A Maldição da Lenda - Coreografia Para Almoçar? Quem Fez o Quê?...







CAPÍTULO TRINTA E NOVE
Coreografia Para Almoçar?
Quem Fez o Quê?...

Enquanto se movimentava, era observado pelo sogro que ao notá-lo circular de um grupo para outro, em dado momento, a sós, interpelou-o:
_ O seu objetivo aqui é só o do almoço ou tem mais coisa em vista? Estou notando você ir muito de um grupo pra outro, e nunca foi disso. O que está acontecendo?...
_ Não se preocupe, seu Afonso. Está tudo sob controle. Minha movimentação é pra ter certeza de que os convidados do senhor estão bem!...
_ Não creio que deva chamá-los de meus convidados... A maior parte foi convidada por você, e ao invés da ENGETEC, estão mais ligados aos crimes. Estou certo?...
_ O sargento e o Falcão são meus protetores, o Dominício, o Malaquias e Claudino são da Prefeitura, os outros merecem respeito e não poderiam ficar de fora, não acha?
_ Faça o que achar melhor. Você tem preferência quanto a hora de servir?
_ Quanto mais cedo melhor!... Tenho muito serviço e o sargento vai viajar!...
_ Então vamos convidá-los a se sentarem. Vou dar ordem pra que sejam servidos!
Certo do que viria, usou da mesma coreografia, de forma que cada um se sentasse conforme a posição em que ele estaria. As pessoas notaram que por feliz coincidência, continuavam juntas e podiam continuar os assuntos. Um grupo era formado por Malaquias e Dominício, o Dr. Carlos e o gerente, o contador e o Dr. Charles. No outro, estavam Agnelo, o médico, o promotor, o juiz e o Dr. Silvano, e no terceiro estavam as senhoras, as moças, os militares e o padre, que não perdeu a oportunidade de doutrinar as ovelhas desgarradas. Os assuntos, portanto, quase não foram modificados.
Findo o almoço, Alberto elevou a voz, pediu a atenção e disse, pausadamente:
_ Senhoras, senhoritas e senhores, este almoço não está sendo necessariamente de confraternização, e sim do ajuste de certas pendências. Se alguém não estiver de acordo, tem todo o direito de protestar. ? Observou as fisionomias, tensas, como hipnotizadas. Sabiam que incógnitas revelações seriam feitas, mas não os efeitos que causariam. Como ninguém se pronunciasse, recomeçou:
_ Em Serra Dourada, sempre fui tido como filhinho do papai, folgado, playboy, etc, o que não vem ao caso, e virá, no momento certo. Eu jamais tive ambição de ser delegado e muito menos de pegar em uma arma, a não ser nas caçadas que fizemos, meu pai, o seu Afonso, o Dr. Silvano, eu mesmo e muitos outros. Por que sou delegado? Por que estou entre os que me viram crescer com a guitarra, portando um revólver, num almoço que deveria ser de confraternização, mas que terá aspectos dramáticos? Lamentavelmente, eu explico! Dolorosamente, eu explico! Sim, dolorosamente! A data está gravada em minha mente, como se fosse hoje! Foi no dia vinte e cinco de julho do ano passado. Eu estava à tarde na farmácia, quando o Euclides entrou agitado e pediu remédio pra dor de cabeça. Nós tínhamos uma saudação de saravá, desde que comemos um caruru num candomblé, em Salvador, mas ele não saudou. Notei que algo anormal estava acontecendo, mas tentei brincar e perguntei se era pra dor de cabeça ou pra nervoso. Ele girou nos calcanhares e ganhou a rua. Foi a última vez que o vi com vida. Horas depois, foi encontrado crivado de balas. Quem matou? Quem era Euclides? Era o nosso delegado, mas era muito mais que isso. Ele era o maior baluarte da campanha do seu Afonso. Ele não comia e nem dormia, atrás de votos pra o seu candidato, porque sabia que o progresso estava a caminho. O contrato com a ENGETEC, estava assinado pelo Dr. Silvano, pra o aterro da barragem, um lago pra peixes e, do outro lado do campo da castanheira, um curral pra cabras, um pomar e uma horta comunitária. Mas pra isso tinha de levar água, e a ENGETEC está cuidando. Havia porém um problema. O delegado de Terras requereu subsolo, a fim de preservar a castanheira e bloqueou o projeto. A ENGETEC impetrou Mandado de Segurança, mas o Dr. Lourinaldo, ecologista doente, não descansou e está sempre revendo o processo e a ENGETEC tendo a maior dor de cabeça, pois tem um contrato a cumprir e uma ordem judicial a obedecer. Quanto ao Euclides, ele passou na casa do Lourenço às vinte e uma e quarenta e cinco e antes das vinte e duas era dado o alarme da sua morte. Se ele falou com o Lourenço e foi morto na praça, então estava indo pra a Prefeitura, para, conforme ele mesmo confessou e confessa ainda, falar com seu Afonso sobre algo muito importante. O sargento Argolo e eu encontramos na agenda um papel com a placa de um caminhão. Ele foi ao Rio e descobriu ser da ENGETEC, alugado pelo Roberto, dono da PAVICONST, e ex-funcionário da ENGETEC, pra contrabandear urânio da Reserva Indígena tirado de um buraco cavado há séculos por extraterrestres. Esse buraco está coberto pelo totem dos índios, segredo que guardam a sete chaves e pelo menos depois da grande batalha, vêm passando só para os descendentes do cacique Jutorib e os anciões que invariavelmente são sexagenários e jamais o trairiam. Mas um descendente do cacique teve um filho com uma mulher conhecida por Ticha e, de acordo com o código, teve acesso ao segredo. Enquanto a mãe era viva, ele era íntegro, mas depois que morreu, entregou-se à bebida e foi cair nas garras do Roberto e revelou o segredo, dando subsídios pra a formação de uma quadrilha de traficantes. Voltando ao Euclides, como poderia ser assassinado à noite, quando teve o dia quase todo a andar pela cidade, e só na hora de contar o segredo é que foi morto? Quem sabia o suficiente pra não deixá-lo falar? Ele só tinha confidenciado ao seu Afonso a descoberta de algo muito grave, mas não disse o quê... Então, ou ele foi morto pelo seu Afonso ou por alguém a quem tivesse repassado o segredo. Mas quem? Durante todo um ano, ele não conseguiu recordar, não que estivesse compactuando com o assassino, mas como uma espécie de amnésia protecionista, como certos pais se obstinam em ocultar as delinqüências dos filhos. Inconscientemente, ele não queria acreditar no que acontecia. Mas, passando adiante, vamos encontrar o Epaminondas assumindo e deixando o cargo dois meses depois, de maneira inexplicável, depois de abrir o inquérito da morte do Euclides. Foi substituído pelo Baltazar que misteriosamente também permaneceu dois meses, seguido pelo Enoque, Godô e Miro. A rotatividade constante estava se tornando alvo de gozação, nas permanências, quando o Epaminondas confidenciou ao Fulgêncio ter recebido um telefonema de um personagem misterioso com voz parecida com a de um pato. O Fulgêncio não guardou o segredo e espalhou aos quatro ventos, declarando que ia assumir e queria ver qual era o pato que iria assustá-lo. A resposta veio em forma de chumbo pra ele e uma dose fulminante de veneno aplicada numa laranja com uma seringa de injeção no quintal do Epaminondas pra ele tomar suco, costume de muitos anos, pra manter a garganta em forma. Nós sabemos como ele gostava de cantar... O seu Afonso passou a informação da seringa pra o Sr. Governador, mas até agora não consegue se lembrar quem falou pra ele. Daí, ou ele é o assassino ou, como disse, inconscientemente, está tentando proteger alguém muito querido. O que de certa forma o isenta é exatamente ter ido conversar com o governador e buscar providências. Ele veio aqui, nos encontramos no piquenique e depois de algumas músicas e um jantar, indicou o meu nome pra o cargo. Na hora que assumi, o telefone tocou e o patinho feio me intimou a ficar de bico calado, receber meus proventos e sumir do mapa depois de dois meses. O que ele não sabia era que eu tinha o respaldo do governador e pretendia definitivamente colocar um ponto final nas artimanhas. Comecei de leve a enfiar o nariz nas patifarias, que o aborreceu e mandou tocar fogo na farmácia do meu pai por um carinha que está preso. Naquela noite, não descansamos um só segundo, patrulhando. Ele abriu a guarda e cometeu dois gravíssimos erros que o denunciaram definitivamente. Sem querer tomar tempo, vamos fazer uma retrospectiva pra a conclusão. Primeiro, o Roberto, após embriagar o índio, precisava de verba pra financiar o projeto. O modo mais simples eram os cofres públicos e subornou o contador da Prefeitura... ? Inquieto, o Claudino quis tentar se defender mas foi contido pelo delegado que, de pé, com um gesto autoritário, disse: Cala a boca, eu não estou pedindo a sua opinião. Estou fazendo uma acusação e vou lhe prender!... ? E continuou, na certeza de que o sargento e o soldado estavam vigilantes. ? Este homem é o que vem manipulando o dinheiro público. Sabemos que a função do tesoureiro é a de emitir os cheques das contas que lhes chegam às mãos. A movimentação, portanto, de Notas Fiscais e toda a papelada a elas relacionada são atribuições específicas do contador, quer dizer, o contador é a mola mestra não só da Prefeitura como de todos os setores econômicos. Daí, por este motivo, quero neste momento declarar na presença das mais altas autoridades de Serra Dourada que o senhor Claudino da Silva Souza está preso por fraude, corrupção, estelionato, suborno e outros crimes correlatos que lhe forem imputados. Resta agora saber quem matou Euclides, Epaminondas e Fulgêncio. Teria sido o seu Afonso? Ele estava na prefeitura trabalhando na coordenação da campanha. Ele atira bem demais pra acertar os tiros daquela distância e assume as características de suspeito, senão, vejamos. O seu Afonso sabia que o Euclides estava de posse de um segredo e que iria revelar. O seu Afonso estava na prefeitura na hora do crime, pois o Euclides estava indo pra lá contar o que sabia. Mas haviam outras pessoas que não deviam saber da verdade. O seu Afonso disse ao Sr. Governador que o Epaminondas morrera envenenado por uma droga injetada com uma seringa na laranja mais próxima, coisa que até hoje ninguém fez referência e nem ao menos cogitou de tal hipótese. Ora, como uma pessoa seria detentora de tantas informações sem estar envolvida diretamente com os crimes? Eu não queria acreditar na sua culpa, mas não tinha meios de inocentá-lo. Todas as provas, todas as evidências estavam contra ele, e já me dava os pêsames por ter de dar voz de prisão ao homem que, indiretamente, ajudara meu pai a me criar. Além disso, na mais tenra idade, me dera a filha como namorada, que conservo até hoje com o máximo de respeito. Só havia uma solução, prendê-lo e confiar em Deus que a filha me perdoasse, pois ao aceitar o cargo já me dominavam estas suspeitas. Só haviam então, dois caminhos, ou ela me perdoaria, ou com a prisão do pai nosso namoro de tantos anos chegaria ao fim. ? Parou um pouco, refletiu e analisou as fisionomias, cujos olhares estavam fixos na sua figura e vez por outra davam uma rebuscada acusadora na do prefeito, que se remexia inquieto. Não conseguia esquecer as palavras do rapaz de doze horas antes, quando dissera que o pai ele tiraria mas a ele, se não tivesse cuidado, ficaria todo enredado para não mais sair. Alberto olhou significativamente para os militares e entenderam que a partir daquele instante ele sairia das conjecturas e entraria nas acusações diretas, e se prepararam para o que viesse. ? Quis o destino, porém, que dois fatos isolados acontecessem em momentos e locais diferentes e pude presenciar. Um telefonema e uma luz acesa, de madrugada. O que há de tão estranho ou comprometedor num telefonema ou numa luz acesa, de madrugada? Nada, se a pessoa que faz as duas coisas é inocente, mas se é um refinado assassino, se é um patife que só merece a cadeia, essas duas coisas têm um significado muito grande. E foi o que eu vi. Eu descobri o patife assassino por um telefonema e por uma luz acesa. E que telefonema foi esse? O Fulgêncio foi afastado de casa por um telefonema, pra achar a morte na porta. Com o seu Afonso, talvez não fosse na porta, mas seria por causa do telefonema. O mais simples e inocente dos telefonemas, convidando pra mais uma partida de canastra. ? O Dr. Charles Burnier saltou da cadeira, como impulsionado por uma mola. Firme, Alberto determinou: Sente-se, Dr. Charles, o senhor não está autorizado a falar, ao menos por agora. Há dúvida? A quem o seu Afonso confiaria o segredo? Quem poderia ser tão mau e ter tanta aproximação com o seu Afonso pra sugerir que o veneno poderia ter sido injetado na laranja, sabendo que ele tem boa fé suficiente pra acreditar no que lhe diz um grande amigo, mesmo tendo sido uma suposição? E, finalmente, quem é a única pessoa em Serra Dourada que pode ter livre acesso na prefeitura, sem que o vigia noturno perceba? Ora, a única pessoa que pode se dar ao luxo de ter uma chave da porta dos fundos e andar no meio dos bravíssimos cachorros que ficam todo o tempo no pé do muro que limita com a Prefeitura, é o próprio dono dos cachorros. Nem sua esposa Denise e nem seu filho Marquinhos têm essa coragem. Quem é ele? Por quê fez? Ambição!... Pura ambição!... Quantas armações não fez com o Roberto? Desde que tomou conhecimento da existência do urânio na região da castanheira, não tem pensado em outra coisa. Ele chegou a contratar em caráter particular os serviços da ENGETEC pra anular o tombamento feito pelo Dr. Lourinaldo. Não há mais escapatória!... E pra formalizar a acusação, pergunto ao Dr. Carlos Morales e ao Sr. Bonifácio se o topógrafo é o mesmo ou foi substituído?
_ É o mesmo!... ? Responderam.
_ Ele será indiciado como intermediário entre o Roberto e o chefe da quadrilha!...
Finda a explanação, em tom solene, olhou para o juiz e o promotor, e disse:
_ Dr. Gil de Castro Menezes e Dr. Sinval José dos Santos como delegado nomeado pelo Exmº. Sr. Governador do Estado, para a cidade de Serra Dourada, quero entregar aos vossos cuidados a conclusão deste caso, com a revelação do nome do chefe dessa impiedosa quadrilha que espalhou o terror e a ignomínia entre os nossos mais honrados concidadãos. O homem que tem vivido como um dos nossos, galgando as mais altas posições, não passando de um reles e vulgar assassino e ladrão é este... ? E, apontando fixamente com o dedo acusador, declarou:
_ Com os poderes que me foram deferidos pelo Exmº. Governador do Estado, em presença do Meritíssimo Sr. Juiz de Direito da Comarca de Serra Dourada e demais autoridades e pessoas presentes, baseado nas provas apresentadas, Dr. Silvano de Almeida Chagas, O senhor está preso!...




Autor: Raul Santos


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