As analogias das pregas do velho senhor



Era feriado. Minha comodidade obrigou-me a dormir até tarde naquela sexta-feira, coisa que fazia com todo prazer, já que a manhã era sonolenta e o relógio soava de maneira tão preguiçosa, sussurrando os tique-taques de modo que o urso em hibernação dentro de mim não me acordaria tão cedo. Não mesmo!
De fato, dormi. Eram pouco mais de três da tarde quando senti meu corpo ferver com um calor escaldante que entrava no meu quarto tirando minha privacidade e meu sono.
Acordar não foi tão ruim quanto pensei, pois sentia-me extremamente descansado. Ao pisar no chão, que parecia gélido, meus pés pararam de súbito e meus ouvidos prestaram atenção. Alguém batia palmas. Dei alguns passos até a porta e encarei um senhor cuja velhice era notável e a flor da mocidade era murcha. As marcas da idade rodeavam-lhe o rosto, as quais, com o falar do homem, pareciam dançar uma coreografia sem ritmo sobre sua pele.
O pedinte falou claro e rápido o que queria, com o temor de uma formiga diante de um gigante, mesmo que a situação não fosse essa: "Boa tarde, jovem senhor! Poderia me dar alguma ajuda?" O sotaque dele mostrava que era mesmo goiano. Seus olhos medrosos olhavam o chão enquanto falava comigo.
Apesar de ter tirado o pijama, meu rosto estava tão amassado quanto meu coração diante daquele pedido. Passei a refletir. O tempo parecia ter parado enquanto eu continuava olhando para o velho senhor sem falar palavra alguma.
Observei aquele homem um pouco mais. Suas pregas me eram familiares. Não como pregas. Elas faziam analogia aos buracos que haviam em minha rua, que, ao invés de dançarem, fazem que outros dancem com seu balanço. As analogias continuam quando as pregas passam a se assemelhar aos aviões que sobem e descem no aeroporto, que fica a cerca de 900m de minha casa.
Minhas reflexões cessaram e eu voltei ao velhinho: "Do que você precisa, meu senhor?" Fiz uma pergunta óbvia.
"Eu preciso de um trabalho para sustentar minha família." Um avião levantava voo nesse momento. Me surpreendi com a resposta. Não fora óbvia.
Eu analisava o caso olhando para o céu, que refletia o brilho do sol das quatro. Não sabia de nenhum trabalho possível para aquele senhor. Levantei e disse que me admirei com sua força, apesar da idade. Dei, então, dez reais a ele como remissão e me despedi, desejando-lhe tudo de melhor.
Aquele acontecimento me fez refletir. Com as pregas do velho fiz uma boa analogia, o que me fez perceber que o lugar onde vivo realmente vive em mim.
Autor: Ana Caroline De Sousa


Artigos Relacionados


Há Tempo De Nascer E Tempo De Morrer.

Minha História

Na Mesma Consciência

Senhor, Minha Esperança

Ele

Chuva Molhada

Minhas Noites