A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO PROCESSO PENAL ANTES E DEPOIS DA QUEIXA-CRIME VIA RENÚNCIA E PERDÃO



A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO PROCESSO PENAL
ANTES E DEPOIS DA QUEIXA-CRIME VIA RENÚNCIA E PERDÃO


Este artigo visa apresentar as causas de extinção da punibilidade na ação penal privada pela vontade do autor, através dos institutos da renúncia e do perdão.

1 Introdução


A extinção da punibilidade pelo interesse do ofendido merece enorme atenção, pois ele, se valendo dos instrumentos renúncia e perdão, modificará substancialmente a vida do ofensor, retirando deste o peso de um processo penal que muitas vezes por si só é uma pena. Mesmo sem a condenação, é bastante desagradável ser parte acusada neste processo, dada a dificuldade em preservar a boa imagem perante a sociedade e também a perturbação que obviamente é causada na vida do sujeito, alienado da sua rotina pessoal e de sua tão valorada privacidade.
Pelo exposto até este instante, faremos um breve esclarecimento sobre a renúncia e o perdão, quando e como podem ser aplicados e suas conseqüências jurídicas.


2 Princípios da Ação Penal Privada


A ação penal privada tem como pilares os princípios da oportunidade (ou conveniência), da disponibilidade e da indivisibilidade. Por essa razão, dentro dos limites da lei, o ofendido pode: conforme seu desejo, dispor ou não do direito de ajuizá-la bem como de lhe dar continuidade; contudo, havendo co-autores no crime e resolvendo o querelante abandonar o direito de ação contra qualquer dos ofensores, não poderá excluir os demais dos resultados dessa atitude. Ainda que contrário a sua vontade, o benesse concedido pelo vitimado será oferecido a todos indistintamente.
A ação penal privada é iniciada pela queixa-crime.

Queixa-crime é o nomen juris da petição inicial privativa do ofendido, instauradora da ação penal de sua iniciativa e, excepcionalmente, da ação penal por crime de ação pública.
[?]é petição equivalente à denúncia cujo destinatário é o juiz competente para conhecer e julgar a ação penal por crime de iniciativa do querelante(BOSCHI, 1997, P. 213-214).


Em consonância aos princípios da ação penal privada, é lícito ao ofendido desistir da ação antes da queixa, renunciando ou deixando decair seu direito de ação; como posteriormente à queixa, oferecendo o perdão ou deixando que ocorra a perempção.


3 Renúncia e decadência


O próprio significado da palavra renúncia traz no seu bojo a vontade de abdicação, conduzindo a ideia do seu caráter processual, visto que o direito de punir que surge com uma ofensa a um bem jurídico tutelado pelo direito penal pertence ao Estado, não compete ao particular dele abdicar. Então a pessoa pode somente desistir de invocar do Estado a aplicação do direito objetivo, contra o suposto ofensor, quando admitido o crime como de ação privada ou privada subsidiária da pública(TOURINHO, 2009).
No contexto do direito processual penal, é a desistência por parte da vítima de iniciar um procedimento jurisdicional contra aquele que de alguma forma o agrediu, deixando claro que a desistência de um ofendido, no caso de dois ou mais não exclui dos outros, pois o direito de queixa é individual e cada um deles o possui. Existe um tempo limitado para se dar a renúncia, encerrando-se com o oferecimento da queixa-crime ou da denúncia (nos crimes de ação privada subsidiária da pública) ou após o prazo decadencial.
Vários são os motivos que podem levar o ofendido usar a renúncia. Ele pode não julgar conveniente o processo ou simplesmente não achar que a ofensa tenha lhe atingido de tal maneira que valha a pena o tão desgastante processo. Pode também o ofendido deixar escoar o prazo decadencial, isto é, não se manifestar em tempo pré definido em lei para a decadência do direito, que em regra são seis meses, segundo a disposição do art. 103 do código penal brasileiro:

Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia(BRASIL, 2010)

A renúncia não é aplicável aos ofensores individualmente, sendo assim, se o direito de queixa for renunciado em relação a um, a todos os demais se estenderá.
Como dito anteriormente, renuncia-se a um direito de requerer que o Estado cumpra as normas do direito objetivo, desse modo não depende da aceitação do ofensor portanto é ato unilateral. Pode ser expressa, quando manifestada de forma clara a intenção em abdicar do seu direito, mediante uma declaração assinada pelo ofendido, seu representante ou procurador.
Quanto à renúncia tácita, trata-se de qualquer ato do ofendido incompatível com sua pretensão de ação, admitindo-se para tanto todos os meios de prova em direito admitidos. Tal qual se pode inferir do parágrafo único do art. 104 do Código penal:
Parágrafo único - Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime(BRASIL, 2010).


4 Perdão e perempção


Com as seguintes palavras Tourinho (2009) descreve o perdão: "Perdoar é ser clemente, é indulgenciar, perdão é bondade, é indulgência, é clemência". Em relação ao processo, o perdão é uma desistência em prosseguir com ação já iniciada. A figura da qual falamos se distingue, sem sombra de dúvida, do perdão judicial , proferido pelo juiz, desde que prevista a possibilidade na legislação.
Os princípios da ação penal privada caracterizam o perdão, permitindo a disponibilidade do direito de ação, e vedando sua aplicação a uma parte dos ofensores, no caso de co-autores, por entendimento do principio da indivisibilidade. Entretanto, diferentemente da renúncia, o perdão permite paralização apenas da ação privada, não da subsidiária da pública, posto que, havendo notícia do crime, seria inadmissível a interrupção de uma ação de iniciativa pública. O próprio artigo 105 do Código Penal Brasileiro enuncia:

Art. 105 - O perdão do ofendido, nos crimes em que somente se procede mediante queixa, obsta ao prosseguimento da ação(BRASIL, 2010).

O perdão pode ser processual, por petição nos autos do processo, ou extraprocessual. O processual evidentemente é sempre expresso, já o extraprocessual pode ser expresso, constante de declaração infrassinada pelo ofendido, seu representante ou procurador; e tácito, quando o querelante pratica conduta incompatível com o desejo de atuação do Estado contra o ofensor.
A eliminação da punibilidade será consumada pelo perdão somente se aceito, o que o torna bilateral. A aceitação processual pode ocorrer expressamente, pela manifestação de vontade dentro do processo, e tacitamente, quando não espressar sua recusa dentro de certo período após notifição de que o beneficio lhe foi disponibilizado. A aceitação extraprocessual existe tanto expressa, com declaração assinada pelo ofensor, seu representante ou procurador, como tácita, através de atos incompatíveis com a recusa. O inciso V do artigo 107 do Código Penal Brasileiro traz expressamente:

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
[?]
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada (BRASIL, 2010);

Determina-se que a extinção da punibilidade se concretize pelo perdão aceito, porém isso não restringe a eficácia dos princípios da ação penal privada, porquanto o querelante ofereça o perdão mas o querelado o recuse, aquele poderá deixar de dar andamento ao processo por 30 dias, sofrendo consequentemente a perempção.


5 Considerações Finais


Os esclarecimentos obtidos pela realização do presente artigo propiciam o domínio adequado ao sucesso de quem almeje se enveredar no estudo do Direito Processual Penal. Embora muitos estudos ainda sejam necessários, e nunca alcançar-se-á o suficiente, nesse momento nos conformaremos com a enumeração de algumas breves considerações.
É Importante destacar uma peculiaridade da renúncia, que não se estende ao perdão. Ela reside na unilaterlidade daquela e bilateralidade deste: se a ofensa tiver sido praticada por mais de um autor, e este não aceitar o perdão, a ele não se aplica, ao passo que havendo renúncia a todos se aplicará.
Apesar do perdão exigir aceitação, o querelante pode optar pela perempção. Cumpre destacar que o caráter de bilateralidade do perdão não se equaciona ao do direito privado, direito e dever, mas diz respeito simplesmente a necessária manifestação de vontade de ambas as partes.
A aplicação do direito objetivo é competência estatal, resumindo-se o papel do querelante a solicitar tal medida, resguardado o direito a defesa e ao contraditório do querelado. Ao aceitar o perdão do ofendido pelo suposta ofensa, o querelado estaria admitindo a procedência da queixa-crime, dizendo sim, o fato ocorreu; desfazendo-se a necessidade de julgamento, restaria apenas o dever de punição, porém essa foi dispensada pelo único prejudicado pela ofensa, circunstância pela qual o crime foi descrito pelo legislador como de ação privada, por fim extingue-se a punibilidade. Mas não a culpabilidade, poque aceitar o perdão é confirmar a queixa-crime. Eis o motivo pelo qual deve ser bilateral o perdão: quem o aceitasse considerar-se-ia criminoso, o que traria outras consequências para a vida do querelado.
É oportuno destacar a distinção entre o sentido comum da palavra perdão, absolvição, e o instituto penal. Se eventualmente alguém declarasse ter perdoado outrem pelas ofensas, antes do oferecimento da queixa, teríamos um exemplo de renúncia.
Afinal, o estudo acerca dos institutos evidencia que desde o momento do pretenso crime até o trânsito em julgado, o ofendido pode expressa ou tacitamente, livrar o ofensor das penalidades, nos crimes de ação privada. Aquele, em relação a este, tem nas suas mãos a possibilidade de dispensá-lo da participação em processo criminal.
É interessante entender que tanto a renúncia quanto o perdão devem se dar de forma inequívoca, consciente e livre, visando uma reconciliação entre as partes.
Bom seria se fossem mais usados, assim haveria uma resolução de conflitos mais rápida, certamente favorecendo ambas as partes, levando ao ofensor uma reflexão profunda do ato por ele cometido. Nas ofensas de menor potencial, surtiria maior efeito que uma prisão onde é visível que quase na totalidade das vezes, torna a pessoa menos apta ao convívio social. O judiciário também sofreria grande redução em numero de processos , pois a tão falada e esperada economia processual é uma das conseqüências da aplicação dos institutos, de maneira que outros processos mais graves e urgentes ganhariam celeridade demonstrando a efetividade da prestação jurisdicional em solucionar conflitos socialmente e penalmente relevantes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL. Código de processo penal (1941). Código Penal (1940). Vade Mecum RT 2010 UNIVERSITÁRIO. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE, 1997.

Autor: Marcella Da C. Di Oliveira Cardoso


Artigos Relacionados


AÇÃo Penal

Retratação Da Retratação

Transação Penal Em Ação Penal Privada

Perdão Judicial

Direito Processual Penal/ Crimes Contra A Honra

Transação Penal Em Ações De Iniciativa Privada: Faculdade Do Ofendido?

A Procuração Na Queixa-crime