AUTONOMIA E LIBERDADE DA CRIANÇA




"O objetivo da vida é criar melhor defesa contra a morte."
(Primo Levi)

Autonomia é um dos princípios da trindade ética (autonomia, justiça e beneficência), segundo Bricher ( 2000).
Pode ser definida sucintamente por Silveira Bueno (2000) como a "faculdade de se dominar por si mesmo; direito ou faculdade de se reger por leis próprias; emancipação; independência".
Numa visão mais filosófica, pode ser definida, por Blackburn (1997), como a "capacidade de auto-determinação. Um agente é autônomo quando suas ações são verdadeiramente suas". O autor ainda explicita neste texto a dificuldade na compreensão deste conceito, pois todos os nossos desejos, escolhas e ações são, em partes, causados por fatores que fogem do nosso controle, segundo fatores externos a nós mesmos. Entre eles, em particular, os fatores que a princípio são responsáveis por nosso caráter.
Coa e Pettengill (2006) definem a autonomia como uma palavra originária do grego 'auto' e 'nomos', que significa a atividade e o poder de regrar-se a si mesmo, definindo os próprios interesses e relações. Autonomia seria, para as autoras, um poder exercido com absoluta independência pelo sujeito. As regras escolhidas para disciplinar seus próprios interesses nas relações recíprocas, ou seja, o auto-regramento, é que consiste no que se determina autonomia privada.
No contexto da doença e da hospitalização, pode-se notar passividade, depressão, medo e rebeldia da criança, o que a levaria a sentir-se vulnerável, pois depende do adulto, que ela nem conhece, para a sua sobrevivência e tem pouco controle sobre vários aspectos de sua vida (Coa e Petengill, 2006). Caberia aos profissionais da saúde ajudá-las a caminhar no sentido contrário à vulnerabilidade. Para tanto, seria preciso que fossem dadas à criança as oportunidades necessárias de participar das tomadas de decisões, para que sua autonomia seja desenvolvida gradualmente. Os profissionais de saúde que mantém maior contato com a criança hospitalizada doente são da equipe de enfermagem (Collet e Oliveira, 2002).
Um dos problemas da definição de autonomia é a vontade que, na visão kantiana, determina-se pela própria essência. Daí a ligação entre vontade e autonomia. Trata-se, numa definição legal, uma esfera jurídica do sujeito (a criança), do direito à liberdade, gozo e exercício de direitos subjetivos, uma relação entre exercício de poder e de cumprimento de deveres em face a outros sujeitos, os profissionais (Marchi e Sztajm, 2008). Nesse sentido, apesar de a criança ter direitos jurídicos, existe a heteronomia dos profissionais que, visando a restauração da saúde da criança, nem sempre dão oportunidade para o exercício do direito à liberdade e autonomia desta.
No Estatuto da Criança e do Adolescente é possível observar apontamentos sobre os direitos de liberdade e autonomia da criança, garantidos pelo Estado. A seguir:

  • "Art. 15: A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis".
  • "Art. 16: O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

II- opinião e expressão;
III- crença e culto religioso;
IV- buscar refúgio, auxílio e orientação".


  • "Art. 17: O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, nos espaços e objetos pessoais."

(Fontinele Junior, 2007, pág. 35).

Com base nesses artigos, justifica-se a necessidade da equipe de enfermagem estar preparada para, além da execução das técnicas insubstituíveis, atender aos aspectos psico-sociais da criança hospitalizada.
A criança em iminência de morte não foge à orientação. Ela também tem necessidades além das físicas e precisa da atenção integral da enfermagem. Ao mesmo tempo, como garantir seu direito à orientação e refúgio, quando ela está no período pré-operacional e não compreende com facilidade a definição e as consequências da morte?
Pesquisas apontam para uma tentativa de definir a partir de qual idade a criança teria maturidade neuro-psico-cognitiva para compreender de maneira eficaz a sua finitude próxima. Bricher (2000), em seus estudos, tenta definir a idade ideal por volta dos 10,6 anos de idade, que, segundo a teoria cognitivista, a criança encontra-se já no estágio das operações abstratas e, dessa forma, pode compreender sua situação.
Comunicar a criança entre três e seis anos de idade sobre a possível proximidade de sua morte geraria, portanto, uma angústia, visto que ela não teria maturidade para compreender esse aspecto de sua vida, e também todo o transtorno que se apoderou da vida dela, no ato da hospitalização. E gerar uma angústia que a equipe de enfermagem não poderia solucionar, considerando seu despreparo teórico para tal, não contribuiria em nada para a humanização do processo de morte e morrer daquela criança.

Referências
BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed, 1997.
BRICHER, G. Children in the hospital: issues of power and vulnerability. Pediatr Nurs. 2000, 26(3): 277 ? 82 apud COA, TF; PETTENGILL, MAM. Autonomia da criança hospitalizada frente aos procedimentos: crenças da enfermeira pediatra. Acta Paul Enferm. 2006, 19 (4); 433 ? 8.
COA, TF; PETTENGILL, MAM. Autonomia da criança hospitalizada frente aos procedimentos: crenças da enfermeira pediatra. Acta Paul Enferm. 2006, 19 (4); 433 ? 8.
COLLET, N e OLIVEIRA, BRG. Manual de Enfermagem em Pediatria. Goiânia: AB editora, 2002.
FONTINELE JUNIOR, K. Ética e Bioética em Enfermagem. Goiânia: AB, 2007.
KÜBLER-ROSS, E. Morte: Estágio final da evolução. 2. ed., Rio de janeiro: Record, 1996.
SILVEIRA BUENO. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. Rev. e atual. São Paulo: FTD, 2000.
SILVA, AS. A enfermagem frente à morte de crianças institucionalizadas de 3 a 6 anos de idade: uma análise dos artigos 15 a 17 do estatuto da criança e do Adolescente. Monografia. Lavras: Universidade Federal de Lavras, 2008.


Autor: Andressa S. Silva


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