Efeitos Temporais Da Decisão Declaratória De Inconstitucionalidade



1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Antes de adentrarmos com maior profundidade no tema proposto para este trabalho, cumpre-nos tecermos algumas breves considerações acerca do controle de constitucionalidade.

Controle de Constitucionalidade, para Maria Helena Diniz, significa:

Impedir a subsistência de eficácia da norma contrária à Constituição, pressupondo, necessariamente, a idéia de supremacia constitucional, pois na existência de um escalonamento normativo, onde é a Constituição a norma-origem, encontra o legislador seu limite, devendo obedecer à forma prevista e ao conteúdo anteposto. Por isso, ato normativo contrário ao texto constitucional será considerado presumidamente constitucional até que por meio de mecanismos previstos constitucionalmente se declare sua inconstitucionalidade e, conseqüentemente, a retirada de sua eficácia, ou executoriedade.[1]

Oswaldo Luiz Palu define o Controle de Constitucionalidade dos atos normativos como:

O ato intelectivo de submeter à verificação de compatibilidade normas de um determinado ordenamento jurídico, inclusive advindas do Poder Constituinte derivado, com os comandos do parâmetro constitucional em vigor, formal e materialmente (forma, procedimento e conteúdo), retirando do sistema jurídico (nulificando ou anulando) aquelas que com ele forem incompatíveis.[2]

Simplifica Paulo Hamilton de Siqueira Junior, ao afirmar que:

Controle de constitucionalidade é o ato pelo qual se verifica a adequação ou compatibilidade de lei ou ato normativo (legislação infraconstitucional) com a Constituição, por intermédio de seus requisitos formais e materiais.[3]

O controle de constitucionalidade foi introduzido no Brasil com a Constituição de 1891, que em seu artigo 35 dispunha: "Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: 1º. Velar na guarda da Constituição e das leis, e providenciar sobre as necessidades de caráter federal".

A mesma Constituição, em seu artigo 59, disciplinava a competência do STF.[4]

Atentando para a lição do ilustre Prof. Celso Ribeiro Bastos, verificamos ainda que o sistema foi aperfeiçoado com a Constituição de 1934, que introduziu a possibilidade de suspensão da execução de leis declaradas inconstitucionais; regrediu com a Constituição de 1937, que possibilitou ao Presidente apresentar novamente ao Parlamento uma lei declarada inconstitucional; e chegou a sua plenitude com a Emenda Constitucional n.º 16, de 1965.[5]

O art. 2º da Emenda trazia a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originalmente representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Explica ainda Celso Ribeiro Bastos que:

(...) Agora, qualquer ato normativo, federal ou estadual, é suscetível de contraste constitucional. O julgamento da norma em tese, isto é, desprendida de um caso concreto e, o que é muito importante, sem outra finalidade senão a de preservar o ordenamento jurídico da intromissão de leis com ele inconvenientes, torna-se então possível.[6]

O controle de constitucionalidade pode ser preventivo, quando se verifica antes do ingresso da lei impugnada no ordenamento jurídico ou repressivo, quando verifica-se a inconstitucionalidade após o ingresso da lei no sistema jurídico.

O controle preventivo pode ser efetuado pelo legislativo, que não dará seguimento à votação de leis manifestadamente inconstitucionais, pelo executivo, com o poder de veto, e pelo judiciário, quando o projeto de lei for levado ao seu conhecimento, antes de sua promulgação.

O controle repressivo, por sua vez, é exercido pelo Judiciário, quando assim se manifesta nos processos e também pelo legislativo e executivo, que podem propor nova lei, quando verificarem a inconstitucionalidade de lei em vigor, substituindo-a.

O controle repressivo exercido pelo judiciário, comporta duas espécies: a) difuso, aberto, via de exceção ou defesa e; b) concentrado, fechado, via de ação.

O controle repressivo difuso ocorre no curso de um processo comum e a inconstitucionalidade pode ser declarada por qualquer juiz singular. O efeito da decisão tem eficácia ex tunc apenas entre as partes.

O controle repressivo concentrado é apreciado, em regra, como objeto principal de ação. Trata-se do objeto do presente trabalho, que abordará, apenas, a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O efeito da decisão, aqui, é, em regra, ex tunc, e vale para todos – erga omnes.

1.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

No Brasil, o controle de constitucionalidade por meio de ação direta surgiu com o advento da Constituição de 1946, com a denominada ação interventiva.

A Ação tinha cabimento, então, nas hipóteses previstas para intervenção da União nos Estados-membros. Demais casos de inconstitucionalidade deveriam ser abordados em via de exceção.[7]

A Emenda Constitucional 16, de 1965 ampliou o campo de abrangência da Ação Direta de Inconstitucionalidade, introduzindo, entre as competências do STF, o processar e julgar originariamente representação do Procurador-Geral da República, como visto anteriormente.

A Constituição de 1988 manteve os poderes do STF, mas ampliou o rol de legitimação ativa na Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem a finalidade de excluir do sistema jurídico, lei ou ato normativo contrários à Constituição, vale dizer, inconstitucionais.

È prevista no art. 102, I, a da Constituição Federal. A competência para julgamento é do Supremo Tribunal Federal.

Possui caráter dúplice, já que uma vez julgada improcedente confirmará a constitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado.

Os legitimados para propor a ação, nos termos do artigo 103 da Constituição Federal, combinado com o art. 2º da Lei 9.868/99 (que regula a Ação Direta de Inconstitucionalidade), são:

A) O Presidente da República;

B) A mesa do Senado Federal;

C) A mesa da Câmara dos Deputados;

D) A mesa da Assembléia Legislativa ou a mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

E) O Governador do Estado ou o Governador do Distrito Federal;

F) O Procurador-Geral da República;

G) O Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil;

H) O partido político com representação no Congresso Nacional;

I) Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Os legitimados passivos serão as autoridades ou órgãos responsáveis pela edição do ato impugnado.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade não está sujeita a nenhum prazo prescricional ou decadencial, nos termos da Súmula 360 do Supremo Tribunal Federal, editada na vigência da Constituição de 1946.[8]

A defesa da constitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado será feita pelo Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República atuará como o fiscal da lei – custos legis – opinando e exercendo função fiscalizadora.

O procedimento da Ação está previsto na Lei 9.868/99 e está regulamentado no Regimento Interno do STF.

Em âmbito estadual, a ADIn está prevista nas Constituições Estaduais e regulamentadas pelos regimentos dos Tribunais de Justiça.

Neste caso, ela á cabível contra leis ou atos normativos estaduais ou municipais que atentarem contra as Constituições dos Estados.

No caso de São Paulo, como exemplo, a ADIn estadual está prevista no artigo 90 e parágrafos da Constituição do Estado.[9]

A petição inicial da ADIn deverá indicar o dispositivo impugnado, os fundamentos e o pedido. Um vez proposta, não se admite a desistência. Trata-se do princípio da indisponibilidade.

A ADIn admite a concessão de medida liminar caso a norma apontada inconstitucional possa causar lesão irreparável. Neste caso, uma vez demonstrada a relevância e o periculum in mora, a norma será suspensa com eficácia erga omnes e ex nunc até a decisão final.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade não cabe intervenção de terceiros, contudo, se necessário, o relator poderá admitir a manifestação de órgãos ou entidades relacionados com a causa.

A decisão exige maioria absoluta dos membros do STF ou dos Tribunais Estaduais, se o caso, e os efeitos da decisão serão ex tunc (em regra) e erga omnes – para todos.

Os efeitos temporais da decisão serão mais detidamente analisados no decorrer deste trabalho.

Questão importante é se o Supremo Tribunal Federal ou os Tribunais Estaduais podem excluir apenas uma parte do texto legal impugnado.

O próprio STF já se manifestou no sentido de que não se pode "declarar inconstitucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugnada"[10], já que, assim, estariam invadindo a função constitucional do legislador.

Caso não haja a alteração de sentido e alcance das normas, entendemos, portanto, que poderá o STF declarar a inconstitucionalidade de apenas parte da lei ou ato normativo impugnado.

Além disso, o Supremo pode decidir a questão da inconstitucionalidade com base em fundamentos diversos daqueles expostos pelas partes, pois atua pelo sistema de cognição aberta.

2 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

2.1 HISTÓRICO E DIREITO COMPARADO

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no tempo há muito vêm gerando acaloradas discussões entre os estudiosos de direito.

Rui Barbosa, calcado na doutrina americana, aderira ao entendimento de que "toda medida legislativa, ou executiva, que desrespeitar preceitos constitucionais é, de sua essência, nula".[11]

E, sendo nula, seus efeitos deveriam retroagir até a data do ato inconstitucional, ex tunc, portanto.

Esta posição clássica foi defendida pela maioria dos juristas brasileiros e também pelo STF ao longo da história, salvo raros entendimentos contrários.[12]

A maioria dos países também coadunou com a tese americana "null and void", estabelecida por Marshall. É o caso, por exemplo, da Alemanha, onde a lei do Tribunal Constitucional alemão, em seu artigo 78 determina que a declaração de inconstitucionalidade de lei implica na nulidade da mesma, tendo a decisão efeito ex tunc[13], ou da Itália, onde, na lição de Mauro Cappelleti, o fato da inconstitucionalidade é causa de nulidade e, por conseguinte, de ineficácia ipso jure das leis.[14]

Posição ainda mais radical foi a de Francisco Campos, ao expor que a lei inconstitucional não é nula e sim inexistente.[15]

Por outro lado, Hans Kelsen e significativa parcela da doutrina brasileira[16] adotaram uma corrente contrária, ao alegarem que a lei inconstitucional não é nula, nem inexistente, e sim anulável.

Para Hans Kelsen,

A lei é válida até o momento da declaração de inconstitucionalidade e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do direito. Uma tal lei pode permanecer em vigor e ser aplicada durante muitos anos antes que seja anulada pelo tribunal competente (...). Isto significa, porém, que os preceitos constitucionais relativos à anulação das leis que não correspondam às determinações da Constituição que diretamente regulam a legiferação têm o sentido de que também essas leis devem valer na medida e pelo tempo em que não forem anuladas pela forma constitucionalmente prevista.[17]

Tal doutrina foi adotada sem reservas no Direito Austríaco, onde a decisão da Alta Corte Constitucional, quando declara a inconstitucionalidade, faz com que a norma objeto da ação perca a sua eficácia, operando efeitos ex nunc ou pro futuro.

A Constituição da Espanha parece também seguir este preceito, com reservas. Em seu artigo 161, I, "a", temos que a declaração de inconstitucionalidade não afetará o valor de coisa julgada das sentenças judiciais editadas com base na lei inconstitucional (exceção feita apenas à lei penal, para beneficiar o réu – art. 25, I da Constituição Espanhola).

No Brasil, nenhuma Constituição expressamente abordou o tema. Somente em 1999, com o advento da Lei 9868/99, que trataremos com maior profundidade adiante, é que se pacificou o entendimento de que a lei declarada inconstitucional é nula, possuindo efeitos ex tunc.

A única possibilidade de exceção, prevendo a irretroatividade da decisão foi prevista no artigo 27 da mencionada lei, que conferiu poderes ao tribunal decidir qual o efeito temporal será aplicado na sua decisão, sendo o efeito "ex tunc" a regra e o efeito "ex nunc" a exceção.

2.2 CONCEITO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Inconstitucionalidade, no dizer de Deocleciano Torrieri Guimarães[18] é a "qualidade de todo ato que contraria a Constituição Federal".

A inconstitucionalidade da lei pode ser aferida de diversas formas. No entanto, não é objeto do presente trabalho adentrarmos em todas as miudezas do vasto campo do controle de constitucionalidade, que já foi analisado, de forma sucinta anteriormente.

Desta forma, para não fugirmos do tema proposto, iremos nos ater ao controle abstrato, previsto nos artigos 25 a 27 da Lei 9.868/99.

Segundo tal controle, cabe ao Judiciário e, mais especificamente ao STF, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn).

A decisão do STF gera efeitos ipso jure, ex tunc (ou ex nunc, se o caso[19]) e erga omnes.

Uma vez julgada a ação, far-se-á a comunicação da decisão ao Senado Federal, a quem cumpre, privativamente, suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional.

Questão que se levanta é se o Senado, formalmente comunicado da decisão do STF, pode deixar de suspender a execução da lei declarada inconstitucional.

Ao nosso ver a resposta é sim. Trata-se de inteira responsabilidade do órgão legislativo, até porque deve ser respeitado, na presente situação, o princípio da independência dos poderes (art. 2º da Constituição Federal).

Tal questão, no entanto, pouco representa na prática, uma vez que, como já dito, a decisão do STF, por si só, gera efeitos, independentemente da suspensão da lei pelo Senado Federal.

Toda lei é presumidamente constitucional. Isto porque, antes de entrar em vigor, passa por todo um processo de validade adotado pelo Legislativo com base na Constituição. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar um pedido de inconstitucionalidade de lei, deve se basear em uma interpretação conforme a Constituição.

O Ministro Moreira Alves, já em 1987 alertava que:

A interpretação da norma sujeita a controle deve partir de uma hipótese de trabalho, a chamada presunção de constitucionalidade, da qual se extrai que, entre dois entendimentos possíveis do preceito impugnado, deve prevalecer o que seja conforme a Constituição.[20]

Tal análise conforme a Constituição deve ser efetuada pelo Supremo Tribunal considerando que, qualquer possibilidade de interpretação constitucional da norma excluirá a inconstitucionalidade.

Neste sentido, decisões abstraídas do ensaio de Virgilio Afonso da Silva[21], no direito suíço[22], no direito alemão[23] e no direito americano[24].

Também no direito pátrio, conforme lição do Prof. Paulo Bonavides:

Uma norma pode admitir várias interpretações. Destas, algumas conduzem ao reconhecimento da inconstitucionalidade, outras, porém, consentem tomá-la por compatível com a Constituição. O intérprete, adotando o método ora proposto (a interpretação conforme a Constituição), há de inclinar-se por esta última saída ou via de solução. A norma, interpretada 'conforme a Constituição', será, portanto considerada constitucional.[25]

2.3 EFEITO EX TUNC

O efeito ex tunc da declaração de inconstitucionalidade é aquele que retroage até a elaboração da lei (ou parte de lei) inconstitucional, tornando-a nula ab initio, ou seja, desde a sua promulgação.

É o efeito adotado em todos os países que coadunam com a doutrina americana do "null and void".

Segundo Olavo Alves Ferreira, "é o efeito próprio das decisões declaratórias, que reconhecem atos nulos".[26]

Lecionam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, que a regra geral é que as sentenças declaratórias e condenatórias produzem efeitos ex tunc.[27]

Clèmerson Merlin Clève, por sua vez, esclarece que "a sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade, fere-a ab initio".[28]

E, com firme entendimento por esta corrente andou o constituinte brasileiro, que em outras oportunidades utiliza-se da expressão "declarar a inconstitucionalidade".[29]

No entanto, é bom lembrarmos que a Constituição Federal não prevê, expressamente, o caráter declaratório da sentença de inconstitucionalidade, e por decorrência a eficácia ex tunc.

Tal fato, porém, não altera a posição da maioria dos doutrinadores e juristas brasileiros, que apontam a nulidade do ato declarado inconstitucional, do que decorre a aplicação do efeito ex tunc.

Por fim, esta posição foi corroborada no ordenamento pátrio com a Lei 9.868/99 que definitivamente deu o status de regra ao efeito ex tunc na decisão declaratória de inconstitucionalidade.

O efeito ex tunc é assim, novamente trazendo a baila a lição do Prof. Olavo Alves Ferreira,

O único admitido validamente pelo ordenamento pátrio (...), não comporta exceção válida, visto que qualquer exceção afronta o Texto Fundamental, especificamente os princípios da Constituição e da nulidade da lei inconstitucional.[30]

2.4 EFEITO EX NUNC

O efeito ex nunc é aquele que acarreta na irretroatividade da decisão, não regredindo até a promulgação da lei declarada inconstitucional, e sim produzindo efeitos apenas a partir do trânsito em julgado da decisão que a considerou contrária à Constituição.

É o efeito típico das decisões constitutivas, gerando, portanto, a anulabilidade da lei impugnada.

Para Hans Kelsen é o efeito adequado às decisões que versem sobre inconstitucionalidade, já que parte da idéia de que as leis devem ser consideradas como leis constitucionais até serem eliminadas do ordenamento jurídico, através de processo especial.

Esclarece o mestre que:

A afirmação de que uma lei válida é contrária a Constituição (anticonstitucional) é uma contradictio inadjecto, pois uma lei somente pode ser válida com fundamento na Constituição. Quando se tem fundamento para aceitar a validade de uma lei, o fundamento de sua validade tem de residir na Constituição. De uma lei inválida não se pode, porém, afirmar que ela é contrária à Constituição, pois uma lei inválida não é sequer uma lei, porque não é juridicamente existente e, portanto, não é possível acerca dela qualquer afirmação jurídica. Se a afirmação, corrente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é inconstitucional há de ter um sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da letra. O seu significado apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual, quer dizer, por uma outra lei, seguindo o princípio lex posterior derogat priori, mas também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional.[31]

Tal posicionamento foi adotado por atuantes vozes na doutrina brasileira.

É o caso, por exemplo, de Gilmar Ferreira Mendes, para quem "lei inconstitucional não seria, portanto, nula ipse jure, mas apenas anulável. A declaração de inconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo".[32]

O Ministro Leitão de Abreu também adotou tese que defende a natureza constitutiva-negativa das decisões de inconstitucionalidade, mas não conseguiu alterar o posicionamento do STF.[33]

Tal efeito, porém, está previsto no artigo 27 da Lei 9.868/99, e também no art. 11 da Lei 9.882/99.

2.5 EFEITO PRO FUTURO

O efeito pro futuro é aquele que atribui eficácia à decisão declaratória de inconstitucionalidade para momento futuro, a critério do STF, observadas razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social.

Tal efeito foi previsto no artigo 27 da Lei 9.868/99 (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e no artigo 11 da Lei 9.882/99 (Argüição de Preceito Fundamental).

Trata-se, assim como o efeito ex nunc, de exceção a regra do efeito ex tunc, já que o STF somente poderá atribuir o efeito pro futuro por maioria de dois terços do seus membros.

Importante ainda mencionar que tal efeito vem sendo alvo de diversas críticas por parte da doutrina brasileira, já que não limita o lapso temporal que poderá ser admitido para eficácia da decisão.

Com efeito, países como a Áustria, a Eslovênia e a Turquia, por exemplo, expressamente limitam a projeção do efeito para um ano.[34]

Entendemos que o Supremo, apesar de não possuir um prazo definido em lei, deverá adotar um lapso temporal razoável em suas decisões, de não mais de um ano, a fim de resguardar os direitos dos interessados.

2.6 O STF E A LEI 9.868/99

O Supremo Tribunal Federal, mesmo antes do advento da Lei 9.868/99, já vinha adotando, sem reservas, o efeito ex tunc em suas decisões declaratórias de inconstitucionalidade, considerando, assim, leis inconstitucionais como absolutamente nulas.

Tal posição, no entanto, foi adotada por mero entendimento dos membros do tribunal, já que nenhuma Constituição Brasileira havia esclarecido, expressamente, qual o efeito aplicável.

Por isso mesmo, pequena, mas significativa parcela da doutrina brasileira, sustentou (e alguns ainda sustentam) que o efeito correto a se dar à decisão de inconstitucionalidade não era o ex tunc e sim o ex nunc.

A questão, no entanto, parece ter sido resolvida com o advento da Lei 9.868/99, que trata da questão em seu artigo 27.

Segundo o artigo 27:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Perceba que o artigo 27 usa o termo "declarar a inconstitucionalidade", o que torna praticamente insubsistente a posição daqueles que consideram a sentença de inconstitucionalidade como constitutiva-negativa.

O artigo 27 é ainda a exceção à regra. Para fixar a eficácia da sentença com efeito ex nunc ou pro futuro necessariamente precisam estar presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, embora ambas as limitações sejam altamente subjetivas.

Qual seria uma razão, por exemplo, de "excepcional interesse social"?

Fato é que, além de estarem presentes, pelo menos, uma das razões acima, o Supremo Tribunal ainda terá que declarar a inconstitucionalidade pela maioria de dois terços de seus membros.

Dois outros artigos da Lei chamam a atenção e são importantes no que toca aos efeitos da decisão no controle abstrato.

Tratam-se dos artigos 25[35] e 26.[36]

O artigo 25 prevê a comunicação à autoridade ou órgão responsável pela expedição do ato. Trata-se de providência obrigatória, qualquer que seja o resultado do julgamento.[37]

O artigo 26, por sua vez, disciplina a irrecorribilidade da decisão proferida na ADIn e na ADC.

Poucas foram as decisões onde o STF discutiu a possibilidade de agregar outro efeito à decisão de inconstitucionalidade, que não o ex tunc.

Gilmar Ferreira Mendes menciona três casos recentes, sendo que dois deles, tratam de controle incidental de normas.[38]

No primeiro, RE 197.917, a discussão atingia o parágrafo único do artigo 6º da Lei Orgânica n.º 222, do Município de Mira-Estrela / SP, que teria fixado seu número de vereadores em afronta ao art. 29, IV da Constituição Federal.

O voto do relator, Min. Maurício Corrêa, declarava a inconstitucionalidade da lei orgânica, fixando o número de vereadores não superior a nove.

O voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes, entendeu correta a decisão do relator, mas recomendou que se adotasse, na espécie, a inconstitucionalidade com efeito pro futuro.

Ocorre que, como explicado pelo próprio Ministro,

se (a decisão fosse) dotada de efeito retroativo, provocaria enorme instabilidade jurídica, colocando em xeque as decisões tomadas pela Câmara dos Vereadores nos períodos anteriores, com conseqüências não de todo divisáveis no que concerne às leis aprovadas, às decisões de aprovação de contas e outras deliberações da Casa Legislativa. Ademais como a decisão repercute sobre o próprio processo eleitoral, o reconhecimento de efeito retroativo importaria quase no refazimento a posterior desse processo, até mesmo com a redefinição dos eleitos no último pleito. È que a nova fixação do número de vereadores importaria na obtenção de um novo quociente eleitoral e um novo quociente partidário.[39]

O segundo caso, polêmico, envolve uma área importante e que é usada constantemente em exemplos pelos defensores do efeito ex tunc à declaração de inconstitucionalidade. A área processual penal.

É também um caso de mudança de orientação jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal.

Trata-se da Reclamação n.º 2.391, cujo relator é o Min. Marco Aurélio. A inconstitucionalidade foi levantada pelo Min. Cezar Peluzo, que considerou inconstitucionais os artigos 9º da Lei 9.034/95[40] e 3º da Lei 9.613/98[41], em face do artigo 5º, LVII da Constituição Federal.[42]

Daí advir a mudança de orientação jurisprudencial, pois até ali o Supremo Tribunal Federal vinha reconhecendo, sob o regime constitucional em vigor, a legitimidade da exigência de recolhimento à prisão para interposição de recurso.[43]

Baseado nesta mutação de entendimento no Supremo, Gilmar Ferreira Mendes proferiu voto considerando as possíveis repercussões que a declaração de inconstitucionalidade haveria de ter nos campos civil, penal e processual e limitou, com base no artigo 27 da Lei 9.868/99, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ex nunc[44].

O terceiro e último caso que analisaremos é o da decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.022, cujo relator foi o Min. Joaquim Barbosa.

Trata-se de ADIn, ajuizada pelo Procurador-Geral da República Cláudio Fontelles, questionando a assistência judicial aos servidores processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais.

O Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ação com relação ao artigo 45 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul[45], mas declarou inconstitucional expressão contida na alínea "a" do anexo II da Lei Complementar Estadual n.º 10.194, também do Rio Grande do Sul[46], nos termos do voto do Min. Relator, Joaquim Barbosa:

(...) Por último, merece nota a observação da Advocacia-Geral da união acerca dos inconvenientes da declaração de inconstitucionalidade das normas atacadas, com efeito ex tunc.

Efetivamente, em relação aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dessas normas, verifico que a gravidade dos prejuízos eventuais decorrentes da nulidade ex tunc da norma é imprevisível, mas avaliável. Basta notar que, com base nas normas ora impugnadas, já foi efetuada a defesa de servidores estaduais.

Lembrando que converti o rito da presente ação para o art. 12 da Lei 9.868, e considerando essa peculiaridade do caso, entendo que no presente julgamento de mérito é necessário limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das normas, com base no artigo 27 da Lei 9.868.

Com essas considerações, Sr. Presidente, voto pela procedência da presente ação, para declarar a inconstitucionalidade da expressão 'bem como assistir, judicialmente, aos servidores estaduais processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais', contida na alínea a do Anexo II da Lei Complementar n.º 10.194/1994, também do Estado do Rio Grande do Sul.

A tal decisão, prolatada em julgamento no dia 02/08/2004, foi atribuído efeito pro futuro (sua eficácia vigeria apenas a partir de 31 de dezembro do mesmo ano), nos termos da proposta apresentada pelo Min. Gilmar Ferreira Mendes, acompanhada por todos os demais, à exceção dos Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, que foram vencidos.

Tratou-se do primeiro caso, em controle concentrado, a utilizar-se da prerrogativa do artigo 27 da Lei 9.868/99, reconhecendo a decisão com eficácia pro futuro.

3 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

3.1 CONCEITO DE COISA JULGADA

Coisa julgada é, mas uma vez nos socorrendo em Deocleciano Torrieri Guimarães:

A decisão judiciária, definitiva, da qual não cabe mais recurso, sendo irretratável; é tida por verdade; é formal, qualidade da sentença que a torna imutável em razão da preclusão; e material, quando se acrescenta a imutabilidade dos efeitos da decisão prolatada, indiscutível e insuscetível de recurso ordinário ou extraordinário.[47]

Segundo o processualista Julio Fabbrini Mirabete:

Prolatada a sentença e intimadas as partes, se não for interposto recurso no prazo previsto em lei, a decisão torna-se definitiva, inalterável. Interposto recurso e esgotadas as vias para o reexame da sentença, a última manifestação do órgão jurisdicional, conformando ou modificando a decisão do primeiro grau, também se torna imutável a decisão. Surge então o fenômeno da coisa julgada.[48]

A coisa julgada pode ser formal ou material.

Coisa julgada material é aquela que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (art. 467, CPC; art. 6º, parágrafo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC), nem a remessa necessária do art. 475 do Código de Processo Civil.[49]

Se a imutabilidade operar apenas dentro da relação processual em que a decisão foi proferida, fala-se em coisa julgada formal, que torna inalterável a sentença como ato processual.[50]

Serve a coisa julgada, desta forma, para criar a segurança jurídica necessária para todo estado de direito.

O processo não pode continuar para sempre e mesmos os recursos, em algum momento, devem acabar. A decisão final fará assim a coisa julgada, dando a garantia à parte vencedora da lide de seu direito.

A coisa julgada produz efeitos dentro do processo em que foi proferida, vinculando as partes à decisão final transitada em julgado e também impossibilita que rediscussão da matéria já atingida pela coisa julgada.

Ocorre que os conceitos dados acima, atualmente, vêm perdendo o seu valor.

É grande na doutrina e na jurisprudência um movimento permitindo a relativização da coisa julgada.

Tal relativização seria aceitável, para os que defendem a tese, em dois momentos: a) no caso de coisa julgada injusta e b) no caso de coisa julgada inconstitucional.

Para Nelson Nery Junior, em nenhuma das hipóteses seria aceitável o rompimento da coisa jurídica:

Com a devida venia, tratam-se de teses velhas que não contêm nenhuma novidade. O sistema jurídico convive com a sentença injusta (quem será o juiz posterior da sentença que fora impugnável por recurso e, depois de transitada em julgado, fora impugnável por ação rescisória?), bem como a sentença proferida aparentemente contra a Constituição ou a lei (a norma, que é abstrata, deve ceder, sempre à sentença, que regula e dirige uma situação concreta). O risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional no caso concreto parece ser menos grave do que o risco político de instaurar-se a insegurança geral com a relativização (rectius: desconsideração) da coisa julgada (...).[51]

E finaliza de forma dura:

Desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo.[52]

Especialmente no que toca a sentença injusta, reconhece o mestre que a sentença justa é o ideal maior do processo. No entanto, aponta que valor não menos importante é a segurança das relações sociais e jurídicas. Havendo choque entre esses dois valores (justiça da sentença e segurança jurídica), para ele, o sistema constitucional brasileiro já resolveu o problema, optando pelo valor segurança, que deve prevalecer em relação à justiça.

Exemplifica com a ação rescisória, que não é admitida para correção de sentenças injustas.

Com relação a sentença inconstitucional, trataremos em um tópico especial, já que intimamente relacionada está com o tema deste trabalho.

Por outro lado, Carlos Valder do Nascimento, calcado nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, desafia os que são contrários ao entendimento da relativização:

Os que se opõem à marcha evolutiva das regras adjetivas são os mesmos que condenam o atraso da prestação judicial, sem, entretanto, envidar qualquer esforço no sentido de contribuir para a superação dos obstáculos que se antepõem ao direito vindicado. De nada adianta falar em reforma do Judiciário, quando vozes se levantam contra qualquer proposta de modificação pontual dirigida para a remoção dos entraves eternizadores de demandas, ao transformar o processo, não raras vezes, num instrumento de discussões bizantinas.[53]

Voltaremos à discussão adiante, no item 3.3 – A sentença inconstitucional, quando abordaremos de forma mais concisa os fundamentos expostos por ambas as correntes.

Antes, porém, cumpre-nos tecer algumas considerações sobre a segurança jurídica.

3.2 A SEGURANÇA JURÍDICA

A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.[54]

Com efeito, trata-se de garantir ao litigante vencedor da causa, a segurança necessária para fazer valer o seu direito.

Existem, no direito, diversos institutos criados para propiciar a segurança nas relações sociais e jurídicas.

A coisa julgada, tratada no item anterior, é o maior exemplo, junto com o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

Além dela, podemos citar a decadência e a prescrição (direito material), e a preclusão (direito processual).

A segurança jurídica, que alguns chamam de princípio da segurança jurídica[55], está expressamente exposta na Constituição Federal, no art. 5º, XXXVI, que disciplina que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Nelson Nery Júnior, afirma ainda que sua proteção não está apenas no artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal, mas principalmente na norma que descreve os fundamentos da República (art. 1º da CF).[56]

E, como tal, para o citado jurista, são cláusulas pétreas em nosso sistema constitucional, que não podem ser modificadas ou abolidas nem por emenda constitucional. Por conseqüência, não podem ser abolidas por lei ordinária ou por decisão judicial posterior.

Desta forma, mesmo a declaração de inconstitucionalidade de lei em que se baseou a coisa julgada não seria forte o suficiente para abalar a segurança das relações jurídicas.

Entendimento contrário é o de Carlos Valder do Nascimento, para quem é inadmissível a segurança servir de pano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável e absoluta, já que, o direito constitucional abrange valores maiores, que servem para viabilizar o equilíbrio social.

Finaliza o autor:

Transparece dissonante, nessa perspectiva, invocar-se a segurança jurídica para acolher a tese de que a coisa julgada faz do preto branco, ao se querer impingir-lhe o caráter de absolutividade de que não é revestida. Os princípios da moralidade, da justiça e da equidade devem ser realçados como apanágio de uma sociedade civilizada, de modo a revelar seu degrau de superioridade em confronto com os demais que povoam o universo jurídico.[57]

Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, em estudo sobre o tema, também se posicionam neste sentido:

Curioso e oportuno é observar-se que o valor segurança vem dando lugar, de modo suave e paulatinamente, aos valores justiça e efetividade. Um primeiro sintoma deste fenômeno pode ser identificado na criação do instituto do julgamento antecipado da lide, pelo legislador de 1973. Recentemente, observam-se tendências ao afastamento da regra pacta sunt servanda, tanto no plano da jurisprudência, quanto no do direito positivo e uma maior freqüência de decisões em que se aplica a casos concretos a teoria da imprevisão. (...) Nesse contexto de tendências, que revelam certa dose significativa de inconformismo social, que acaba por se refletir no direito e, evidentemente, no processo, é perfeitamente compreensível que não se aceite tranqüilamente ser a coisa julgada capaz de fazer do branco, preto; do quadrado, redondo.[58]

Já Leonardo de Faria Beraldo, chega a questionar o próprio valor constitucional da segurança jurídica, ao afirmar que:

A proteção da segurança jurídica é apenas com relação à vedação e uma lei posterior não poder retroagir e modificar o julgado. Tudo o mais no instituto é matéria objeto de lei ordinária, qual seja, o Código de Processo Civil, dentre algumas outras. A decadência do direito de atacar a coisa julgada é regra infraconstitucional; não pode sobrepor-se à própria ordem constitucional, na qual todos os direitos se fundam.[59]

O direito brasileiro, não obstante o firme posicionamento defendido por Nelson Nery Júnior, possui em seu ordenamento algumas situações de abrandamento da coisa julgada e do direito adquirido. Tratam-se das ações rescisórias, dos embargos do devedor e da revisão criminal.

Analisaremos detidamente cada uma dessas ações no próximo item, quando aí poderemos verificar a incidência delas na segurança jurídica.

3.3 A SENTENÇA INCONSTITUCIONAL

Debate atual e interessante é acerca da intangibilidade da coisa julgada, do qual tratamos anteriormente.

Como vimos, uma parte da doutrina é contrária a qualquer desconsideração da coisa julgada, seja ela injusta ou inconstitucional. Outros entendem que em ambos os casos seria permitida a desconsideração.

A lei, no entanto, privilegiou aqueles que entendem que a desconsideração pode ocorrer, somente, em caso de sentença baseada em lei que posteriormente vir a ser considerada inconstitucional.

É o que diz o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, introduzido pela Medida Provisória 2.102, de 27.12.2000) que permitiu os embargos à execução sobre sentença fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional.

Dispõe o mencionado artigo:

Art. 741. Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:

(...)

II – inexigibilidade do título;

(...)

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

A sentença inconstitucional, em conceito simples, é, aquela que contraria a Constituição Federal.

O que nos interessa, no entanto, é o conceito da sentença inconstitucional posterior; que é a decisão tomada com base em lei ou ato normativo que, posteriormente, seja declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Estaríamos, diante de uma sentença desta espécie, com um vício passível de rescindibilidade?

Já percebemos que para parte da doutrina, exemplificada na lição de Nelson Nery Junior, a resposta seria não.

No entanto, a questão está intimamente ligada com os efeitos temporais atribuídos a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade ou da Ação Declaratória de Constitucionalidade, que, como vimos, possuem caráter dúplice.

No STF sempre prevaleceu a idéia da declaração de inconstitucionalidade com efeitos temporais ex tunc, ou seja, retroativos. Esta idéia foi consolidada com a Lei 9.868/99, que a fixou como regra.

Neste caso, temos que a lei ou ato normativo impugnado inconstitucional nunca tenha integrado o sistema jurídico, visto que não adequado à Constituição Federal.

Assim, parece-nos que a sentença baseada nesta lei ou ato normativo seria, sim, rescindível.

O pleno do STJ já decidiu neste sentido, ao afirmar que "lei inconstitucional não produz efeito, nem gera direito, desde o seu início (...) assim sendo, perfeitamente comportável é a ação rescisória".[60]

Caso diverso seria o da lei ou ato normativo inconstitucionais, no qual fosse aplicado efeito ex nunc.

Aqui, a lei ou o ato normativo são anuláveis e não nulos. Anulável quer dizer que foi válido até o momento de sua anulação, e, portanto, sentenças baseadas na lei enquanto válida não seriam passíveis de rescindibilidade.

Na mesma linha de pensamento, no caso de decisão de inconstitucionalidade que aplique efeitos pro futuro.

Quais seriam, então, as armas processuais para desfazimento da coisa julgada em sentença inconstitucional? Ou ainda: a simples declaração de inconstitucionalidade já seria, por si só, suficiente para a anulação de todas as sentenças baseadas na lei inconstitucional?

Ao nosso ver, a primeira pergunta seria respondida com os embargos à execução (cujo artigo foi descrito acima), a ação rescisória e a revisão criminal.

Já a questão da anulação por si só, sem o reconhecimento do judiciário, geraria demais incertezas e insegurança não passíveis de aceitação em um Estado democrático de direito.

No entanto, há em matéria processual, um problema ainda não resolvido pela legislação nacional. A ação rescisória tem um prazo legal de 2 (dois) anos[61] para ser exercida, diferentemente da revisão criminal, por exemplo, que não está sujeita a nenhum prazo[62].

Os próprios embargos à execução, expostos acima, podem não ser mais cabíveis caso a ação já tenha sido executada antes da declaração de inconstitucionalidade da lei que a fundou.

Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina se posicionam a respeito:

Segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em lei que não é lei. Portanto, em nosso entender, a parte interessada deveria, sem necessidade de se submeter ao prazo do artigo 495 do CPC, intentar ação de natureza declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica a sua situação. O interesse de agir, em casos como esse, nasceria, não da necessidade, mas da utilidade da obtenção de uma decisão nesse sentido, que tornaria indiscutível o assunto, sobre o qual passaria a pesar autoridade de coisa julgada. O fundamento para a ação declaratória de inexistência seria a ausência de uma das condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido. Para nós, a possibilidade de impugnação das sentenças de mérito proferidas apesar de ausentes as condições da ação não fica adstrita ao prazo do art. 495 do CPC.[63]

Em matéria penal, embora a revisão criminal não tenha prazo, podendo ser ajuizada em qualquer momento durante o cumprimento da pena do criminoso, entendemos que a ação poderia ser recebida com base no artigo 621, I, 1ª parte, que admite a revisão no caso da sentença condenatória ser contrária ao texto expresso da lei.

Perceba que se a lei foi considerada inconstitucional e recebeu efeitos ex tunc, trata-se, a sentença penal, de contrariedade ao texto expresso da lei.

No caso penal, apesar de claro, é importante salientarmos que mesmo a declaração de inconstitucionalidade recebida com efeito ex nunc ou pro futuro, gerará a possibilidade do ingresso imediato de medida visando a extinção da pena, observados o artigo 66, I da LEP[64] e a Súmula 611 do STF: "Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna".

Por fim, mesmo em caso de pena já cumprida, haveria para o interessado a possibilidade, ao nosso ver, de medida que visasse limpar seu histórico criminal, bem como a possibilidade de ingressar com ação civil de reparação de danos, em face do Estado.

Os casos mais comuns, no entanto, estão envolvidos com matéria tributária.

Aqui também coadunamos com a tese daqueles que entendem que o cidadão que tiver experimentado qualquer tipo de lesão em seu patrimônio pode reclamar do Estado a justa indenização, por meio de ação rescisória, ainda que ultrapassado o prazo do art. 495 do CPC.

O STJ manifestou-se a respeito argüindo que:

A coisa julgada tributária não deve prevalecer para determinar que o contribuinte recolha tributo cuja exigência legal foi tida como inconstitucional pelo Supremo. O prevalecimento dessa decisão acarretará ofensa direta aos princípios da legalidade e da igualdade tributárias. Não é concebível admitir um sistema tributário que obrigue um determinado contribuinte a pagar tributo cuja lei que o criou foi julgada definitivamente inconstitucional, quando os demais contribuintes a tanto não são exigidos, unicamente por força da coisa julgada.[65]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade são e continuarão a ser matéria de calorosos debates na doutrina e na jurisprudência.

O presente trabalho visou contribuir um pouco mais com o tema, estabelecendo a correlação entre os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade com a sentença inconstitucional posterior.

Com a devida vênia aos que pensam de maneira contrária (posições que procuramos expor no corpo de todo o trabalho) e com a própria Lei 9.868/99, concordamos com o que disse Hugo de Brito Machado, em seu trabalho acerca do direito tributário:

Há quem sustente que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade alcançam o passado. Operam-se desde a data em que entrou em vigor a lei declarada inconstitucional. Não nos parece que seja assim. A produção de efeitos gerais para o passado abalaria de forma intolerável a segurança jurídica. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, em tese, projetam-se apenas para o futuro, salvo, é claro, situações específicas, nas quais o próprio Supremo Tribunal Federal poderá determinar que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade se operem desde o início da vigência da lei a que se refira. Em princípio, quem pretender o desfazimento de atos praticados com fundamentos na lei declarada inconstitucional deverá utilizar a via propriamente jurisdicional, promovendo a ação cabível para esse fim.[66]

Desta forma a regra deveria ser a do efeito ex nunc, salvo nos casos excepcionais e que houvesse a própria indicação de que os efeitos seriam ex tunc, sendo esta a hipótese excepcional.

Desconsiderar a coisa julgada, para qualquer efeito, incluindo sentença injusta ou inconstitucional, é ainda mais temerário do que perdermos a segurança da coisa julgada, o que poderia provocar um verdadeiro caos no sistema jurídico nacional.

A segurança jurídica de certo ficaria melhor preservada no caso das declarações de inconstitucionalidade serem recebidas no efeito ex nunc, já que a lei inconstitucional seria apenas anulada e, portanto, todas as decisões anteriores baseadas na lei permaneceriam válidas.

As exceções que entendemos viáveis seriam as de matéria criminal, onde não teria cabimento a declaração de inconstitucionalidade com efeito ex nunc, e as que decidem a paternidade no âmbito cível, embora nosso entendimento, neste caso, é a de que a sentença não faz coisa julgada, podendo ser questionada sempre que surgir um método comprovadamente melhor para a obtenção da certeza jurídica, como foi o caso do exame de DNA.

No entanto, reconheço que minha posição não é a adotada pelo legislador e pela maioria dos juristas atualmente. Como dito anteriormente, é grande o movimento que considera justificável a desconsideração da coisa julgada em detrimento da segurança jurídica.

E os artigos 27 da Lei 9.868/99, 11 da Lei 9.882/99 e 741, parágrafo único do Código de Processo Civil são corretamente citados para demonstrar tal tendência.

Daí, termos que concordar que se a lei ou ato normativo declarados inconstitucionais são recebidos com efeito ex tunc, e, portanto, retroativos, nada mais correto do que desprezar a coisa julgada calcada na lei inconstitucional, nula.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996.

CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. 13ª ed.,São Paulo: Atlas, 1999.

CAMPOS, Francisco Luiz da Silva. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956.

CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando et al. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 22ª ed.,São Paulo: Malheiros, 2006.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997.

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. São Paulo: Método, 2003.

FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998.

___________. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1998.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

___________. Curso de Direito Constitucional. 25ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2000.

JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

__________. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002.

MALLET, Estevão. A jurisprudência sempre deve ser aplicada retroativamente ? In: Revista do Advogado. São Paulo: AASP, n. 86, julho, 2006.

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2001.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: O controle abstrato das normas no Brasil e na Alemanha. 5ª ed.,São Paulo: Saraiva, 2005.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2003.

__________. Execução Penal. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12ªed., São Paulo: Atlas, 2002.

NASCIMENTO, Carlos Valder (coord.). Coisa julgada Inconstitucional. 4ª ed., Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004.

NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8ª ed.,São Paulo: RT, 2004.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de Monografía Jurídica. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001.

PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistema e efeitos. 2ª ed., São Paulo: RT, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

SILVA, Virgilio Afonso da. Interpretação conforme a Constituição. In: Revista Direito GV. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, v. 2, n. 1, jan/jun., 2005.

SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Controle de constitucionalidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.

TAVARES, André Ramos. Tribunal e jurisdição constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 21ª ed.,São Paulo: Malheiros, 2006.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada. In: Revista Síntese de direito civil e processual civil. Porto Alegre: Síntese, v. 5, n. 29, maio/jun., 2004.

VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário: crise, acertos e desacertos. São Paulo: RT, 1995.




[1] DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. p. 15

[2] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade: Conceitos, sistema e efeitos. p. 69

[3] SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Controle de Constitucionalidade. p. 55

[4] Art 59, parágrafo 1º: Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

[5] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. ps. 401-404.

[6] BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. p. 403

[7] SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. op. cit. p. 76

[8] Súmula 360 do STF: Não há prazo de decadência para a apresentação de inconstitucionalidade prevista no artigo 8º, parágrafo único, da Constituição Federal.

[9] Art. 90 da CESP. São partes legítimas para propor a ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, contestados em face desta Constituição ou por omissão de medida necessária para tornar efetiva norma ou princípio desta Constituição, no âmbito de seu interesse:

I – o Governador do Estado e a Mesa da Assembléia Legislativa;

II – o Prefeito e a Mesa da Câmara Municipal;

III – o Procurador Geral de Justiça;

IV – o Conselho da Seção Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil;

V – as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando seu interesse jurídico no caso;

VI – os partidos políticos com representação na Assembléia Legislativa, ou, em se tratando de leis ou atos normativos municipais, na respectiva Câmara.

Parágrafo 1º. O Procurador –Geral de Justiça será sempre ouvido nas ações diretas de inconstitucionalidade.

Parágrafo 2º. Quando o Tribunal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Procurador-Geral do Estado, a quem caberá defender, no que couber, o ato ou o texto impugnado.

Parágrafo 3º. Declarada a inconstitucionalidade, a decisão será comunicada à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal interessada, para a suspensão da execução, no todo ou em parte, da lei ou ato normativo.

Parágrafo 4º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.

Parágrafo 5º. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou de seu órgão especial poderá o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, como objeto de ação direta.

Parágrafo 6º. Nas declarações inicias, a decisão dos Tribunais dar-se-á pelo órgão jurisdicional colegiado competente para exame da matéria.

[10] RTJ, 159/111

[11] BARBOSA, Ruy. Os actos inconstitucionais do congresso e do executivo. p. 47, apud Velozo, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade.

[12] Min. Leitão de Abreu, no RE 79.343-BA (RTJ 82/791 e ss.), repetido no RE 93.356-MT: "... notórias são as circunstâncias que levaram, na época contemporânea, tomada a expressão em sentido largo, os países chamados de constituições rígidas ao estabelecimento da competência judiciária para decretar, primeiro incidenter e, agora, também em tese, a nulidade da lei contrária à Constituição. A questão primordial que a jurisprudência teve de resolver, questão de caráter mais político que jurídico, consistiu em conciliar o princípio da separação de poderes com a declaração pelo Poder Judiciário da invalidade de ato para cuja criação a ordem constitucional outorgava competência exclusiva e, por assim, dizer, soberana a outro poder, isto é, ao legislativo. A técnica jurídica contornou a dificuldade com o argumento de que o Judiciário não anula ou revoga a lei, quando esta se ache em conflito com a Constituição, porém se limita a declarar, em concreto, o direito das partes tal como se a lei dita inconstitucional não se aplicasse. Essa inteligência logrou acolhimento, convertendo-se em dogma do direito constitucional, não obstante conflitar, ao menos parcialmente, com a realidade, pois é sabido que uma lei, na ordem prática, se torna letra morta se adquirida, pelos destinatários de suas normas, a certeza de que os tribunais, chamados a pronunciar-se sobre a sua validade, se recusam a aplicá-las. Embora prestando reverência a essa regra hermenêutica, a Constituição de 1934, seguida de de 1946 e Cartas Políticas subseqüentes, incumbiu, realisticamente, ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Esse princípio, de inteira pertinência à declaração de inconstitucionalidade incidenter, esvazia-se de sentido naquilo que entende como a declaração de inconstitucionalidade da lei em tese, lei que, pelo próprio caráter da declaração de sua invalidade, se torna inaplicável erga omnes. Coincidentes as opiniões quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, efeitos distintos conforme se tratar de declaração de invalidade incidenter ou declaração de nulidade em tese, a questão segunda, que se apresenta, tocante à nulidade ou anulabilidade da lei, isto é, da sua nulidade ab initio, ou a partir do ato declaratório, não recolhe, quanto ao deslinde total, consenso dos tribunais e de parte da doutrina. O Corpus Juris Secundum, reportando-se ao direito norte-americano, assim compendia a diretriz aí dominante: 'Em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer tempo, e sua invalidade debe ser reconhecida e proclamada para todos os efeitos ou quanto a qualquer estado de fato. Não é a lei ou não é uma lei; é algo nulo, não se reveste de força, não possui efeito e é totalmente inoperante. Falando de modo geral, a decisão pelo tribunal competente de que uma lei é inconstitucional tem por efeito tornar essa lei nula; o ato legislativo do ponto de vista jurídico é tão inoperante como se não tivesse emanado ou como se sua promulgação não houvesse ocorrido (...). Por outro lado' – prossegue – 'tem sido sustentado que essa regra geral não é universalmente verdadeira; que existem muitas exceções ou que certas exceções têm sido reconhecidas a esse respeito; que essa teoria é temperada por diversas outras considerações; que uma visão realista vem corroendo essa doutrina; que as asserções tão amplas devem ser recebidas com reservas e que mesmo a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. Tem se sustentado, por isso: que a lei inconstitucional não é nula, mas anulável, ou que é inexecutável em vez de nula ou nula em sentido de que é inexecutável, porém não no sentido de que é abolida ou anulada (...). Hans Kelsen, enfrentando o problema na sua General theory of law and state, inclina-se pela opinião da anulabilidade, não nulidade (...)'. Acertado se me afigura, também, o entendimento de que se não deve ter como nulo ab initio o ato legislativo que entrou no mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obediência dos destinatários de seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade (...)" (RTJ 97/1.369 e ss).

[13] VELOZO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade.

[14] VELOZO, Zeno. op. cit.

[15] CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. p. 430.

[16] Oswaldo Luiz Palu, Gilmar Ferreira Mendes, Pontes de Miranda entre outros.

[17] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.p. 303-304

[18] GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. p. 360

[19] Art. 27 da Lei 9.868/99

[20] Resp. 1417. Min. Moreira Alves, 1987.

[21] SILVA, Virgilio Afonso da. Interpretação conforme a Constituição. In: Revista Direito GV. v. 2. n.º 1, pg. 193 e ss.

[22] "No controle abstrato de constitucionalidade, a Corte Federal somente deve declarar a nulidade de uma disposição de direito cantonal se ela não se prestar a nenhuma interpretação conforme a Constituição". BGE , 109 Ia, 273 (tradução livre).

[23] "Uma lei não deve ser delcarada nula se for possível interpretá-la de forma compatível com a Constituição, pois deve-se pressupor não somente que uma lei seja compatível com a Constituição, mas também que essa presunção expressa o princípio segundo o qual, em caso de dúvida, deve ser feita uma interpretação conforme a Constituição". BverfGE 2, 266 (282) – tradução livre.

[24] "Se a lei é razoavelmente suscetível de duas interpretações, sendo que, segundo uma delas, seria a lei considerada inconstitucional e, segundo a outra, válida, é o dever da Corte adotar aquela construção que salve a lei da inconstitucionalidade". Boyton v. State, So. 2D 536, 546 (1953) – tradução livre.

[25] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 268.

[26] FERREIRA, Olavo Alves. Controle de Constitucionalidade e seus efeitos. p. 70

[27] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. ps. 322-324

[28] CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. p. 245.

[29] Ver Lei 9.868/99, art. 27.

[30] FERREIRA, Olavo Alves. op. cit. p. 75

[31] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 300

[32] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional.

[33] STF, Recursos Extraordinários n.º 79.343-BA e n.º 93.356-MT.

[34] Art. 140.5 da Constituição austríaca; Art. 161.1 da Constituição eslovena e; Arts. 153.3 e 4 da Constituição turca.

[35] Art. 25: Julgada a ação, far-se-á a comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato.

[36] Art. 26: A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos de declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

[37] MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade. p. 313

[38] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. p.400.

[39] MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit. ps. 401-402

[40] Art. 9º: O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta lei.

[41] Art. 3º: Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

[42] Art. 5º, LVII: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

[43] HC 70.634, HC 80.412, HC 72.603, entre outros.

[44] "Com essas considerações, também eu, Senhor Presidente, declaro a inconstitucionalidade do artigo 9º da Lei 9.034, de 03 de maio de 1995, e fixo a interpretação conforme à Constituição do disposto no artigo 3º da Lei n.º 9.613, de 03 de março de 1998, para se interpretar que o juiz decidirá fundamentadamente, se o réu poderá apelar ou não em liberdade, no sentido de verificar se estão presentes ou não os requisitos da prisão cautelar. Faço isso, com efeito ex nunc, nos termos do artigo 27 da Lei n.º 9.868/99, que entendo aplicável à espécie".

[45] Art. 45: O servidor público processado, civil ou criminalmente, em razão de ato praticado no exercício regular de suas funções terá direito a assistência judiciária pelo Estado.

[46] Anexo II – Categoria: Defensor Público – Classes: inicial, intermediária, final e especial. A) Descrição sintética: Prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, na forma da lei, bem como assistir, judicialmente, aos servidores estaduais processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais (...) – grifo nosso.

[47] GUIMÃRAES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. P. 175

[48] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. p. 500

[49] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. p. 38

[50] MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit. p. 501.

[51] NERY JUNIOR, Nelson. op. cit. p. 45

[52] NERY JUNIOR, Nelson. op. cit. p. 47

[53] NASCIMENTO, Carlos Valder (coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. p. 1

[54] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 412

[55] NASCIMENTO, Carlos Valder do. op. cit. p. 10

[56] NERY JUNIOR, Nelson. op. cit. p. 49

[57] NASCIMENTO, Carlos Valder. op. cit. p. 10

[58] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. p.12

[59] BERALDO, Leonardo de Faria. A relativização da coisa julgada que viola a Constituição. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. p. 171

[60] RE 89.108-60 – rel. Min. Cunha Peixoto – 28.08.1980. RTJ 101/209.

[61] Art. 495 do CPC. O direito de propor ação rescisória se extingue em dois (2) anos contados do trânsito em julgado da decisão.

[62] Art. 622 do CPP. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após.

[63] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit. p. 43.

[64] Art. 66 da LEP. Compete ao juiz da execução: I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquwr modo favoreça o condenado; (...).

[65] Resp n.º 194.276 / RS – rel. Min. José Augusto Delgado. 09.02.99, DJU 29.03.99, p. 111.

[66] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. p. 413


Autor: Rafael Augusto Gobis


Artigos Relacionados


Locação De Imóveis E O Direito Constitucional

O Chão

A Inadimplência E A Suspensão Do Fornecimento De Energia Elétrica

RelativizaÇÃo Da Coisa Julgada Inconstitucional

A Posição De Parte No Processo Penal - Parte (no Sentido) Formal E Parte (no Sentido) Material - Qual é A Posição Do Ministério Público?

Efetivo ExercÍcio No ServiÇo PÚblico Como CondiÇÃo Para Aposentadoria VoluntÁria

A Tendência De Abstrativização Do Controle Concreto De Constitucionalidade, Tal Como Os Âmbitos Em Que A Mesma Se Manifesta.