O Poder Normativo Das Agências Reguladoras



1 Introdução

            O desmoronamento do Estado do Bem Estar Social e a conseqüente  ascensão  do Estado Regulador, criou a necessidade de alterações na Administração Pública para que a mesma continuasse capaz de manter as condições de vida social, imprescindíveis à consecução de interesses coletivos e individuais.  À luz destas alterações, foram concebidos entes destinados a gerenciar setores que poderiam causar problemas sociais, preservando-se a competição e fiscalizando a prestação de serviços públicos, que a partir de agora, passam a ser delegados aos particulares.

            Neste intuito, ao menos teoricamente, foram concebidos organismos estatais incumbidos de direcionar setores, cujo regular funcionamento assegurasse uma razoável estabilidade social. Surgiram, então, as agências reguladoras com a tarefa de “ordenar setores básicos da infraestrutura econômica” (SUNDFELD, 2000, p. 19). Tem-se, desde logo, como primeiro motivo de sua criação o zelo pelo interesse público, relacionado principalmente com as atividades econômicas.

            No Estado Brasileiro, isto é facilmente perceptível, principalmente a partir do processo de privatização e desestatização desencadeados no início da década de 90. Muitas atividades, antes concentradas no domínio estatal, foram devolvidas à iniciativa privada.  Mas para não deixar tais atividades apenas sob a regulação do próprio mercado, são postas em ação as agências reguladoras, viabilizando-se, desta forma, a intervenção estatal nas atividades econômicas.

Entretanto, não se pode tomar a idéia de privatização como sinônimo de regulação, nem de diminuição do intervencionismo estatal. A regulação sempre existiu, e no Brasil era feita, até o surgimento das agências, diretamente pelos órgãos da Administração  incumbidos da prestação do serviço público ou por aqueles responsáveis pelos monopólios públicos, como por exemplo na área de telefonia, a TELEBRÁS. Tal modelo, na opinião de Floriano Azevedo Marques Neto (in: SUNDFELD, 2000, p.77), se pautava muito mais pelos interesses do ente estatal do que pelas partes reguladas. O mesmo autor cita como exemplo disto, o alto valor cobrado dos cidadãos para obter uma linha telefônica, antes da privatização, quando o usuário era obrigado a pagar uma estratosférica taxa para obter o serviço e ainda esperar anos para sua concretização. Após o processo desestatizante, o que ocorreu na verdade, foi uma separação entre quem provia o serviço e quem o regulava, juntamente com uma maior regulação de setores privados, como no caso da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, que foi primeiramente instituída para supervisionar a atividade privada dos planos de saúde.

            Paralelamente a este acontecimento, deve-se ter em mente, a globalização, que acirrou a disputa entre os Estados por investimentos externos, os quais, por sua vez, exigem um ambiente seguro e longe de interferências políticas. Destarte, as agências também foram criadas com objetivo de dar estabilidade e credibilidade ao cenário econômico, isto é, elas afastaram as decisões de cunho meramente político de setores que atraem grandes investimentos, permitindo um maior retorno dos grandes capitais aplicados.

            Desta feita, as primeiras agências criadas no Brasil tiveram, por um lado, forte relação com a retração do Estado no âmbito econômico e por outro, a idéia de que o Poder Público não poderia deixar ao mercado a missão de regular atividades consideradas de interesse público, levando o Estado, ao mesmo tempo que diminuía sua participação direta na economia, a aumentar fortemente a regulação desta. No entanto, procurou-se distanciar tais entes da atividade política, sujeita a grandes oscilações, e dotá-los de uma certa autonomia em relação Poder Executivo, caracterizada principalmente pela nomeação de seus dirigentes por mandato pré-fixado, sendo que, na sua vigência é terminantemente proibida a exoneração "ad nutum". Enfim,

a existência de agências reguladoras resulta da necessidade de o Estado influir na organização das relações econômicas de modo muito constante e profundo, com o emprego de instrumentos  de autoridade, e do desejo de conferir, às autoridades incumbidas dessa intervenção, boa dose de autonomia frente a estrutura tradicional do poder político (SUNDFELD, 2000, p. 18)

 

            No presente trabalho, proceder-se-á a análise deste novo ente administrativo, seu poder normativo. Mas antes de adentrar esta seara, será feita uma breve assertiva sobre as agências reguladoras norte-americanas, em cujo modelo se inspirou o legislador pátrio.

 

2  Agências Reguladoras Norte-Americanas       

            Nos Estados Unidos da América, diferentemente dos países de tradição romano-germânica, as atividades econômicas não eram titularizadas pelo Estado, permanecendo sempre no domínio privado. Com o tempo, surgiu uma necessidade de regular as atividades que apresentavam relevante interesse coletivo, as denominadas “business affected with a public interest”. Gradativamente, a cada uma destas atividades foi sendo imposto um regime de regulação, na grande maioria das vezes, efetivado por meio da criação de agências setorizadas. Desta forma, a noção de Direito Administrativo, restou fortemente ligada ao conceito de agências administrativas. Para a doutrina estadunidense, o Direito Administrativo  é

"o conjunto de normas e princípios que definem os poderes e a estrutura das agências administrativas, especificam as formalidades procedimentais a serem adotadas por elas, determinam a validade das decisões por elas proferidas e fixam o papel a ser desempenhado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no controle da atuação das agências" (CUÉLLAR, 2002, p. 03).  

 

Desta forma, pode se dizer que o Direito Administrativo norte-americano preocupa-se com a criação, funcionamento e controle das agências, e também com o crescimento de suas funções quase legislativa e quase jurisdicional, em vista da delegação de poderes pelo Legislativo, como será visto mais adiante. Por estas razões o direito administrativo deste país ficou conhecido como “direito das agências”.

            Considera-se agência administrativa o "ente governamental encarregado de administrar e implementar uma determinada legislação, em atendimento ao interesse público nela definido” (CUÉLLAR, 2002, p. 05). Segundo o "Blacks Law Dictionary , "the term agency, includes any department, independent  establishment, commission, administration, authority, board or bureau of the United States has a proprietary interest, unless the context show that such term was intended to be  used in more limited sense" (BLACK, 1968, p. 45). Pode-se inferir de tal observação, que tais entes administrativos podem ter diversas denominações, além de agency, tais como: department, bureau, division, section, comission, board, etc.

            A doutrina daquele país classifica as agências sob dois principais critérios: em relação aos poderes concedidos à elas e em relação as sua independência frente ao Poder Executivo.

            No que tange ao primeiro critério, as agências são classificadas como reguladoras (regulatory agencies) e não reguladoras (non regulatories agencies).

As agências reguladoras exercem os poderes normativos e decisórios que lhes foram impostos pelo Congresso norte-americano, incidindo sobre situações jurídicas dos cidadãos com os quais se relacionam. São entes que estabelecem regras para os setores  econômicos e privados, condicionam os direitos e liberdades dos particulares e têm competência para resolver conflitos intersubjetivos (CUÉLLAR, 2002, p. 07).

 

 Já as agências não-reguladoras

desempenham funções relativas às prestações de serviços de assistência social dos indivíduos (atribuições típicas do Estado do Bem Estar Social), como a proteção dos trabalhadores ou o pagamento de  pensões. Suas atividades se reduzem ao reconhecimento  de benefícios, no intuito de promover o bem estar econômico e social (CUÉLLAR, 2002, p. 07).

 

            Quanto ao segundo critério, tem-se as agências independentes que

possuem uma autonomia estrutural (orgânica) em relação ao Poder Executivo, porque a destinação de diretores por parte do Presidente dos Estados Unidos se condiciona à decisão do Congresso e somente será admissível se concorrerem causas previstas na norma de criação da agência. Embora os diretores das agências independentes sejam indicados pelo Presidente dos Estados Unidos , com a aprovação do Senado, eles somente podem ser destituídos  com justa causa, consistente em ação danosa ou ilegal ou em omissão.[...] As agências independentes também estão  sujeitas a intervenção do Presidente no que se refere à coordenação das políticas públicas, bem como as outras formas de controle por parte dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Dessa maneira o que se estaria buscando com a independência seria evitar interferências externas nas agências (CUÉLLAR, 2002, p. 08).

 

Por fim, agências executivas são aquelas que

normalmente são menos  independentes que as anteriores, por se submeterem a uma supervisão presidencial mais intensa. O chefe do Poder Executivo possui poder absoluto de remoção dos ocupantes de cargos de direção das agências executivas, sem necessidade de aprovação do ato por parte do Congresso (CUÉLLAR, 2002, p. 09).

 

            Serão objeto do presente estudo, as agências administrativas classificadas como reguladoras e independentes, tendo-se em vista que o modelo brasileiro nelas se baseou.

 

 2.1 O Poder Normativo das Agências Reguladoras Norte-Americanas

            A primeira agência reguladora federal norte-americana foi a “Interstate Commerce Commission”, criada em 1887 e posteriormente transformada na “Federal Trade Comission”, em 1914.  A partir de então, a amplitude dos poderes das agências sofreu uma série de modificações.

            Primeiramente, com advento do “New Deal”, na década de 30, as agências tiveram seus poderes, principalmente normativos, aumentados em razão da maior intervenção do Estado no domínio econômico e social, passando a exercer as funções (executiva, normativa e decisória) dos outros três poderes do Estado, devido à necessidade de maior especialização técnica e menor intervenção política nas atividades administrativas.

            Nesta fase, o Poder Judiciário passou a admitir que os poderes das agências eram fruto de uma delegação de poderes por parte do Poder Legislativo, conforme mostra a jurisprudência anglo-americana.

A partir da decisão prolatada no caso United States v. Curtiss-Wright Export Co., de 1936, os tribunais opinaram a em favor da delegação de poderes por parte do Congresso norte-americano, desde que este fixasse “standards” com significado determinável (meaningful standards) para guiar administradores. Trata-se da teoria denominada  de “intelligible principle” (CUÉLLAR, 2002, p. 14).

 

            Entretanto, superado este período, a liberdade das agências foi restringida por meio da imposição de requisitos procedimentais, que buscavam lhes conferir maior legitimidade. Em 1946, foi promulgado o “Admistrative Procedure Act”[1] (APA), cujo conteúdo principal era estabelecer determinadas formalidades para  as atividades das agências.

Mesmo assim, as agências reguladoras americanas continuaram independentes em relação ao Poder Executivo, não estando submetidas à controle hierárquico. À elas é permitido a elaboração de determinadas regras jurídicas (regulamentos) e sua respectiva aplicação aos casos concretos, e ainda possuem a autonomia para fiscalizar, punir e decidir conflitos. Enfim, possuem amplos poderes para emitir normas e decidir litígios, conhecidos como poderes “quase legislativo” e “quase judicial”.

            Estas prerrogativas advém da delegação de poderes feita às agências pelo Congresso, os quais somente são aceitas nos termos em que são concedidas aos entes reguladores, ou seja, sempre que o Congresso determine o alcance e o tamanho do poder que esta transferindo. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, p. 134),

a função reguladora das agências norte-americanas só pode ser exercida se expressamente delegada pelo Poder Legislativo. No exercício dessa função, a agência não se limita a exercer o poder regulamentar, tal como entendido no direito brasileiro, no sentido de baixar normas para a fiel execução da lei; nos Estados Unidos, as leis se limitam a estabelecer parâmetros, princípios conceitos indeterminados, standards, ficando para as agências a função de baixar normas reguladoras, observados os parâmetros genéricos contidos em lei.

 

            Baseado nestes poderes e orientada pelos procedimentos impostos pelo APA, é permitido às agências emitir regulamentos (“rules”), os quais podem ser normas destinadas a organizar internamente a própria agência ou a implementar políticas publicas que lhe foram impostas pela lei.

            Posteriormente, as agências, entre as décadas de 60 e 80, se confrontaram com o problema da “captura”, que consistia na pressão e influência de fortes grupos econômicos sobre as decisões das agências, que por estarem distantes do poder político, permitiam que tais grupos determinassem o conteúdo da regulação, prejudicando os consumidores. Hodiernamente, foram implantados controles externos para garantir realmente a independência das agências, frente ao poder econômico, como por exemplo, o “Congressional Review Act”, promulgado em 1996, através do qual o Congresso pode rever e desaprovar todas as  regras emanadas das agências federais, e também a observação a determinados princípios, como os da informação (publicidade) e o da participação.  No entanto, as agências norte-americanas ainda gozam de um amplo grau de autonomia e independência em relação aos demais poderes estatais.

            Inicialmente, o APA criou dois tipos de procedimento: o “rulemaking”, referente a normas gerais emitidas pela agência (maior atividade normativa), e o “adjudication”, relacionado aos atos individuais, ambos sujeitos ao controle judicial. Em 1990 foi promulgado um terceiro tipo procedimental, o “Negotiated Rulemaking Act”, o qual possibilitou aos atingidos pela regulação, o direito de participar da elaboração do procedimento regulatório. Este procedimento teve por escopo tornar o processo regulatório menos rígido e impositivo, ou seja, evitando-se a tutela hierárquica do Estado, o que Maria Sylvia Di Pietro (1999, p. 139) denomina de “privatização da intervenção administrativa”.

            A importância de se conhecer um pouco do funcionamento das agências americanas deve-se ao fato de as mesmas terem servido de modelo para o Direito Administrativo brasileiro que, todavia, não adotou o modelo atual, mas sim inspirou-se naquele vigente na década de 60, quando as agências pecavam pela ausência de mecanismos de controle dos processos decisórios.

            Este modelo, baseia-se, principalmente, na premissa de que os entes reguladores são neutros politicamente, não levando em consideração a falta de representatividade política destes entes e a influência e pressão feitas pelos grupos economicamente mais fortes na regulação, levando as agências a agir nos interesses destes, ao invés de se orientarem pelas políticas publicas traçadas pelo legislador. No direito norte-americano, isto levou a um maior controle das agências pelos três Poderes, e a imposição de procedimentos de legitimação democrática das decisões.

            Feitas estas considerações e observadas as características do direito anglo-americano, deve-se tomar cuidado, ao compará-lo ao sistema brasileiro, de origem romano-germânica. O intercâmbio de institutos entre eles, pode ser feito, desde que  observados os princípios e particularidades de cada um. No entanto, embora as agências tenham surgido primordialmente no direito norte-americano, entes de regulação não são  encontrados somente naquele país, tanto que foram adotados por inúmeras nações européias, da  família do “civil law” como a França, causando inúmeras polêmicas constitucionais semelhantes as que ocorreram nos E.U.A (relativas aos poderes das agências). Desta maneira,  afirma, o ilustre professor Carlos Ari Sundfeld (2000, p. 23)

a regulação é – isso sim- característica de um certo modelo econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o exercício de atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no mercado utilizando de instrumentos de autoridade. Assim, a regulação não é própria de certa família jurídica, mas sim uma opção de política econômica.

 

3  Agências Reguladoras Brasileiras

            Com a intenção de adequar o Estado Brasileiro aos novos desafios da era globalizada, foram elaborados pelo Governo Federal o Plano Nacional de Desestatização e Plano de Reforma do Estado. Dentre os objetivos estipulados por eles, estava a criação das Agências Reguladoras.

            Desta forma, por meio das Emendas Constitucionais nº 8 e 9 de 1995, permitiu-se a criação de um órgão regulador para o setor de telecomunicações (art. 21, XI) e outro para o setor de petróleo (art. 177, § 2º, III), os quais foram implementados, respectivamente, pela Lei nº 9.472/97 (LGT- Lei Geral de Telecomunicações ) , que deu origem à ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações, e pela Lei nº 9.478/97, a qual instituiu a ANP - Agência Nacional do Petróleo. No entanto a primeira agência reguladora brasileira foi a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, criada pela Lei nº 9.427/96. Após estas, muitas outras foram instituídas, através de legislação infraconstitucional, como a ANVISA -Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei nº 9.782/99), a  ANS- Agência Nacional de Saúde Suplementar ( Lei nº 9.961/2000) e a  ANA- Agência Nacional de Águas (Lei nº 9.984/2000), entre outras.

            A maior dificuldade que se encontra nesta matéria é que a proliferação destas entidades reguladoras não veio acompanhada de um marco jurídico regulatório nacional, evidenciando-se a falta de coordenação  do Governo Brasileiro ao tratar do assunto, pois estes órgãos encontram-se disciplinados na Constituição e na legislação infraconstitucional de maneira não muito organizada, o que acaba por suscitar polêmicas. Não obstante, alguns aspectos comuns permitem a elaboração de um arcabouço jurídico.

 

3.2 Conceito e Natureza Jurídica.

            Segundo a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro  (2000, p. 391), “o vocábulo agência é um dos modismos introduzidos no direito brasileiro em decorrência do movimento da globalização”. Ainda segundo a mesma autora, o instituto teria sido importado do direito norte americano, no qual o termo agência abrangeria “qualquer autoridade do governo dos Estados Unidos, esteja ou não sujeita ao controle de outra agência, com a exclusão do Congresso e dos Tribunais”( 2000, p. 391).

            Em que pese a opinião da ilustre professora, tal assertiva não merece guarida e não ajuda em nada na compreensão do fenômeno em tela. Ao revés, as agências reguladoras, muito mais do que simples modismo, refletem toda uma mudança na estrutura do Estado e na forma deste interagir com os interlocutores sociais e econômicos, não mais satisfeitos com a clássica estrutura de poderes do Estado.

            Para se alcançar o conceito de agências reguladoras, deve-se, primeiramente, atentar para as causas que lhe deram origem. Elas surgiram, principalmente devido a três fatores: a incapacidade da Administração Pública de acompanhar o mercado e as inovações tecnológicas, a necessidade de grande especialização normativa para solução dos conflitos modernos e por último, a tentativa de evitar que os setores regulados ficassem a mercê de oscilações políticas. Prestando atenção nestes três fatores, pode-se perceber que o Estado, neste momento, estava precisando de uma entidade, desvencilhada dos entraves burocráticos estatais, com grande capacitação técnica e independentes da Administração Central.

            Assim, o legislador, procurando, entre os órgãos da Administração Indireta, por uma entidade que possuísse todas estas características, encontrou  a autarquia, que pode ser definida como “pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido

nos limites da lei” (DI PIETRO, 2000, p. 361). Tal órgão seria apto a atender as necessidades já expostas, não fosse o forte controle ao qual  as autarquias estão submetidas, principalmente no que tange a intervenção do chefe do Poder Executivo.

            Procurando uma saída para a encruzilhada, o legislador revestiu as agências de “autarquias sob regime especial”, sendo que, regime especial é entendido como uma independência maior do Poder Executivo em relação às simples autarquias.  

            Este enquadramento jurídico, permitiu  à Conrado Hübner Mendes (in: SUNDFELD, 2000, p. 101 e 103) afirmar que

‘agência reguladora’ não significa sequer um novo tipo de organização administrativa. A despeito de estar disposta em dois artigos da Constituição Federal como “ente regulador”, a verdadeira forma jurídica  que esta assume é a de uma autarquia – esta, sim, talvez revolucionária para a Administração Pública na época em que foi criada pelo Decreto-lei nº200, de 25.2.1967. [...] Agências Reguladoras  nada mais são que autarquias destinadas ao desempenho da regulação num setor econômico específico. Ressaltemos: não constituem um novo modelo organizacional dentro da Administração Pública Brasileira, mas sim um conjunto de autarquias com algumas características em comum. Não se pode, portanto, questionar a constitucionalidade do modelo ‘agência reguladora’, em abstrato, salvo se efetivamente esta categoria de ente administrativo tivesse sido criada  juridicamente . Tal, porém, não ocorreu. Criadas – isto sim- foram algumas  autarquias às quais se convencionou chamar  de agências reguladoras. É mero rótulo, e não título jurídico. Para analisar sua constitucionalidade, portanto, deve-se partir da verificação de cada lei específica (grifos do autor).

 

Carlos Ari Sundfeld (2000, p. 26-27) justifica o enquadramento das agências reguladoras dentro do instituto autárquico, devido ao fato do mesmo ser o único entre os entes da Administração Indireta a possuir personalidade de direito público, o que lhe possibilita exercer poderes de autoridade pública (ADIN 1.717-6). Deste modo, temente da censura do Supremo Tribunal Federal, o legislador revestiu as agências reguladoras com roupagem autárquica. 

Por fim, Alexandre Santos de Aragão (2002, p. 274), sabiamente, denota que o principal elemento caracterizador e inovador das agências reguladoras é que ao mesmo tempo em que são entes reguladores (o que não é um aspecto apenas da agências, tendo-se em vista que outros entes administrativos também podem exercer esta função),  também são independentes, sendo que a falta de qualquer destes dois requisitos as descaracteriza. Aduz também, que o que realmente importa é o “regime jurídico objetivamente dado pela lei instituidora da entidade”, qual seja, a independência, que na verdade, não se trata de independência  mas sim de uma autonomia reforçada, ou seja dentro de parâmetros estipulados em lei .

            Feitas estas observações, pode-se conceituar agência reguladoras como autarquias sob regime especial, com autonomia reforçada, destinadas a regular setores específicos, cujos dirigentes devem ser nomeados entre aqueles com capacitação técnica referente ao setor regulado, nomeados pelo Chefe do Poder Executivo e  aprovados pelo Senado Federal, para exercer um mandato determinado, sendo expressamente proibida a exoneração “ad nutum”.

 

3.3 Funçôes

            As agências reguladoras brasileiras são competentes para fiscalizar e regular atividades econômicas em sentido amplo, ou seja, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. No primeiro, a atuação delas deve se pautar pela busca de eficiência, racionalidade e universalização do serviço prestado. Já em relação ao segundo, sua principal incumbência é zelar pela concorrência  e pelo direito dos consumidores.

            Floriano Azevedo Marques Neto (in: SUNDFELD, 2000, p. 93) complementa estas funções afirmando que as agências se prestam basicamente a: i) mediar interesses específicos existentes no segmento regulado; ii) implementar políticas públicas definidas pelos espaços decisórios do poder político; iii)tutelar e proteger os interesses dos seguimentos hipossuficientes encontradiços no setor”.

            Além destas funções incumbe a regulação: a) elaboração de regras gerais para disciplina do setor sob tutela; b) controle das atividades através de fiscalização e investigação; c)aplicação de sanções dos agentes regulados (Lei nº9784/99- Lei do Processo Administrativo); e d) resolução de controvérsias relacionadas à sua competência.

 

3.4 Características

 

a) Autonomia

            Como já foi dito, as agências gozam de uma autonomia reforçada em relação ao demais poderes do Estado, para que melhor exerçam suas funções. Tal fato se revela principalmente na vedação de exoneração “ad nutum” dos seus dirigentes e pela capacidade normativa que elas detém.

 

b) Diversidade de Funções

            Tal característica advém da própria natureza das agências que foram criadas para executar tarefas múltiplas e que são originárias dos três Poderes do Estado. Em razão disto, exercem atividade normativa ( objeto do presente estudo), atividade fiscalizadora ( todas as leis que as instituíram prevêem o desempenho por parte delas  de competências fiscalizatórias sobre os agentes do setor tutelado), atividade sancionatória (decorrente da própria fiscalização) e atividade julgadora ( de conflitos de sua competência, de caráter mais prospectivo, voltado para a realização de políticas públicas).

 

3.3.3.3 Especialização Técnica.

            A terceira característica  é ligada fortemente ao princípio da eficiência e da racionalidade somados a necessidade uma normatização técnica, exigida do Estado para acompanhar sua intervenção no meios econômico e tecnológico. Somente através normas altamente especializadas o Estado será capaz de cumprir concretamente sua função reguladora, exemplo disto é a  exigência de requisitos técnicos para nomeação dos dirigentes das agências  (Art. 5º da Lei  nº 9.986/2000).  O único, “porém”, aqui, é que não se pode ter a ingenuidade de a tecnicidade da norma e sinônimo de imparcialidade, há de se ter critérios bem estabelecidos para se evitar decisões arbitrárias.

 

4.1 Separação dos Poderes e Agências Reguladoras

 

            O princípio da Separação dos Poderes esta consagrado no artigo 2º da Constituição Federal de 1988. Ele foi elaborado por Montesquieu, em sua obra  “L’esprit des Lois”, e implementado primeiramente na França pós Revolução Francesa. Àquela época (Estado Liberal), se tentava ao máximo impedir qualquer forma de concentração de poderes nas  mãos de uma só pessoa.  Assim, foi elaborada a teoria da Tripartição dos Poderes, a qual consiste na

existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos  de controle recíprocos, sempre como garantias da perpetuidade do Estado Democrático de Direito (MORAES, 2002, p. 13).

 

Desde então, tornou-se uma paradigma do Estado Moderno.

Entretanto, o Estado desde seu surgimento vem sofrendo várias mutações. A crise do Estado Liberal,  a ascensão do “Welfare State” e posteriormente do Estado Regulador, mudou em muito a configuração estrutural do Estado. A forte intervenção e a regulação econômica, obrigaram a Administração Pública a utilizar instrumentos normativos para a efetivação dos objetivos que lhe foram impostos. A cada dia, maior é o número de atos normativos emanados pelo Executivo, que rompeu definitivamente o monopólio da produção normativa. Isto causa uma enorme afronta ao clássico e idealista princípio da tripartição dos poderes, no qual a função legiferante cabe apenas e somente ao Poder Legislativo. Neste contexto, as agências reguladoras, detentoras de uma série de funções, geram uma grande perplexidade.

Em razão dos fatos acima expostos, muitos juristas, como a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, 2000) e o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2000), vem levantando vozes contra a produção normativa das agências reguladoras, as quais pertencem ao Poder Executivo. Não obstante, tais críticas têm que ser lidas com muito cuidado. Em primeiro lugar, nunca houve  uma integral aplicação da teoria em tela, isto é, a separação dos poderes jamais foi total. Em segundo lugar, nenhum órgão estatal exerce apenas uma função, mas sim exerce uma delas preponderantemente e a demais quando necessário para atingir seus fins. Em terceiro, nem toda função se resume à uma destas espécies determinadas. E por fim, como conseqüência da descentralização, especialização e setorização da Administração Pública, surgiram fenômenos normativos não parlamentares, que quebraram a unidade do sistema. Logo, infere-se  que

o  que na realidade significa a assim chamada ‘separação dos poderes’, não é, nada mais nada menos, que o reconhecimento de que, por um lado, o Estado tem que cumprir determinadas funções – o problema técnico da divisão do trabalho – e que, por outro, os destinatários do poder seja beneficiados se estas funções forem realizadas por diferentes órgãos: a liberdade é o telos ideológico da teoria da separação de poderes (...) O que comumente, ainda que erroneamente, se costuma denominar como separação dos poderes estatais, é na verdade a distribuição de determinadas funções  estatais a diferentes órgãos do Estado. O conceito de “poderes”, apesar de estar profundamente enraizado, deve ser entendido neste contexto de uma maneira meramente figurativa (LOEWENSTEIN, 1986 apud ARAGÃO, 2002, p. 372-373).

 

 

            Eros Roberto Grau (2000, p. 171) explica  a atribuição normativa aos entes reguladores alegando que  a separação dos poderes não foi concebida como uma efetiva separação, mas sim em uma diferenciação entre eles, relacionada com o equilíbrio e harmonia no exercício das funções estatais. Desta maneira, o Poder Executivo seria exercido sobre situações momentâneas, atendendo as circunstâncias que exigissem rapidez, o que  Grau chama de “capacidade normativa de conjuntura”, enquanto o Legislativo cuidaria de situações mais estáveis.

            O que importa realmente aqui, é perceber que o modelo clássico da separação dos poderes foi criado para situações nas quais o intervencionismo estatal é muito baixo, o que não requer uma profusão de normas especializadas atinentes à todas as atividades econômicas. As inúmeras críticas à atual formulação do Estado, devem-se em grande parte, a forte ligação que este dogma tem com idéia de democracia e ao mesmo tempo, ao medo de descontrole do poder público.

            No entanto, supor que a tripartição é rígida e imutável é impedir o funcionamento do sistema estatal. É preciso, antes mais nada, atentar para suas deficiências e buscar novas maneiras de reorganizar o Estado, conjugando democracia com eficiência, e harmonizando os poderes, de forma que os mesmos não sejam ilimitados, nem maiores uns que os outros. Dentro deste cenário, as agências podem muito bem ser aceitas, basta buscar formas de trazer para dentro dela, as características à pouco citadas.

           

4.2 Função Normativa das Agências Reguladoras

            Como forma de implementar a autonomia das agências, de agilizar sua atuação nos setores regulados,  e permitir que as mesmas emitissem uma normatização técnica, longe das oscilações políticas, foi conferido às agências  o poder de editar normas relativas à atividade que regulam.

            Estas agências foram criadas por leis específicas, cada uma delas outorgando-lhe uma série prerrogativas, variáveis, mas que, no entanto, permitem à todas a regulação, isto é, a normatização, objetivando, primordialmente o desenvolvimento de políticas públicas.

            Esta competência, que é sem sombra de dúvidas uma de suas característica mais marcantes juntamente com a autonomia funcional das agências, tem gerado uma série de controvérsias, em relação ao já discutido princípio da separação dos poderes, e principalmente quanto a outro princípio decorrente deste primeiro, o da legalidade. Dentro desta discussão, na  qual se encontram  as mais diversas opiniões, basicamente se questiona a natureza jurídica e os efeitos dos atos de regulação. Desta forma o próximo tópico irá abordar estes atos normativos em consonância com a atual regulação econômica, sob o prisma da legalidade.

 

4.3 Principio da Legalidade

 

            Corolário decorrente do princípio da separação dos poderes, o princípio da legalidade é considerado um dos pilares do Estado de Direito. Tanto é assim, que a Constituição Federal em seu artigo 5º, II, afirma  que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A Carta Magna, ainda impõe este postulado explicitamente a Administração Pública, no caput do artigo 37.

Seguindo a idéia liberal de lei, isto é, aquela emanada do parlamento, restava ao administrador e ao juiz “apenas a execução da lei, tendo funções meramente cognitivas, nunca volitivas” (ARAGÃO, 2002, p. 397). Hoje, o princípio encontra-se hoje em crise, diante da  superabundância de normas provenientes de inúmeras fontes normativas.

            Problematizando o tema Floriano Azevedo Marques Neto (in: SUNFELD, 2000, p. 94-95) assevera:

O fato é que a atuação destes órgãos reguladores reflete a crise vivida pelo princípio da legalidade; crise esta, que não decorre meramente do fenômeno do surgimento das agências, mas da própria profusão de fontes normativas. Aqui parece se colocar a chave para superar a crítica, sempre relativa à suposta contraposição entre a nova regulação estatal e o princípio da legalidade. A oposição não está entre as competências e as funções da agência e a figura da lei como fonte necessária das competências do agente público. O que parece estar em questão é a motriz da legalidade. Ou seja: o tipo de prescrição que deverá estar contida no comando legal. Presente parece estar a inviabilidade de se pretender que o princípio da legalidade imponha que a norma legal deva trazer, precisamente o conteúdo, a forma, a oportunidade e a ocasião  do exercício da atividade regulatória [...] A relação das agências reguladoras com o Direito se dá em face de uma nova legalidade: a lei define as metas principais e os contornos da atividade do órgão regulador, cometendo-lhe (nestes limites e sob o controle do Judiciário e do próprio Legislativo) ampla margem de atuação. Atuação, esta, que segue um novo tipo de discricionariedade, pautado fundamentalmente pelos objetivos definidos lei para serem implementados no setor regulado. Operar neste contexto impõe aos administrativistas desafios abissais[...].

 

 Como se pode perceber, houve, como já foi aqui afirmado várias vezes, uma modificação brutal na estrutura do Estado, mas é importante atentar que o princípio sob hipótese nunca foi ortodoxamente aplicado. Infelizmente, a lei, em seu sentido clássico,  nunca conseguiu alcançar todas as necessidades humanas sendo, ainda hoje, bastante incompleta. Assim, a lei não pode prescrever todos os atos a serem  executados pelo administrador público, o que resultou no surgimento da discricionariedade, que é, de certa forma,  uma exceção ao princípio. Além do mais, os cidadãos, para satisfação de seus interesses mais específicos, não podem  depender de um lento processo de elaboração da lei.

            Esta incompatibilidade do dogma legalista com nova atuação do Poder Executivo, é fruto, conforme o professor Sebastião Botto de Barros Tojal (in: MORAES, 2002, p. 161-162), de um processo de ampliação das funções exercidas pela lei, que agora é instrumento de intervenção no meio econômico e social. Esta mudança permitiu ao nobre doutrinador concluir que

não se trata, por conseguinte , de negar o reconhecimento do que se denominou aqui de perda de centralidade política da produção normativa, enfim, da perda pelo Poder Legislativo do monopólio da produção normativa. Nessa toada, é de reconhecer que a norma do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, em virtude da qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, há de ser tomada como uma garantia constitucional de ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da ação normativa do Estado. Nessa medida, salta toda evidência que o que garante a legitimidade do comando normativo não é a retórica da legalidade formal, mas a materialidade desse mesmo comando normativo. Pretender o contrário, isto é, que a lei como tal formalmente considerada, seja tomada como única fonte primária legítima de direitos e obrigações, implica em desprestigiar o próprio texto constitucional, pelo que ele tem de mais caro, vale dizer, a condução do Estado no sentido da edificação de uma nova ordem econômica e social, legítima por seus próprios fundamentos e finalidades[...].

           

Escrevendo sobre o mesmo tema, Alexandre de Moraes (2002, p. 21) explica a nova concepção do princípio da legalidade, baseado no binômio descentralização administrativa- centralização política. Por um lado, tem-se  uma descentralização administrativa com intuito de atender as exigências de celeridade, eficiência e eficácia fiscalizatória impostas à Administração Pública. Por outro, a centralização política como necessidade de se manter legitimidade do poder estatal, corporificado no Parlamento, o qual estabelecerá as diretrizes gerais e limites para que os agentes públicos emitam estas novas normas, ou seja, a lei fixará parâmetros para a o exercício da atividade reguladora.

Em síntese, a lei teve seu papel totalmente modificado a partir do momento em que o Estado passou a intervir no meio econômico tornando-se instrumento de transformação social. Hoje, não se governa mais somente segundo a lei, mas sim, por meio de leis. Isto mudou em muito a forma de se enxergar o princípio da legalidade. O que se deve ter em  mira, “independentemente de qual seja o Poder ou a entidade emanadora, é que as normas jurídicas devem, em qualquer hipótese, atender ao devido processo legal, em suas dimensões adjetivas e substantivas, e visar à realização dos valores constitucionais”(ARAGÃO, 2002, p. 404).

Dentro desta nova concepção de “lei” e do surgimento de novas funções legais, principalmente a reguladora, muitos juristas buscaram teorias para explicar sua natureza jurídica, para que os mesmas sejam realmente institucionalizadas, e admitidas no direito. Basicamente, situam-se em dois campos:  o da delegação legislativa e do direito regulatório

Apenas antes de iniciar esta abordagem,  é preciso lembrar que o artigo 84, inciso IV, o qual permite ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei, não lhe da competência privativa para emiti-los, como defendem alguns juristas, que fazem uma interpretação literal e isolada do artigo. É pacífico no direito brasileiro que órgãos da Administração Pública, mais técnicos e especializados, detém competência para fazer o mesmo, como é o caso do BACEN (Banco Central do Brasil).

a)Delegação Legislativa

            Inúmeros autores inferem que o poder regulamentar das agências reguladoras seria uma delegação legislativa feita pelo Parlamento aos entes administrativos, consoante o direito norte - americano.

            Para Alexandre de Moraes (2002, p. 13-38), o Congresso Nacional poderia delegar aos entes reguladores poder normativo, desde que esta delegação estabelecesse os limites ou parâmetros para atuação das agências reguladoras. Caberia ainda, ao Congresso estruturar e fiscalizar as atividades das mesmas, tudo conforme a direito anglo-americano. No entanto, o nobre constitucionalista nada discorre sobre a possibilidade de delegação legislativa no direito pátrio, assunto este bastante controverso,  confundindo as funções de regular  e regulamentar.

            Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2000, p. 143-158), por sua vez, em seu texto “Agências Reguladoras: Legalidade e Constitucionalidade”, interpreta o assunto de maneira no mínimo interessante. Inicia o autor explanando acerca da delegação legislativa. Primeiramente, expõe sobre a delegação nominada (correspondente à lei-delegada e aos regulamentos para fiel execução da lei, privativos do chefe do Poder Executivo, e disciplinada diretamente na Constituição) e a delegação inonimada (aquela estabelecida por lei infraconstitucional, e que à princípio corresponderia à ao poder normativo das agências). Dentre as duas, afirma, ser somente a primeira aceita no ordenamento constitucional brasileiro, pois a segunda hipótese  criaria um quarto Poder. Assim, buscando uma justificativa para o poder normativos das agências reguladoras, o renomado autor  remete-se ao princípio da eficiência, acrescentado na Constituição Federal por força da Emenda Constitucional nº 19/98. Para ele, tal princípio exigiria que a Administração fosse dotada de “competências reguladoras de natureza técnica  especializada”, sob pena de não alcançar a eficiência. Disto surgiria uma “delegação instrumental”, com intuito de se efetivar os fins previstos em lei, neste caso a eficiência. Porém, não parece que tal dispositivo, apenas um postulado genérico, tenha capacidade de inovar o sistema a constitucional a ponto de criar uma nova forma de delegação  normativa que não foi expressamente prevista no texto constitucional.

            Em total discordância, José Afonso da SILVA (2003, p. 424-427) aduz incisivamente que as únicas duas hipóteses de delegação legislativa são a medida provisória e a lei delegada, não havendo qualquer outro caso.

            Concluindo, a delegação legislativa está longe de responder às dúvidas atinentes a origem dos poderes normativos das agências. No sistema constitucional nacional, o assunto é muito bem delimitado, sendo estipulados uma série de requisitos específicos para sua ocorrência (CF, art. 68). Parece ser inconcebível que lei ordinária possa delegar poderes, que somente ocorrem em caráter excepcional, como na medida provisória. Portanto, é evidente não se tratar de delegação legislativa, pois adotar esta teoria significa afastar-se em muito do texto constitucional.


b) Direito Regulatório

            Sebastião Botto de Barros Tojal e  Alexandre Santos de Aragão, apoiados em Gunter Tubner, postulam que estas normas expressam um novo tipo de direito, o chamado “direito regulatório”.

            Para o primeiro, antes de mais nada, é preciso discernir entre poder regulamentar  e regulação. As agências, apesar de originarem atos normativos, tais quais os regulamentos executivos (regulamentação clássica), também emanam normas gerais e abstratas  que não visão apenas a mera execução da lei.  Tojal (in: MORAES, 2002, p. 159)  chega mesmo a afirmar que

parece afastar-se também da aplicação de uma noção clássica de poder regulamentar. Em verdade o poder regulamentar implica a capacidade de produção de norma geral e abstrata que tem , por sua vez, o condão de facilitar a execução de outra norma geral e abstrata denominada lei. Não é bem isto que ocorre com o poder normativo propriamente dito, com as normas típicas de desempenho da atividade regulatória. A regulamentação é estática, enquanto a regulação é dinâmica [...] Não se trata de mero controle ou fiscalização, consubstanciado no poder de polícia [...] A regulação, desse modo, remete o intérprete do direito a um tipo de função, repita-se, dotada de riqueza e dinamismo sensivelmente maior do que a mera regulamentação. O desafio, portanto, reside no isolamento dessa categoria de atos relativos ao direito regulatório, isto é, provimentos originários do exercício do poder normativo, inconfundíveis, entretanto com o clássico poder regulamentar, mas que formalmente não têm o status de lei (grifos do autor).

 

 

                Partindo desta premissa, afirma que o poder regulador consiste nas atividades fiscalizadora  e regulatória, não se aplicando à esta última, o conceito de regulamento executivo. Então, indaga como compreender as atribuições dadas as agências em vista de seu papel regulador  e ao mesmo tempo  realizador da mediação política  dentro dos setores sensíveis da iniciativa privada,  e que possuem um caráter fortemente executivo. Para ele, a atividade regulatória vai muito além da regulamentação, o que não põe em perigo os direitos e garantias individuais, ao revés, visa implementá-las, atingir os fins da lei. Deve haver, obviamente, limites desta regulação, principalmente materiais.  Por fim, conclui o autor (TOJAL in: MORAES, 2002, p. 161) que

o que se convencionou denominar de materialização da norma jurídica revela a existência de um conjunto de atividades estatais com feição jurídica voltada para a implementação de objetivos e finalidades do sistema político, o que autoriza o reconhecimento do caráter normativo de que vêm revestidas, dissociado, portanto, das simples repetições de proposições formais contidas na norma legal (grifos do autor)

           

            Sob esta perspectiva,  o poder normativo regulador passa a ser utilizado para a efetivação das finalidades e políticas públicas. Acrescenta, ao final, que em virtude  desta atividade regulatória, há uma necessidade eminente de reformulação do controle do poder, principalmente o jurisdicional.

            Nesta mesma linha de pensamento, sem, no entanto, diferir entre regulamentar e regular, mas sim ampliando o sentido do vocábulo regulamentar para abranger o de regular,   Santos de Aragão (2002, p. 406-418), adiciona  ao acima exposto, a crescente relatividade da distinção entre Executivo e Legislativo, optando por um conceito amplo de execução (regulamentação), no sentido de que esta deve buscar efetivamente os fins estabelecidos na lei pelo legislador. Nesta senda, assegura que tal “execução” será exercida dentro de parâmetros determinadores de limites claros para atuação do poder regulador ou regulamentador, comparados aos “standards” norte americanos, ou às “lois-cadre” (leis quadro) do direito francês. Finaliza asseverando que  um conceito estrito de execução inviabilizaria a Administração Pública, com todas as obrigações que hoje lhe são impostas.

            Nesse sentido, as agências reguladoras foram  instituídas por leis cheias de objetivos e valores (princípios) a serem atingidos, os quais, sem admissão do poder regulador, evidentemente dentro de limites claros e sob controle dos Poderes da República, não seriam alcançados. A ANATEL, por exemplo, é incumbida pela Lei nº 9.427/97, a  “adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras”(art. 18, caput),  e até mesmo “expedir normas quanto à outorga,  prestação e fruição de serviços de telecomunicações no regime público” (art. 18, IV). A Lei nº  9.782/99, incumbe a ANVISA “estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária” e “estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam riscos à saúde”(art. 7º, III e IV, respectivamente). Logo, pode-se dizer que as agências foram incumbidas de realizar uma diversidade de valores sociais econômicos.

            Face a novidade da matéria, está ainda não é  vista de forma uniforme no direito público brasileiro, mas é fato que a função reguladora das agências está sendo exercida constantemente. Diante disto, a opção que melhor explica a natureza  jurídica dos atos emanados pelas agências no exercício de suas atividade parece ser a que reconhece a existência de um direito regulatório, postos em vigor para executar e concretizar os fins estabelecidos por lei. Pode-se denominá-los “atos administrativos de regulação”, conforme os chama Barros Tojal. Todavia, não se deve esquecer  que, como qualquer ato administrativo, estão sujeitos a controle pelos Poderes Judiciário e Legislativo.  

 

5 Conclusão

            A partir da década de 90, o Estado brasileiro começou a passar por uma série de modificações estruturais. Em vista das grandes necessidades  sociais, e da falta de recursos para investir, se viu obrigado a mudar seu modelo de atuação, pois caso contrário, poderia ruir. Assim, revestiu-se do modelo regulador, deixando de intervir diretamente na economia, passando a ordenar os agentes econômicos com intuito de alcançar as metas que lhe foram impostas.            Neste novo ambiente, o Estado deixa de executar diretamente os serviços públicos e as atividades econômicas, passando-as, agora, para as mãos da iniciativa privada. No entanto, ele se preocupou em não deixá-las flutuar conforme as regras de mercado, o que traria obviamente, inúmeros prejuízos sociais, e também econômicos. Buscando meios para controlar tais atividades, o legislador brasileiro, seguindo uma tendência mundial, e não somente americana, inseriu no ordenamento nacional as agências reguladoras, entes autônomos em relação ao Poder Executivo, com poder regulador (capazes de emitir normas), que tem a missão de implementar políticas públicas e ao mesmo tempo gerar segurança jurídica para atração dos investimentos que o país tanto precisa.

            Estas características causam perplexidade à uma primeira vista, pois ainda se encontram muito forte no seio da sociedade as idéias liberais de separação de poderes e  do princípio da legalidade. Junte-se à isto, a falta de legitimidade política das agências quanto à sua atividade normativa, enquanto entes desprovidos de representação social. Enfim, os ideais clássicos do Estado Democrático de Direito parecem colidir com este novo ente administrativo e consequentemente com a Lei Maior Brasileira. 

              No entanto, é preciso ter cuidado  ao adotar tais afirmações. O Estado  não é mais mero mantenedor do “status quo”,  mas agente transformador do meio social e econômico. Assim, aqueles instrumentos criados para uma situação de baixa intervenção estatal, não se adaptam ao conceitos nem do “Welfare State”,  muito menos  ao de Estado Regulador. É preciso ajustar estes postulados ao cenário contemporâneo, no qual o Estado, através da regulação, busca atingir suas finalidades.

            Partindo-se deste ponto de vista pode-se dizer que, por um lado, as agências reguladoras são muito bem vindas ao ordenamento jurídico brasileiro, no sentido em visam implementar as políticas públicas. A autonomia que lhes é outorgada evita intervenções políticas com fins eleitoreiros e populistas, gerando segurança jurídica e dando continuidade ao programas sociais e econômicos, o que é de grande importância para o país. O poder normativo (ou função reguladora), por sua vez, permite que as mesmas emitam normas especializadas,  de maneira rápida e dinâmica, evitando-se que a burocracia estatal não acompanhe as mudanças econômicas e tecnológicas,  o que prejudicaria o país, levando-se em conta  a globalização. Por outro lado, muito embora, sejam criadas pelo Poder Executivo, e sujeitas à incontestável controle pelos Poderes  Legislativo e Judiciário, como qualquer outro órgão da Administração Pública,  as agências reguladoras carecem representatividade política direta, e portanto,  precisam de alguns reparos para se adaptarem totalmente ao ordenamento jurídico brasileiro.

 Para se justificar o caráter normativo da atividade reguladora é preciso legitimá-las definitivamente, impondo à elas procedimentos transparentes e que permitam a real participação popular. Em primeiro lugar, estes procedimentos devem ser determinados para maior garantia do princípio da legalidade, em seu sentido substancial (aplicação finalística da lei), não meramente formal. Em segundo lugar, permitir a verdadeira efetivação da participação de todos interessados no processo regulatório, pois embora as leis instituidoras das agências reguladoras prevejam alguns mecanismos de participação pública, estes não possuem caráter vinculante, não são acessíveis aos usuários, as matérias abordadas são excessivamente especializadas, o que impede o acesso do cidadão ao seu conteúdo, sem contar o riscos que as agências correm de serem “capturadas”  pelo grupos econômicos. Para se evitar isto, deve haver uma maior publicidade dos atos das agências e ampliar o rol de participantes no processo normativo, estendendo-se  tal possibilidade, por exemplo,  às associações e ao Ministério Público .

Este é o desafio que se põe hoje às agências reguladoras, balancear interesses antagônicos, observando o princípio democrático, conjugando os princípios da legalidade e eficiência. Somente assim, se  justificará seu poder normativo, o que significa, legitimar a ação normativa das agências reguladoras, levando-se em consideração os objetivos da Carta Magna. Isto fará com que o processo regulatório atenda a todo corpo social, efetivando, realmente, as políticas públicas.

 

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SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000.

 


Autor: Diogo Faria Signoretti


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