O Planejamento Estratégico E O Inesperado



O Planejamento Estratégico e as Conseqüências do Inesperado    
A importância do contingenciamento

Temos aqui um grande equívoco estratégico. A esmagadora maioria dos planos de negócios despreza os acidentes de percurso, potencializando a ocorrência de distorções e defasagens significativas na gestão das obrigações e do caixa da empresa.

A prática do dia-a-dia revela que as atenções no planejamento estratégico das empresas miram, prioritariamente, as oportunidades específicas do negócio e as suas necessidades básicas operacionais para que o empreendimento possa alcançar os objetivos estabelecidos.

De fato, não há nada de errado com esse conceito. No entanto, o ponto de discordância resta sobre o tom extremamente otimista dos planos, levando apenas em consideração os cenários ideais de mercado e o comportamento estável do ambiente operacional, interno e externo – como se isso tudo pudesse ser previsto antecipada e cartesianamente.

Precaução não é sinônimo de pessimismo, mas sim de prudência, cautela e prevenção.

No âmbito dos negócios, precaução faz parte da inteligência financeira. Inteligência que é energicamente desafiada nos momentos em que fatores externos à operação e à estratégia do empreendimento, manifestam-se de forma a impactar o giro dos negócios, das receitas, dos custos e, contundentemente, do caixa.

Fatores externos são todos aqueles que estão fora do controle e do alcance de ação da empresa, normalmente advindos de movimentos bruscos no comportamento do mercado – por exemplo: queda da demanda de compra, variações repentinas e imprevisíveis na economia do país, e mesmo da externa – e por aí vamos...

Amplamente veiculada e alardeada na mídia nacional e internacional, acompanhamos uma grande preocupação global sobre a crise na oferta de alimentos. Mas afinal, o que esse fator poderia gerar de impacto no meu negócio?

Antes de partirmos para uma possível abordagem do impacto, vejamos o pano de fundo desse cenário.

Quando a demanda de compra é muito maior do que a oferta, a tendência é de que haja um movimento de alta de preços em relação aos patamares normalmente praticados nos momentos de estabilidade. Trata-se de um movimento clássico de mercado, gerando, normalmente, grandes impactos financeiros na cadeia do comércio, picos substanciais dos preços associados aos produtos e seus derivados, assim como uma crise imediata na oferta e no abastecimento.

Tomemos os conhecidos exemplos do arroz e do trigo – grãos que constituem a dieta básica de grande parte da população mundial.

Historicamente, por razões movidas por outras demandas e oportunidades de ganhos nos mercados emergentes das commodities agrícolas, essas culturas foram sendo substituídas por outras emergentes, que apresentam fortes incentivos de exportação e permitem maiores ganhos no comércio exterior.

Com isso, as lavouras desses dois grãos foram diminuindo de forma tal a gerar déficit no abastecimento interno dos próprios países produtores e, por conseguinte, necessidades prementes de importação por parte daqueles que não têm estoques suficientes às necessidades internas. Todo esse imbróglio traz conseqüências imediatas e impactantes aos consumidores finais, gerando filas, corridas aos postos de abastecimento e crises importantes nos setores que dependem desses produtos como matéria prima aos seus negócios.

Mas, qual a relação da escassez desses grãos e do aumento de seus preços com as nossas empresas?

Ora, eis aí um impacto indireto que incide sobre os subsídios trabalhistas que todas as empresas são obrigadas a estender aos seus empregados – alimentação. O pãozinho francês, por exemplo, teve um aumento de mais de 50% no primeiro quadrimestre de 2008, o mesmo acontecendo com o arroz.

Portanto, os custos associados à alimentação acabam sofrendo a pressão por algum índice correlato de aumento. Mais diretamente ainda, quando enfrentando períodos mais dilatados, tais variações normalmente acabam alimentando os índices inflacionários, incrementando os percentuais dos ajustes anuais de salários.  

Apesar de um planejamento adequado permitir projeções de aumentos dos custos operacionais, seria difícil imaginar que o diretor, o proprietário ou mesmo o conselho de acionistas de uma pequena ou média empresa, pudessem incluir uma projeção de crescimento dos custos dos subsídios trabalhistas, tendo em vista a análise da forte escalada do consumo mundial do trigo em comparação à capacidade produtiva desse grão.

O que dizer, então, dos preços astronômicos que os barris de petróleo têm alcançado no mercado global, mais que dobrando nos últimos 12 meses; da forte depreciação da moeda americana nos maiores centros econômicos do mundo; do substancial aumento do consumo dos minérios de ferro pela China, causando a elevação brusca do metal no mercado global de commodities; da quintuplicação dos preços dos fertilizantes, onde o Brasil é importador e não produtor; e afinal, o que falar da silenciosa disparada dos índices de inflação, a despeito do tão alardeado crescimento da economia brasileira?

Ao conferirmos as taxas de desempenho das pequenas e médias empresas, assim como o número de falências e quebras que presenciamos ou de que temos notícia no nosso dia-a-dia, todo esse universo de variáveis e de fatores de instabilidade suscita-nos a uma grande reflexão.

É fácil imaginar de que quando o governo alardeia tal crescimento da economia, podemos supor em quais índices ele se baseia: substancial entrada de divisas, superávit na balança comercial, supostos aumentos nos índices de emprego, crescimento do crédito ao consumidor, e daí por diante.

Mas todo esse cenário de impacto conjectural está diretamente relacionado ao comportamento dos grandes produtores e exportadores. Não podemos fechar os olhos ao crescimento do poder de compra das classes de renda mais baixa nos últimos anos, gerando um aquecimento nas vendas do comércio, bem como nos movimentos de crédito ao consumidor, visto tal demanda permanecer represada por longo período de vacas magras enfrentado pela população. Entretanto, isso não quer dizer que as demais empresas – mais especificamente, as pequenas e médias, também estejam vivendo dias de bonança.

Infelizmente, não é essa a realidade. Análises publicadas nas mídias especializadas demonstram que 64% das 100 melhores pequenas e médias empresas eleitas em dado período, são riscadas da lista da próxima pesquisa – normalmente, de um ano para o outro. Dessas que caem, mais de 50% delas acaba fechando suas portas. Portanto, a mar não é tão azul e tão calmo quanto os governantes cantam garbosos sob os holofotes eleitoreiros.

Poderíamos estender longas páginas de análises e reflexões sobre tantos outros casos e situações que assombraram, e ainda assombram os bastidores operacionais das pequenas e médias empresas. O que nos vale é o alerta e o aprendizado, e não a simples reclamação e revolta!

O exercício que precisa ser mais praticado pelo planejamento operacional das pequenas e médias, diz respeito ao recurso do contingenciamento – uma precaução estratégica.

Quando se viaja para um lugar distante e desconhecido, apesar de imaginarmos um montante de dinheiro para as despesas básicas da viagem, a prevenção nos sugere uma quantia adicional a ser tomada em caráter de reserva para eventuais urgências. Em uma empresa a situação não pode ser diferente.

Enquanto que uma viagem pode ser a negócios, a passeio ou mesmo a fim de atender qualquer compromisso social inadiável, na empresa a grande viagem diz respeito, também, a um longo percurso desconhecido.

Ainda que se conheça muito do negócio em que se atua – processos, soluções técnicas e tecnológicas, práticas operacionais, etc., esse percurso é margeado por um elemento totalmente volátil, instável e imprevisível – o mercado comprador, seja ele o de serviços ou de produtos.

A viagem do empreendedor rumo ao êxito nos negócios há que ser otimista e determinada, sem que esse ideal prescinda de preocupações e precauções.

Algumas ações alternativas podem até ser previstas na estratégia do negócio, porém não passam de estratégias de comportamento ou ações corretivas que, dificilmente, incluem provisões orçamentárias.

É como imaginar que sob certa condição de dificuldade ou problema se possa agir desta ou daquela maneira, sem que se esteja certo, todavia, da disponibilidade dos recursos necessários para tal execução.

Seria como abrir um negócio de transporte rápido contando com uma caminhonete de múltiplo uso e durante o “planejamento de faturamento do negócio” e da clientela alvo, o outro sócio levantasse um possível e potencial problema: “E se aquele excelente cliente solicitar o transporte de uma carga maior do que a caminhonete puder agüentar?”; e como resposta viesse algo do tipo: “... aí compramos um caminhãozinho!”, ou “... a gente aluga um caminhão”, ou ainda, “... aí a gente vê o que faz!”.

Então, um sorriso maroto contagia a conversa e abrevia a discussão. Infelizmente, apesar do tom humorístico desta passagem, a realidade não dista muito dessa hipotética conversa.

O planejamento estratégico consiste em prever o ambiente, as condições e as ações operacionais do negócio, assim como permite provisionar fundos contingenciais, reservando verbas para eventuais emergências futuras.

Sem nos aprofundarmos em conceitos contábeis, o fundo de contingenciamento confere uma alternativa de solidez nos momentos em que os imprevistos exigem reações rápidas e recursos urgentes que, normalmente, não se apresentam disponíveis no giro e no fluxo de caixa das empresas.

Quão mais apurado o processo de lapidação de um diamante, maior o seu valor – o mesmo se aplica ao planejamento estratégico. A estratégia planejada e revisada de forma ampla, detalhada e cautelosa, garante ao negócio um valor extraordinariamente importante à operação – a solidez do dia-a-dia.

Nada pior e mais deteriorante ao ambiente da empresa do que ter que se afastar do foco do negócio em busca de recursos não previstos. Normalmente, as soluções emergenciais levam a uma sofrida via crucis na busca dos recursos necessários, convertendo-se, invariavelmente, em endividamentos adicionais.

Uma vez que os rombos causados pelo inesperado exigem reações extremamente urgentes, o custo do dinheiro diante da rapidez exigida pela situação é muito alto, comprometendo o caixa e o orçamento operacional da empresa.

Nesses casos, os compromissos mensais referentes aos custos do endividamento inesperado corroem os alicerces do negócio, gerando instabilidade operacional e o comprometimento das despesas básicas da operação.

A conseqüência imediata é o impacto na geração de faturamento, uma vez que toda a operação – vendas, produção e a eventual entrega de serviços – vê-se comprometida pela compulsória redução dos custos e dos investimentos.

Primeiro, a queda do faturamento. Em seguida, o perigo potencial de perder clientes. Enfim, o inesperado e o não adequadamente planejado podem ser cruciais à continuidade e à possibilidade de queda do empreendimento.

Roberto A. Trinconi
CEO
EdgerSense Consulting
The Business Management Intelligence company


Autor: Roberto A. Trinconi


Artigos Relacionados


O Que Nao Poderia Esconder

Se Eu Pudesse...

Diacronização!

O Brilho Do Sol

Visão Que Conecte

Senti Uma Dor No CoraÇÃo

Como Saber Se Sua Empresa Está Mal Assombrada