A Pata Cascavel



 Moacir era um paquerador incorrigível. Naqueles tempos havia na zona rural o costume dos fazendeiros deixarem famílias construírem ranchos em suas terras e ali viverem, fazendo uma parceria informal na qual chamavam os colonos de "agregados". Creio que foi daí que surgiu o atual conceito econômico "valor agregado". Já o costume do Moacir era outro: visitar a maior quantidade possível de ranchos em horários em que os homens não estivessem, para dar vazão às suas aventuras "donjuanescas". 

      Num belo dia ele soube que o Divino Taioba havia ido à cidade ajeitar uns documentos e que só voltaria no dia seguinte. Não perdeu tempo. À tardezinha rumou para o rancho do Divino, na certeza que encontraria Clarinda sozinha, pois sabia que ela é mulher corajosa e não iria ficar amolando nenhuma amiga para lhe fazer companhia. Acertou. Chegou no rancho com cara de que nada sabia, cumprimentou Clarinda, pediu água, travou prosa, tomou café e quando a noite chegou a prosa virou lábia que Clarinda, com muito gosto caiu nela. Moacir só não contava com a sorte que o Divino tivera ao encontrar carona e voltar na camioneta do "seu" Horácio. O carro parou na porta do rancho que era a única saída e com os faróis acesos Moacir não poderia se aventurar a sair por ali. A solução era enfiar debaixo da cama. E assim fez, tão rápido que não deu tempo de Clarinda avisar que ali havia uma pata chocando. Quando ele se enfiou cama abaixo Divino já chegara na porta e a esposa deu um salto para recebê-lo. Nesse instante, por debaixo da cama, a pata deu uma balançada no rabo e no pescoço, emitiu um cicio e tacou uma bicada na bunda do Moacir. Outra balançada, mais uma bicada na coxa. E assim foram várias. A primeira coisa que pensou: "É uma cascavel!" A segunda: "Tô morto!" Enquanto Moacir estava naquela agonia, Divino deu uma saída para urinar atrás do rancho e ele aproveitou para cair fora. Saiu em disparada com uma mão na bunda e outra na cocha e só foi parar no rancho do Davi Ximbé, a uns três quilômetros dali. Chegou batendo na porta e gritando desesperado. Davi abriu a porta e ele foi entrando e falando aflito: 

- Davi me socorre! Fui picado por uma cascavel. Tô morrendo! Foram mais de dez picadas! Meu Deus do céu, tô ficando cego! – A mulher e os filhos de Davi se levantaram com a barulheira e ela foi logo providenciando um emplasto de fumo para colocar nas feridas. Moacir passou a noite ali e como notícia ruim corre mais que campeiro quando vê onça pintada, de manhã todos os moradores da região já sabia que Moacir estava na casa do Davi, "ofendido" de cobra. Quando a notícia chegou na casa do Divino Taioba Clarinda, que já havia arquitetado um plano para tirar Moacir daquela enroscada, falou para o marido: 

- Benzim, eu vou lá ajudar o Moacir. A minha avó antes de morrer me ensinou uma benzedura pra tirar veneno de cobra. 

- Cume que ocê nunca me contô isso muié? – perguntou o marido desconfiado. Afinal, tratava-se do "traçador" Moacir. 

- Ora, meu bem, a vovó explicou que só podia revelar o conhecimento da benzedura quando acontecesse a primeira necessidade. 

- Tá bom, mas vou com você falou Divino na base do acredito duvidando. 

      Quando chegaram ao rancho do Davi a porta estava repleta de curiosos e o Moacir no quarto gemendo, com a calça cheia de buracos feitos pela mulher do amigo para aplicar os "remédios". Divino já foi dando a notícia do secreto dom da esposa, que finalmente encontrara ocasião para ser compartilhado. 

- Só que eu tenho que ficar sozinha com o ofendido, que é pra resguardar o segredo da benzedura – explicou Clarinda dando seqüência ao seu plano salvador. Quando ficaram a sós ela esclareceu o fato da pata choca ao aventureiro que, refém de sua própria mente, encontrava-se febril e com a coxa e nádegas roxas e inchadas. Ao receber a notícia sentiu um arrepio de alívio por todo o corpo, recobrou o ânimo e saiu ressabiado. Chegando à porta do rancho Clarinda foi aplaudida por todos.  

     Depois do fato, comenta-se que a reza dela foi tão poderosa que tirou até o veneno de paquerador do corpo do Moacir. Nunca mais se ouviu falar que ele perturbasse mulher casada. E por gratidão ficou amigo íntimo do Divino e Clarinda. Tão íntimo que sempre que alguém visita o casal lá encontra o agradecido Moacir, quase um membro da família, de total confiança do Divino.


Autor: Antonísio Siqueira Borges


Artigos Relacionados


No Vale Terá Tura

SolidÃo...

Maior LiÇÃo De Vida

Índio Urbano

A Mata Que NÃo Existe Mais

De Passagem Pelo Nordeste

TrÊs Sorrisos De Maria