido pela nostalgia.


Autor: Raul Santos


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