O "olhar" na perspectiva do filosofo Jean-Paul Sartre
A perspectiva sartreana sobre o existencialismo se mostra bastante significativa, já que seu principal pressuposto é que "a existência precede a essência"; assim Sartre quer valorizar a categoria da existência já que em toda tradição filosófica está sempre ficou á margem.
A filosofia existencialista também pode ser chamada de "filosofia da crise" em vista dessa filosofia nascer em plena crise da civilização ocidental.
Queremos aprimorar de forma perspicaz um pequeno fragmento que faz parte do texto de Sartre o "Ser e o Nada". Tal fragmento tem como subtítulo "O olhar". Percebemos nesse opúsculo que existe uma forma de relação entre sujeito e objeto, uma relação de conhecimento. Pois Sartre não deixa de ser filho do cogito, pois está dentro da perspectiva da filosofia da consciência, mesmo com toda uma fundamentação ontológica.
Nesse fragmento "O olhar" aparece dois momentos: o eu- objeto e outro- objeto, isto é, a relação entre o sujeito e objeto que para Sartre significa o para-si e o em-si. A relação com o outro é sempre conflituosa, existe um circulo vicioso; no olhar o outro é objeto para mim e eu sou objeto para o outro. Tanto o Eu como Outro está na categoria da objetividade. Nesse sentido Sartre diz:
É na revelação e pela revelação de meu ser-objeto para o outro que devo poder captar a presença do seu ser-sujeito. Por que, assim como o outro é para meu ser-sujeito um objeto provável, também só posso descobrir-me no processo de me tornar objeto provável para um sujeito certo .
Dando continuidade a esta primeira parte do texto, Sartre focaliza que através da co-relação dada pelo olhar, eu posso me tornar um objeto para o outro, pois o outro me escapa, nisto ele diz:
A liberdade do outro revela-se a mim através da inquietante indeterminação de ser que sou para ele. Assim, este ser não é meu possível, não está sempre em questão no cerne de minha liberdade: ao contrario, é o limite de minha liberdade, seu "revesso", nesse sentido é que nos referimos ao "revesso da moeda"; tal ser me é dado como um fardo que carrego sem que jamais possa virar o rosto para conhecê-lo sem se quer poder sentir seu peso .
E diz ainda:
Com o olhar do outro a "situação" me escapa, ou, para usar de expressão banal, mas que traduz bem nosso pensamento: já não sou dono da situação .
Nesse sentido, é que, quando sou objeto, eu sempre fico do "lado de fora", pois todo o momento é aprendido pelo outro-sujeito. Para isto ele diz:
O olhar do outro, na medida em que o apreendo, vem atribuir ao meu tempo uma dimensão nova, enquanto presente captado pelo outro como meu presente, minha presença possui um lado de fora; esta presença que se presentifica para mim, para mim se aliena em um presente ao qual o Outro se faz presente; sou lançado no presente universal enquanto outro se faz presença a mim .
Ademais, o outro é para mim antes de tudo o ser para qual sou objeto, ou seja, o ser pela qual adquiro minha objetividade, assim, posso reverter esse processo no qual eu não mais serei objeto, mas sujeito. Assim aparece o segundo momento, isto é, o outro-objeto. Dado que eu tenho de reconhecer a minha condição de objeto (não posso ficar preso sempre à má-fé), pois assim como o outro me reduz a objeto eu também posso reduzir o outro a condição de objeto. Eis aqui aquilo que Sartre chama de metamorfose; para isso Sartre diz:
Portanto, na medida em que tomo consciência (de) mim como uma de minhas livres possibilidades, e me projeto rumo a mim mesmo para realizar esta ipseidade, eis-me responsável pela existência do outro: sou eu, pela afirmação de minha livre espontaneidade que faço com que haja um outro, e não simplesmente uma remissão infinita da consciência a si mesmo. O outro se encontra, pois, posto de lado, como aquele que depende de mim não ser, e, por isso, sua transcendência não é mais transcendência que me transcende rumo a si,e sim transcendência puramente contemplada, circuito de ipseidade simplesmente dado .
Nessa ótica, o outro vai aparecer a partir de agora como presença degradada, já que tomo conta de minhas possibilidades. Nesse sentido devo procurar o máximo de tempo deixar o outro na condição de objeto, para isso Sartre afirma:
Assim, o outro - objeto é um instrumento explosivo que manejo com cuidado, por que antevejo em torno dele a possibilidade permanente que o façam explodir e, com esta explosão, eu venha a experimentar de súbito a fuga do mundo para fora de mim e a alienação de meu ser. Meu cuidado constante é, portanto conter o outro em sua objetividade, e minhas relações com o outro - objeto são feitas essencialmente de ardis de destinados a fazê-lo permanecer como objeto .
Assim sendo, é necessário um cuidado nessa relação já que em nenhum momento é estável, pois não há simultaneidade. Nesse pressuposto o próprio Sartre diz que: sou remetido da transfiguração à degradação e da degradação a transfiguração. Pois nenhuma síntese dessas duas formas é possível.
Portanto, dado esses dois momentos: o eu-objeto e o outro-objeto, pode-se perguntar por que há outros? Já que o outro ameaça a minha liberdade e as minhas possibilidades. Nesse sentido que o próprio Sartre vai dizer que "meu inferno são os outros", devido a tal ameaça. É necessário um verdadeiro cuidado sobre o ser. Pois este ser enquanto presente é um ser de possibilidades que vive devidamente em angustias.
Autor: Marcio Dos Santos Rabelo
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