O Bairro De Dois Unidos E As Histórias De Suas Localidades



Recife, capital do Estado de Pernambuco, se insere na Mesorregião Metropolitana que se constitui no segmento mais dinâmico do Estado. Essa área faz parte da Zona Fisiográfica do Litoral, com uma ampla linha de fronteira formada pela costa atlântica.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a cidade abriga 94 bairros e 6 RPA's – Regiões Político Administrativas. Embora a funcionalidade dessa divisão se volte mais para as necessidades do planejamento e da administração para as quais foi criada, ela reflete de algum modo a realidade dos diferentes territórios existentes na cidade, do ponto de vista das relações sociais que neles se desenvolvem ou da realidade econômica da população que neles vivem, permitindo que se identifiquem os locais onde os contrastes encontram-se mais acirrados.

REGIÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS DO RECIFE

RPA 1, formada por 11 bairros: do Recife, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Ilha do Leite, Soledade, Paissandu, Cabanga, Ilha Joana Bezerra, Santo Amaro e Coelhos.
RPA 2, constituída de 18 bairros: Torreão, Encruzilhada, Rosarinho, Ponto de Parada, Campo Grande, Hipódromo, Arruda, Campina do Barreto, Peixinhos, Cajueiro, Porto da Madeira, Água Fria, Alto Santa Terezinha, Bomba do Hemetério, Fundão, Linha do Tiro, Beberibe, Dois Unidos.
RPA 3, que compreende 29 bairros: Aflitos, Alto do Mandu, Apipucos, Casa Amarela, Casa Forte, Derby, Dois Irmãos, Espinheiro, Graças, Jaqueira, Monteiro, Parnamirim, Poço da Panela, Santana, Sítio dos Pintos, Tamarineira, Alto José Bonifácio, Alto José do Pinho, Mangabeira, Morro da Conceição, Vasco da Gama, Brejo da Guabiraba, Brejo de Beberibe, Córrego do Jenipapo, Guabiraba, Macaxeira, Nova Descoberta, Passarinho e Pau Ferro.



RPA 4, formada por 12 bairros: Caxangá, Cidade Universitária, Cordeiro, Engenho do Meio, Ilha do Retiro, Iputinga, Madalena, Prado, Torre, Torrões, Várzea e Zumbi.
RPA 5, constituída de 16 bairros: Afogados, Bongi, Mangueira, Mustardinha, San Martin, Areias, Caçote, Estância, Jiquiá, Barro, Coqueiral, Curado, , Jardim São Paulo, Sancho, Tejipió e Totó.
RPA 6, que compreende 8 bairros: Brasília Teimosa, Ibura, Cohab, Jordão, Boa Viagem, Pina, Ipsep e Imbiribeira.
Os bairros inseridos em cada RPA se configuram como espaços de peculiaridades próprias, sendo compostos por traçados de ruas, praças, comércio, histórias que trazem intrínsecos desde a sua formação imagens próprias, que se distanciam e se aproximam ao mesmo tempo. As peculiaridades dos bairros do Recife trazem em sua composição, áreas de praias, e morros, traçados urbanos ordenados e favelas com becos sinuosos.
Recife retrata essa realidade, uma vez que convivem lado a lado bairros dotados de boa infra-estrutura, com favelas dentro do mesmo contexto territorial, sem linhas demarcando onde começa um e termina o outro, a exemplo de Boa Viagem e das favelas "Entra Apulso" e "Ilha do Destino".
A pobreza alcançou uma dimensão tal que já não é mais possível escondê-la, removendo-a para a periferia. Ela se encontra em toda parte, inclusive onde a riqueza se concentra. Dados registrados no Plano Setorial de Uso e Ocupação do Solo, realizado pela Prefeitura da Cidade do Recife - PCR, mostram que hoje "nenhum bairro da cidade se situa a uma distância superior a 1,2 km de uma favela". (CJC / FASE/ ETAPAS, 1999).
A área do Bairro de Dois Unidos, não foge a essa realidade. Inserida na RPA 2, micro-região 2.3. é constituída em grande parte por ZEIS – Zonas Especial de Interesse Social onde localizamos diversas comunidades de baixa renda, que se confundem com outros bairros da mesma RPA, contando ainda em sua área noroeste com uma ZEPA - Zona Especial de Preservação Ambiental, denominada Mata de Dois Unidos - Reserva Ecológica de remanescentes da Mata Atlântica, com uma extensa área de mata, 52,14ha.
Entre as ZEPAS, protegidas pela Lei Estadual nº 9989 de 13/01/1987; a Mata de Dois Unidos se encontra em situação de risco ambiental.
Convém salientar que a degradação dos remanescentes da Mata Atlântica tem conseqüências graves no abastecimento d'água, na proteção contra erosão e deslizamentos e, no risco de extinção da flora e fauna, além de contribuir para o assoreamento dos rios, canais e estuários, agravando os problemas de alagamento na planície.
A área do bairro de Dois Unidos é predominantemente urbana, já se encontra bastante ocupada, concentrando assentamentos de baixa renda da Região Metropolitana, com precárias condições de infra-estrutura, com diversos problemas sócio-ambientais. A morfologia urbana da área caracteriza-se por um traçado irregular, com quadras de tamanho médio, ocupação intensiva em algumas áreas e a presença de vazios.
A habitabilidade é crítica nas áreas de baixíssima renda, com moradias insalubres em situação de risco, nas encostas de morros de alta declividade ou em áreas alagáveis e alagadas e leitos de córregos e margens de rios e canais.
Nessa mesma via, no lado direito em toda sua extensão identificamos os Rios: Morno e Beberibe.

As Localidades do Bairro de Dois Unidos

Nessa área da Cidade, parte da população pobre do Recife fincou suas raízes construindo ali suas casas.
Nela podemos destacar as seguintes localidades:
- Córrego da Picada;
- Córrego da Bela Vista (antigo Córrego do Morcego);
- Córrego da Camila;
- Alto do Maracanã;
- Área plana de Dois Unidos;
- Córrego do Curió;
- Córrego do Leôncio;
- Alto do Rosário;
- Alto do Capitão.
As histórias dessas localidades são marcadas pela conquista do espaço ocupado.
No fim da década de 50, a área onde hoje se localiza o bairro de Dois Unidos não tinha ruas definidas, eram caminhos muito estreitos, a estrada principal era chamada de Oiti-furado, uma vez que existia uma arvore por nome de Oiti, e os carpinteiros vinham a cavalo explorar a madeira.
A primeira pavimentação surgiu há mais ou menos 33 anos na Avenida Hildebrando de Vasconcelos, que ganhou este nome por ser este o dono das Indústrias Minervas Papel e Celulose, que foi uma das impulsionadoras do desenvolvimento da área.
A Avenida Hildebrando de Vasconcelos é a principal via de acesso do Bairro, no lado esquerdo dessa via, encontramos a primeira localidade, o Córrego da Picada.
Os moradores antigos das comunidades vizinhas contam que a área era mata fechada e para abrir uma clareira na mata e construir as casas, os ocupantes faziam referência a "abrir uma picada", daí ficou o nome da localidade "Córrego da Picada".
Logo após o Córrego da Picada do mesmo lado da via, identificamos o Córrego da Bela Vista (Antigo Córrego do Morcego).
A comunidade, segundo os moradores tem mais ou menos 100 anos de história. No inicio eram poucas casas e muita área verde. Não tinha água encanada, pavimentação, luz elétrica, transporte coletivo e nem serviços de saúde.
A população servia-se de uma cacimba comunitária no final do Córrego do Morcego, e algumas pessoas que dispunham de condições financeiras faziam nas suas residências poços artesianos.
Na área da saúde, a população contava com as benzedeiras e parteiras, os casos mais graves buscava-se ajuda no bairro da Encruzilhada no CISAM e nos hospitais públicos.


Outra comunidade que merece destaque é o Córrego da Camila, também conhecido como Maria Estevão. Na década de 50, os moradores da localidade faziam seu abastecimento de água, num local conhecido como "da mineral", em alguns lagos que se encontravam após o campo da Minerva, hoje lá se encontra a água mineral Santa Clara. A água retirada da mineral naquela época era apenas para beber e cozinhar.
As mulheres costumavam lavar roupas no rio de Dois Unidos.
A energia elétrica chegou em 1969, não se sabe ao certo o número de comunitários envolvidos nesta conquista.
O Córrego da Camila recebeu este nome em homenagem a uma senhora que possuía todos os lotes de terra da localidade.
No Córrego, as moradias são todas em alvenaria e de um só pavimento. O local é caracterizado por relevo acidentado, apresentando duas ruas principais asfaltadas e escadarias longas e íngremes. A população foi atraída ao local pela fábrica da Minerva, em função da possibilidade de empregabilidade.
No local observam-se problemas de desmatamento e de contenções de encostas.
O Alto do Maracanã é outra localidade, que segundo relatos de moradores antigos era conhecido como Alto Chagas Ferreira.
No ano de 1943, chegaram os primeiros moradores ao Alto, que era um local de mata e campos de futebol, porém o nome era Jardim Maracanã, onde se faziam torneios de futebol e muitas pessoas viam e se encantavam com a paisagem do local e começaram a construir as primeiras habitações, cujo terreno foi concedido pelo antigo dono Sr. Quincas.
Em 1968/70 surgiram as primeiras ruas e a divisão dos Altos: Maracanã, Capitão, Rosário.
Em 1968 surgiu o Centro de Umbanda.
Em 1970 chegou a energia elétrica, pavimentação de algumas ruas. Junto com a água que antes era água de poço ou rio.
Em 1999 chegou Transporte, padaria, farmácia, escola.
Em 1996, a Igreja Católica Santo Afonso chegou à área.
Em 1997 chegaram Grupos Culturais como Mário Bocão, Urso da Vovó.
Em 2000 chegou a Quadrilha Masculina e a Associação dos Moradores.
Em 2005 foi instalado o Posto de Saúde – USF.


O nível de articulação e organização popular dos moradores dessas localidades é significativo, com destaque à participação dos integrantes do Orçamento Participativo, que desenvolvem junto com as comunidades varias ações em busca de conquistas para as localidades.
No lado direito da Avenida Hildebrando de Vasconcelos, localiza-se uma área hoje urbanizada, margeando o Rio Beberibe, essa área formada pelas ruas Canavial, Cravo Branco, Estrela Brilhante, entre outras, não tem associação formada, mas conta com intensa articulação, tendo em vista os Delegados do Orçamento Participativo, moradores das localidades.
A ocupação da área se deu há mais de 40 anos. No início surgiram apenas 06 casas, que foram construídas de forma mista, com tijolo e barro. A escolha do terreno foi feita porque o mesmo estava abandonado e pela falta de opção e recursos dos moradores. No processo de ocupação do local, não houve disputas nem conflitos, tendo sido uma ocupação pacífica. A fábrica "Minerva" apesar da proximidade do local de ocupação, não fez nenhuma objeção, uma vez que a área não lhe pertencia.
Como constatamos, as conquistas das localidades foram frutos das lutas dos moradores, na busca por benefícios para as áreas.

Segundo depoimentos de moradores da área, onde hoje se localiza o Córrego do Curió, há cerca de 30 anos atrás existia um sítio muito grande onde as pessoas caçavam sagüi e passarinho, e onde predominava o pássaro "curió", que originou o nome do Córrego.
Em 1946 com o desmatamento da área começaram a surgir às primeiras casas. Na área existia um açude que servia para lavagem de roupas das famílias, mas que era usado também como local de desova de cadáveres. Nessa época um senhor, proprietário de uma vacaria denominou-se dono das terras tentando impedir a ocupação da área usando inclusive de violência. Mas as famílias resistiram e ocuparam o espaço.
O Córrego do Leôncio, abrange especificamente a Av. Chagas Ferreira, Rua Leôncio Rodrigues e áreas adjacentes.
O surgimento da comunidade deu-se em 1890 quando o avô de um dos moradores, Sr. João Chagas Ferreira que era o dono de toda a área, começou a loteá-la; devido a grande extensão de terras. Começou assim o povoamento da Av. Chagas Ferreira, nome dado em homenagem a esse antigo dono das terras.
Esta Avenida Chagas Ferreira tem cerca de 1.100 metros da abrangência desta comunidade (do início da entrada do Córrego do Curió até a padaria Colombo), tendo cerca de 300 casas, com em média 15 comércios. É asfaltada e com lombadas.
A Rua Leôncio Rodrigues era conhecida popularmente como Córrego "João Chagas", passando a ser chamada como rua a partir dos anos 80.
A linha de ônibus nomeada José Amarindo do Reis (Terminal Chagas Ferreira) adentrou em 1992, fazendo deste então seu terminal dentro da comunidade, a empresa sempre foi a São Paulo.
A comunidade tem ainda algumas ruas sem pavimentação: Rua Padre Cícero, Rua Aureliano Leal e outras pequenas ruas.
A Rua Leôncio Rodrigues tem cerca de 550m e comporta aproximadamente 250 casas residenciais e 08 comerciais.
Nessas duas principais ruas existem canais para escoamento das águas.
As escadarias até agora construídas tem um bom acesso para as comunidades circunvizinhas. A comunidade é bem arborizada, tendo a maioria das residências árvores frutíferas.
O Alto do Capitão teve a origem do seu nome relacionada a presença de um casarão, cuja propriedade pertencia a um capitão. Após a morte desse capitão, o casarão deu lugar a um alojamento aos soldados da polícia militar.e a primeira Escola do Alto do Capitão, fundada pelo Prof. Rafael de Menezes, tornando-se em seguida Escola Municipal.
Tempos depois foi demolido e construído no local a Creche Municipal Tia Emília, fundada em 1995. O nome da creche foi uma homenagem a uma moradora muito ativa na área, que inclusive era Catequista e participou da construção da Capela Católica. No mesmo período a Comunidade conquistou a Linha de ônibus – Alto do Capitão.

Há cerca de 50 anos teve início a ocupação do Alto do Rosário que aconteceu primeiro na parte baixa denominada de Córrego do Rosário. Segundo moradores antigos do local tudo começou quando as pessoas do Alto do Eucalipto vinham lavar roupas no Rio Morno e outras provenientes de Nova Descoberta vinham rezar o terço no campo de futebol, único espaço disponível na época e começaram a ocupar a parte baixa.
Na parte alta, denominada Alto do Rosário além de muitas invasões apareceu um homem chamado Dr. Aniceto que se dizendo proprietário das terras começou a vender lotes do local.

Na área do bairro de Dois Unidos, identificamos o Rio Morno, em cujas margens, habita uma ocupação irregular denominada "Ocupação Rio Morno".
O rio hoje se encontra degradado, a população residente em suas margens, se apresenta altamente carente, os imóveis, construídos de forma irregular em sua maioria são de madeira, pedaços de papelão, materiais recicláveis diversos. A acessibilidade ao local das moradias é feita por um "beco" estreito, entre o rio e o muro da Engarrafadora Santa Clara, o que dificulta o tráfego de pessoas, o que é agravado quando chega o inverno. Há predomínio de lixo na área, e os animais domésticos como porcos, cavalos, galinhas, são criados soltos, nas margens do rio. Por ocasião dos períodos de chuvas, o rio transborda, arrastando os casebres localizados nas suas margens. A população caracteriza-se como uma das mais carentes da área.






Considerações Finais

As cidades são lugares onde as pessoas devem e podem unir-se, trabalharem juntas e trocar idéias de forma produtiva, segura e confortável. Contudo, nas grandes metrópoles brasileiras há uma segregação sócio econômica e a população de baixa renda foi sendo empurrada para locais mais afastados da cidade, formando periferias.
A cidade do Recife é um exemplo disso, nela pode-se identificar uma diferenciação entre zonas de comércio, áreas industriais, bairros residenciais, (alguns localizados próximos à orla marítima, que podem ser considerados ambientes mais salubres) e as periferias.
A ausência de um planejamento urbanístico específico para a cidade do Recife, condenou a população residente nas periferias a viverem problemas de deslizamento de morros, alagamentos de comunidades ribeirinhas, entre outras situações. Tais questões trazem grandes desafios, que implicam perceber a questão urbana a partir de suas várias facções de interesses onde atores com papéis diferenciados tomam parte na construção dessa realidade.
Historicamente, no bairro de Dois Unidos as localidades que foram se formando, a partir da ocupação informal e desordenada, são consideradas conquistas pela população ali residente. Contudo, a realidade dessa população caracteriza-se pelas péssimas condições de vida e de moradia, cujos imóveis são construídos quase sempre de forma inadequada e em locais impróprios para moradia. Por outro lado, as histórias de formação dessas localidades demonstram todo o sentimento de orgulho, símbolos de resistência dos grupos menos favorecidos, monumentos, locais de contemplação.
Passando a ser considerado pelos moradores, como patrimônios culturais por meio dos quais grupos sociais e indivíduos narram sua memória e sua identidade, buscando para elas um lugar público de reconhecimento, na medida em que as transformam mesmo em 'patrimônio': A favela resistiu e impôs a sua presença efetiva nos espaços urbanos brasileiros.
Trata-se de um espaço diferenciado do espaço da cidade, por ser o lócus da exclusão, desenvolveu através dos seus símbolos (arquitetura, modo de vida, espaços construídos) seus desejos, memórias, representações, ritualizações e estratégias de utilização desse espaço mítico, composto de elos de solidariedades, identidade e experiências de vida.
Um espaço que simboliza o imaginário de lutas e construção de uma identidade coletiva. Algo como um monumento que traz na tradição do passado o significado para o presente, no entanto, diferente na sua dinâmica, pois leva em conta o dia-dia, se re-configurando a todo o momento, sem, no entanto, perder a sua característica de integrar cada indivíduo a uma memória comum e a um sentimento de pertinência ao grupo e ao espaço utilizado pelo grupo. Por tudo isso, para o morador, ali, não está apenas sua casa, mas seu patrimônio, com seus valores, sonhos, esperanças, orgulho de ter construído com "suor e sangue" uma vida.

Autor: Nadja Leite


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