A Maldição da Lenda - Segredo de Estado: Jazida de Uraninita ou Pechblenda






CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS
Segredo de Estado:
Jazida de Pechblenda em Serra Dourada

A noite transcorreu calma, mas quando o hospital foi aberto à visitação, as pessoas acorreram, como em procissão, querendo saber se estava bem, e foi necessário estabelecer a quantidade de pessoas e o tempo de permanência, bem como não fazerem perguntas.
Próximo do meio-dia, o grupo se reuniu, acrescido das duas senhoras que se tinham tornado amigas e mais unidas pelo laço amoroso das filhas.
A insistência em manter o namoro fez com que as moças comentassem algumas coisas que ele pronunciara no delírio, até que, delicadamente, contaram que ele chamara por Sandrinha. Ternamente, Maristela aproximou-se, passou a mão pelos cabelos e disse:
_ Sabe, Alberto, quando você chamou por Sandrinha, eu não senti ciúmes, e muito pelo contrário, cheguei a ficar feliz. Daí, concluí que eu sempre tive por você foi uma grande amizade e um imenso amor de irmã. Não quero dizer que estou aborrecida com o tempo que namoramos. Só as noites que você nos proporcionou com a guitarra foram maravilhosas e nunca vou esquecer. Agora, se você quiser trocar de namorada, não tenha nem um pouco de remorso. Já combinamos tudo e se não falamos ontem foi porque o Dr. Odorico pediu que não lhe causássemos emoções fortes. Mas como você já está bem espertinho, não precisa mais me tratar como namorada e pode virar pro lado dela!...
_ Ora!... Mas isto é que é ser um cara de muita sorte!... Quer dizer que tenho à minha disposição dois pedação de muié destamanho pra escolher? É isso? Do jeito que tô aqui, não agüento nem com uma, quanto mais com duas!... Dr. Odorico, socorro!... A anestesia! Chama a enfermeira, ligeiro!... Quero dormir!...
Segura de si, Sandrinha colocou a mão sobre a de Maristela, e disse:
_ Não se preocupe, Alberto. O que Maristela quer dizer é que você não precisa ficar preso a um compromisso que iniciou entre duas crianças pra satisfazerem a vontade dos pais que, como bons amigos, só queriam ver a amizade perpetuada no enlace dos filhos. Quanto a sermos namorados, acho que aqui tem muita gente e não dá pra falar, não é?...
_ Acho que você está certa, mas que foi bom lá na Reserva, lá isso, foi, não é!...
_ Seu bobo!...
_ Que negócio é esse de Reserva?... ? Perguntou Maristela.
_ Nada, não!... ? Disse Sandrinha, ruborizando, violentamente.
_ Ah!... Mas eu quero saber o que foi!...
_ Ora!... ? Interferiu Alberto ? ela se emocionou quando viu os autênticos índios de tradição secular, com uma lenda pra narrar, e ficou com os olhos cheios de lágrimas!...
_ Sim, e daí?...
_ Daí, eu enxuguei os olhos dela, com o lenço!...
_ Ah, mas aí é diferente!... Antes de ontem, você ainda era meu namorado!...
_ Antes de ontem? Que história é essa? Quer dizer que estou aqui há dois dias?...
A moça percebeu o erro, tentou consertar, mas foi socorrida pelo Dr. Odorico.
_ É, Alberto, realmente, meu filho, você esteve muito mal, mas graças a Deus, pela sua constituição física, conseguiu vencer o transe!...
_ Quer dizer, driblei a morte, não é?...
_ É, driblou a morte!... Esta é a verdade!...
_ E, como foi?...
_ Depois eu conto. Basta saber que você salvou a vida do seu pai. Ninguém na face da Terra teria feito igual. Só o amor foi capaz!...
Olhou e viu o pai com os olhos cheios de lágrimas. Raciocínio rápido, perguntou:
_ E ele, onde está?...
_ Os militares cuidaram dele!... ? Informou o médico.
_ Como foi, sargento? Conta pra mim!...
_ Ah, você não vai querer um relatório, agora, não é?...
_ Claro! Afinal, quem é o delegado, nessa joça?...
_ É você, mas por enquanto está afastado, por incapacidade física!...
_ E quem me substituiu?...
_ Fui eu!...
_ Me toma o emprego e agora vem com tapeação de namoro, não é?... Tá bom!...
_ E quem disse que eu quero namorar com você?... É só pra me vingar das perguntas que eu fiz e você não respondeu!... Viu só?...
_ Tá!... Pois só pra chatear, vou sair daqui mais cedo do que vocês pensam!...
Enquanto brincavam no jogo das palavras, não perceberam que novo personagem ouvia a conversa, da porta. Quando Alberto se calou, resolveu se pronunciar:
_ Vou esperar pra uma seresta!...
_ Excelência, que prazer!... ? Gritou Alberto.
_ Excelência?... ? Perguntaram, enquanto se voltavam para a porta e davam de cara com o governador. Confusos, os que o conheciam ficaram sem saber o que fazer, mas ele quebrou a tensão, aproximando-se do leito e, tomando a mão do rapaz, disse:
_ Desculpe, Alberto, se não vim mais cedo, mas é que foi totalmente impossível vir antes. Aliás, tive de cancelar inúmeros compromissos!...
_ Obrigado, Excelência, mas não mereço tão grande honra!...
_ É bom deixar de modéstia. Todo mundo sabe o que você fez e não adianta negar!
_ Eu só queria ser leal ao senhor!...
_ Não, meu filho, você não foi leal a mim. Você foi leal à sua consciência, ao seu espírito de justiça e de solidariedade. Poucos homens fariam o que você fez!...
_ Desculpe, Excelência, mas esqueci de apresentar. ? Interrompeu, para livrar-se dos elogios. ? O Dr. Odorico, o meu pai... ? E, no final: Pra quem ainda não conhece, este é o nosso querido governador, o homem que me meteu nessa fria, mas valeu a pena. Minha vingança é que se ele quiser tocar comigo, vai ter de esperar pelo menos uma semana até eu poder segurar de novo a querida guitarra. Por falar nisso, tem um violão?
_ A viagem foi tão apressada que não deu tempo... Espera aí, você acha que eu vim pra uma festa, ou foi ver um amigo que estava à beira da morte? Tá pensando o quê?...
_ Ah! A não ser uma dorzinha aqui nas costas, estou quase bom pra uma pelada!...
_ Pelada ou pelada?...
_ Pelada, é claro!...
O Dr. Odorico percebeu o excesso de otimismo do rapaz e disse:
_ Alberto, acho bom não se exceder. A bala ficou incrustada na base de uma das costelas e tivemos de deslocá-la pra retirar o projétil. O menor movimento brusco poderá causar traumatismo cervical e vamos ter de operar de novo!...
_ Que é que tem, Doutor? Eu sou como aquele negócio que só funciona a cabeça. O resto é só pra levar e trazer!...
_ Que negócio?...
À medida que os circunstantes iam compreendendo a piada, ouviam-se risinhos abafados, até que o quarto se transformou numa gargalhada só.
A conversa voltou ao normal e em dado momento alguém lembrou que era meio-dia. O prefeito convidou para almoçarem na sua casa, mas Alberto protestou:
_ O que? Além de me deixarem sozinho, ainda tiram a visita especial? Ou pensam que é todo dia que se tem um governador à disposição? Isso é exclusivo pra doente, ora!...
Com o pouco tempo vago e o que tinham para acertar, o governador agradeceu e disse que estava de regresso. O Dr. Odorico notou o impasse e disse:
_ É comida de hospital , mas por um dia, não dá pra morrer... Está à disposição!...
_ Acho que não vou dispensar, não. Meu tempo é curto!...
Quando os outros se preparavam para sair, Alberto perguntou:
_ Dr. Odorico, posso fazer um pedido muito especial?
_ Claro, Alberto. O que quiser!...
_ Tem comida aí pra todo mundo?...
_ Dá-se um jeito!...
_ Então, que tal um piquenique no pátio?... Esta cama pode viajar e me levar?...
_ Está brincando, Alberto? Isto aqui é um hospital. Não já chega a barulheira que fizemos por sua causa? ? Observou Maristela, já travestida nas funções de irmãzona.
_ Tá bom. ? Disse o médico, que aderira ao ritmo alegre do rapaz. ? O único doente grave que temos aqui é o prisioneiro. Pensei que esse aí também fosse, mas me enganei!...
_ Como está ele, doutor? ? Perguntou Alberto, com uma leve sombra no rosto.
_ Vai sobreviver. É mais um traumatismo craniano do que propriamente risco de vida. Vaso ruim não se quebra!...
_ Olha aqui a prova!... ? Brincou o rapaz, lembrando-se do sermão do médico.
_ Quem é ele?... ? Quis saber o governador.
_ O primeiro membro da quadrilha que foi apanhado numa emboscada, lá no rio!...
_ E, por que o traumatismo craniano?...
_ Uma bala o atingiu no rosto!...
_ Quem atirou?...
Discretamente, o médico apontou o rapaz, que, confuso, procurou defender-se:
_ Era ele ou eu. Ele tinha atirado, pelas minhas costas. O cabo viu!...
_ Ninguém está acusando, meu filho. Estamos é muito felizes por você estar vivo!...
_ Mas eu é que não consigo entender por que as pessoas se entregam ao uso das armas, quando é muito mais gostoso manusear uma guitarra!...
O governador quis ver o ferido e o médico o precedeu. Movidos pela curiosidade de ver o prodígio do rapaz, os outros os seguiram. Somente ele não se alegrava...
Minutos depois, chegaram dois enfermeiros com ordem de o transportarem para a coberta próxima do jardim, o que alegrou o rapaz de poder novamente ver a luz do Sol.
Puseram o leito no meio e um som muito familiar vibrou nos seus tímpanos. Não precisou olhar para saber que se tratava da inseparável guitarra. Pediu para Sandrinha fazer um som. O sargento estendeu o violão ao engenheiro, mas foi interceptado pelo governador, que pegou o instrumento e disse:
_ Desculpe, Dr. Carlos, mas o senhor já deve ter tocado muito com a senhorita e o meu tempo é muito curto, pra que me prive deste prazer!... ? E jogou um lá menor, que foi rebatido pela moça. Ao ouvir os acordes de menos de três semanas atrás, o rapaz disse:
_ Da última vez que ouvi isso, entrei numa bronca da zorra. Será que está vindo mais chumbo grosso por aí?...
_ Não! Fique tranqüilo! Aliás, tenho uma informação confidencial. Um verdadeiro Segredo de Estado. O Serviço de Observações Geoaerofotogramétricas informou que nas coordenadas geográficas desta região há uma jazida de pechblenda de onde se extrai o urânio que, se for explorada por curiosos, causará o maior rebu da paróquia.
_ Não! Fique tranqüilo! Aliás, tenho uma informação confidencial. Um verdadeiro Segredo de Estado. O Serviço de Observações Geoaerofotogramétricas informou que nas coordenadas geográficas desta região há uma jazida de urânio que, se for explorada por curiosos, causará o maior rebu da paróquia.
A cozinheira anunciou o almoço. Cada um fez o seu prato e sentou-se próximo do leito. Difícil foi dar comida ao paciente. O governador resolveu o problema, sugerindo que cada um desse uma garfada, por idade. Entre os homens foi fácil, mas com as mulheres, por pouco as mães não ficaram mais novas do que as filhas. Ficou decidido que elas resolvessem sozinhas. As senhoras desistiram e as moças foram discutir prioridades:
_ Eu dou primeiro, porque conheço há mais tempo!...
_ Eu dou, porque preciso conhecer melhor!...
_ Eu dou, porque fui namorada dele!...
_ Eu dou, porque ele chamou meu nome!...
_ Eu dou, porque agora sou irmã dele!...
_ Eu dou, porque agora sou a substituta dele!...
_ Eu dou, porque...
O cheiro da comida fez o estômago de Alberto roncar e, vendo que elas não se decidiam, chamou o médico com o indicador, e pediu:
_ Doutor, por favor, chama a Francisca?!...
Logo apareceu uma preta velha muito gorda, que pegou o prato e começou a dar a comida, enquanto as moças continuavam a discussão.
Findo o almoço, pegaram os instrumentos e recomeçaram a tocata, quando Alberto percebeu que o jardim começava a se encher de policiais. Olhou interrogativamente para o sargento, que encolheu os ombros, e disse:
_ Eles acharam que você ia sentir saudades!...
_ Obrigado, sargento. Foi providencial. Sem eles, eu agora não estaria aqui. Sem eles, agora eu estaria ? apontou o dedo para o chão ? guardado!... Sargento, se o senhor está aqui, e já fazem quarenta e oito horas que estou no hospital, onde está o Roberto?
O sargento apontou para os soldados e disse:
_Guardado!...
_ E... ele?...
O militar entendeu que não podia ocultar nada daquele cérebro computadorizado, apontou duas vezes para o chão com o indicador e repetiu:
_ Guardado!...
_ Eu sabia!... ? Suspirou e insistiu: E, Falcão?...
Mais uma vez o sargento apontou para os lados da delegacia e disse:
_ Guardando!...
Antes que fechasse a boca, o Falcão entrou e disse para Alberto:
_ Delegado, tem um carro, com uns homens dizendo que são da Polícia Federal, e vieram ver o que é que tem aqui!?...
_ A delegada é ela!... ? Simulou um ressentimento que estava longe de sentir.
O governador adiantou-se e esclareceu:
_ Não! Fique tranqüilo! Este problema é meu! Antes de ontem, de manhã, recebi o relatório do Centro de Observações, e enfim eles chegaram! Mande aqui. Quero falar com eles!... ? E, concluiu: Aliás, tenho uma informação confidencial. Um verdadeiro Segredo de Estado. O Serviço de Observações Geoaerofotogramétricas informou que nas coordenadas geográficas desta região há uma jazida de uraninita ou pechblenda, conhecida também como "yellowcake", de onde se extrai o urânio que, se for explorada por curiosos, causará o maior rebu da paróquia.
_A não ser pelo lamentável acontecido, acabaram-se os problemas. Agora, é com eles. O projeto, se não der para canalizar o rio, vou conseguir verba pra a conclusão. Sugiro que após a vistoria da Polícia Federal, o material seja retirado. Vou tentar inundar o poço. Assim, os curiosos pensarão duas vezes antes de querer contrabandear urânio. Serra Dourada, pra mim, será como chamou o grande Búffalo Bill à sua fazenda, SCOUT REST RANCH, que significa O Repouso do Guerreiro!...
Numa explosão de euforia há muito contida, Agnelo abraçou-se ao rapaz, e disse:
_ Filho, tudo isto é mérito seu!...
Alberto fez a cara mais inocente do mundo, encostou o dedo no peito e perguntou:
_ Meu?... Por quê, hein?...




Autor: Raul Santos


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