A BUSCA



A busca


Sem saber porquê, nem de onde tirou aquela idéia, resolveu sair. Juntou algumas poucas peças de roupa que tinha, pegou seus documentos, retirou suas pequenas economias do banco e foi-se embora.
Deixou sobre a mesa da cozinha um bilhete onde se despedia de sua mãe e de seu pai, dizendo que precisava se encontrar, se descobrir; que tão logo isso acontecesse voltaria para casa.
Não tinha a menor idéia de para onde ir, nem o que faria quando chegasse lá, mas em seu coração estava a esperança de que em algum lugar estava seu verdadeiro eu, a força motriz que guiava sua vida, aquilo que faria com que tudo o mais valesse a pena e fizesse sentido.
E assim foi, de carona em carona se distanciando de seu mundo, do lugar onde nasceu e cresceu. A cada distancia percorrida aumentava a certeza de que o que estava fazendo era a coisa certa. Estava cheio de esperança por conhecer gente nova, novas culturas, outros pensamentos, estilos, realidades.
Pelo caminho, as mais belas paisagens se descortinavam à sua frente, a natureza toda cheira de frescor, as matas os rios, as cachoeiras; os animais que o observavam cheios de curiosidades enquanto se banhava nas águas calmas de um pequeno rio.
Sempre caminhando, nunca ficava mais que uma semana no mesmo vilarejo ou na mesma cidade, mesmo sem ter rumo certo, sempre tinha algum lugar novo para conhecer e a cada parada, era uma aventura diferente. Nunca lhe faltou lugar para pernoitar, mesmo quando não lhe era oferecido pouso, sempre havia um pequeno rancho abandonado que lhe servia de teto e, em noites quentes de verão, era-lhe agradável dormir ao relento, tendo o céu e as estrelas por cobertor.
Havia muitos filósofos pelo caminho: gente simples, sem estudo, mas com um conhecimento de vida impressionante.
Enquanto descansava sob a sombra de alguma árvore num banco de praça, observava o constante ir e vir das pessoas nos grandes centros, era um frenesi de marionetes, cada um com seu propósito na vida. Mas observando bem, assim de longe, tinha a impressão de que todas aquelas pessoas estavam quase tão sem rumo quanto ele próprio, a diferença é que ele sabia disso.
Os dias passavam calmamente, depois as semanas, meses, até que se completou o primeiro ano de sua jornada. Estava muito longe de casa, dos amigos, mas sentia que ainda não havia completado sua missão, não havia ainda descoberto ou encontrado o que queria, em seu coração ainda havia o vazio que incomodava. Tinha que continuar sua busca.
Caminhando sempre sozinho, remoia consigo mesmo as razões da sua existência, a razão pela qual as pessoas existiam, qual o rumo que tomavam, a causa maior para habitarem esse planeta. Seriam as pessoas um entretenimento para algum observador cósmico? Estaríamos aqui só de passagem, uma espécie de vestibular para uma vida espetacular depois? Se isso for verdade, porque perdemos tanto tempo com bobagens?
Seus questionamentos apenas aumentavam, sem que respostas surgissem. E quanto mais perguntas tinha, mais imaginava que deveria procurar.
Pelo caminho, cruzou com padres, políticos, doutores, sem tetos, mendigos; e com todos tratava dos mesmos assuntos e com todos expressava suas dúvidas, mas de cada um tinha um ponto de vista.
O rico queria ter poder, o pobre só queria ser rico. O doutor só queria ter tempo para si mesmo, o vagabundo queria ter algo para ocupar o tempo. O homem casado desejava loucamente a liberdade dos tempos de solteiro, ao passo que o rapaz fazia planos para se casar no próximo semestre. Havia os trabalhadores que não viam a hora de se aposentar e havia os aposentados que lamentavam não poder mais trabalhar.
Por onde quer que passasse, fosse metrópole ou viela, cidade ou campo, estrada ou mata, havia sempre pessoas que reclamavam de sua condição, em nenhum lugar por onde passou e, diga-se que esteve em muitos lugares, em nenhum encontrou uma só pessoa que fosse plena de si mesmo, que não almejasse nada além do que já tivesse.
Meditou consigo mesmo que desejar as coisas era inerente à natureza humana, afinal somente através desse desejo é que a humanidade pôde evoluir, somente em razão dessa insatisfação foi que saímos da idade da pedra para uma realidade completamente informatizada, cheia de confortos e comodidades.
Ora, mas se evoluímos tanto, pensou, porque não estamos satisfeitos? Qual a razão que impera sobre nossos sentidos que não nos permite ter sossego? Porque nossas vidas, às vezes, parece tão vazia e sem sentido?
Não havia resposta.
Por mais que procurasse, não encontrava a resposta definitiva, plena e satisfatória para essa questão.
Continuou andando, sempre em frente, em linha reta. Deixou para trás cidades, metrópoles, países, continentes. Por onde quer que fosse, havia sempre o mesmo, as pessoas eram as mesmas, as histórias se repetiam. Os dramas, as confissões, as esperanças e as alegrias eram as mesmas tanto no Rio de Janeiro quanto em Praga.
Então um dia, depois de escalar uma montanha, chegou ao topo em tempo de ver o sol se por. Já havia visto aquela cena muitas vezes, mas naquele dia parecia diferente. O sol parecia mais perto da terra e ao mesmo tempo parecia encostar no céu, unindo-os. Foi nesse instante que a ficha caiu e ele percebeu a grande verdade das coisas.
Assim como o sol, naquele instante interligava o céu e a terra, a missão das pessoas era ligar seus semelhantes a algo maior. Não haveria razão de ser de uma pessoa que não fosse fazer o seu próximo ser feliz, fazer seu próximo crescer e desenvolver o que há de melhor em si mesmo.
Nesse instante sentiu seu coração palpitar, cheio de alegria, parecia que não cabia dentro do peito. Não se conteve e começou a dançar. Estava sozinho, no topo de uma montanha, mas de modo algum se sentia solitário. Assim no auge da alegria, adormeceu.
Quando acordou, o sol já estava alto. Ao seu redor o canto dos pássaros remetia à felicidade. Juntou suas poucas coisas e começou a descer a montanha, precisava se localizar, afinal sua busca tinha chegado ao fim e era hora de voltar para casa. Tinha visto uma cidade ao norte e rumou para lá.
Ao final daquele dia, chegou na cidade e sentiu uma emoção diferente: aquela era a sua cidade, o local onde havia nascido, crescido e deixado há muito tempo atrás.
Então percebeu que mesmo tendo percorrido todo o globo terrestre, a resposta estava o tempo todo muito perto dele, tão perto que foi preciso ir tão longe para encontrá-la.
Agora estava de volta, havia descoberto o segredo.
Tinha uma nova missão. Uma nova jornada.


Autor: José Ronaldo Piza


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